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    O poder de agência hist(é)órico: aonde essa passagem pode nos levar?

    O raciocínio é simples. Ou o Estado pode subsidiar a tarifa e acaba a conversa ou o Estado não pode bancar os gastos, mas toma como impossível a diminuição do lucro dos empresários

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    Entre cartazes e gritos de ordem heterogêneos pela Avenida Rio Branco em lotação máxima, muitos otimistas, alguns ingênuos e sectaristas, decerto poucos organizados, o que mais ecoa pelos tristes trópicos é a libido da multidão que demonstra insatisfação colossal, mesmo que não-direcionada. Ao chegar em casa, ainda excitado pelo medo real sufocado pelo sentimento de potência, a tevê – sempre suspeita – me conta sobre a violência <<material e simbólica >> dos manifestantes contra a Assembleia do Rio de Janeiro, cuja visão me foi mureada por um carro às chamas, sob aspas de menina algures: “Não é assim que a gente vai conseguir o que a gente quer”. Mas, afinal, o que queremos?

    O cenário constituído nas ruas hoje é um conjunto de demandas generalizadas, de onde podemos subsumir duas faces: admitindo um horizonte de igualdade social, é bom, porque expressa a inquietude da massa perante a inflação, tiro pela culatra de um segmento da população que aumentou seu poder de consumo e se vê agora na iminência – quando não factualidade – de reduzi-lo, ao passo que expressa e representa a necessidade de camadas de trabalhadores abissalmente afetados. Se são mais do que vinte centavos – e o são -, estes já são suficientes para custar a muitos, sejam estes muitos o grosso das manifestações ou não. Chame a isto solidariedade ou consciência de classe, ela é necessária à Política crível; por outro lado, a falta de pautas concretas pode findar-se em uma luta contra todas as mazelas do mundo, portanto geradora de resultados apenas micro-físicos e dispersos. "Aquele que não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável", sussurra o grão-mestre oriental da Política enquanto Arte, Sun Tzu, fronte às centenas de milhares. Todavia, a histeria inarticulada ensaia nos dizer algo.

    Ao passo que o povo admite as regras do jogo da Democracia representativa, uma vez que vota continuamente – sob lastros dos vícios de sempre, do personalismo ao nada póstumo voto de cabresto – demonstra tacitamente reconhecer o atual modelo político como falido. Exemplo óbvio disso são os gritos inocentes dos camisas-brancas “Sem partido!”, nas manifestações pelo país. Ora, espero não expressar uma expectativa igualmente ingênua, mas que não seja uma sugestão para autocracias, porquanto anarquistas eram aos gatos pingados. Não foi fácil constituirmos espaços e organizações para deliberarmos sobre a vida pública, muita gente deu literalmente o sangue para ser minimamente viável irmos às ruas. Então, é completamente legítimo que grupos fixos de pessoas, inclusive partidos políticos, atuem nas manifestações. Sinal exclusivo de que não são negligentes ao debate e às lutas sociais – o que não quer dizer engessar os levantes ao seu redor, muito menos esquecer a promiscuidade ideológica recorrente. Devemos, outrossim, indagar se as manifestações não podem gerar ganhos políticos para grupos que já são hegemonicamente dominantes no país, em oposição ainda infante. A reviravolta da grande mídia, vide verborragia vendida do Jabor que virou a casaca, não é disparatada. Em tempo, antes que sejamos inocentes úteis: focar no PT, neste causo, é aderir a interesses díspares dos que motivaram as manifestações. Para o que o PT é doença, o PSDB é estágio terminal.

    A geração que sente <<sentimos>> este inquietante espectro que nos impele a ir às ruas não viveu os caras-pintadas, as Diretas Já. É filha de um jogo de forças que compôs a crença do fim da História, que a Democracia tal qual nos acomete está dada e acabada, nos restando a reificação de suas condições, alterando atores, não papéis. Até mesmo a parcela que desacredita desta falácia, sobretudo embebida dos/nos movimentos estudantis, acaba por expor-se em simulacro. Entoam músicas contra a Ditadura, a qual ainda resvala nas desproporções policiais, reflexos de seus comandos e suas altas cúpulas, mas a verdade é que nos faltam novos versos, novos estímulos. Muitos, na manifestação, querem gritar ao mundo suas indignações – e podem e devem -, mesmo que nem eles próprios saibam quais são ao exato, tampouco que tenham qualquer bússola às mãos. Sua histeria é desejo de palco para desvelar um jogo político que não os dá voz, seja lá para quais versos se dissiparem. Sua mimese de outro período é, por si só, o que lhe dá ares de ineditismo. Lutam como se detivessem uma grande causa sem propriamente uma metanarrativa que os vincule.

    Se algo parece não instituir laços de legitimidade é a depredação de patrimônios públicos. À parte a manutenção da <<qual?>> ordem, o que se vê como depredação do patrimônio público hoje foram marcos simbólicos da participação popular em outros tempos: em grandes revoluções, não é o patrimônio material que é preservado, mas o clamor das massas. Todavia, muito mais importante do que o pacificismo reacionário, cabe indagar o que está de fato está em jogo nessas manifestações. Se não haverá uma revolução que será nossa redenção muito mais do que contra a corrupção, e sim contra uma legalidade que permite privilégios de grupos sociais tão ínfimos, seja por qual destino for, uma ambivalência se expressa: é necessário que algumas bandeiras, no mínimo sobre direitos civis, se coloquem. Só existem três grupos a pagar o valor da passagem: nós, o Estado ou as empresas. O raciocínio é simples. Ou o Estado pode subsidiar a tarifa e acaba a conversa ou o Estado não pode bancar os gastos, mas toma como impossível a diminuição do lucro dos empresários. Essa conta imprescindível, que aponta para prioridades que não sejam atreladas aos mega-eventos, mas necessidades básicas citadinas, só não pode parar no bolso da população, tampouco no travestido aumento dos impostos; no mais, enfim, aonde essa passagem, repleta de incongruências e dispersões pode nos levar?

    Em tempos de liquidez, não deixo minha posição pulverizada pelas interpretações. Tomara <<e lutemos para>> que o povo brasileiro consiga, no mínimo, a diminuição dos valores das passagens e saiba, enfim, transmutar da paz calada ao hábito da participação política cotidiana, cimentando voz decerto não uníssona, mas plural de um país que deve ter como principal condutor de sua história a aliança entre a pujante libido e a construção permanente da soberania popular.

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