Presidente do STF: é preciso mudar "cultura do encarceramento"
Presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, disse nessa sexta-feira, 6, que é preciso mudar a "cultura do encarceramento"; pare ele, excesso de prisões não se deve só aos delegados ou membros do Ministério Público; "Temos nossa parcela de responsabilidade, com as decisões dos juízes de execução"; Brasil tem 600 mil presos, sendo 40% deles provisórios; isso equivale a 240 mil presos que não tiveram seus casos julgados, mas estão atrás das grades
Marcos de Vasconcellos, do Consultor Jurídico - Enquanto as prisões de empresários na operação "lava jato" ganham repercussão na sociedade, a "política do encarceramento" foi duramente criticada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski. Em evento no Tribunal de Justiça de São Paulo, nessa sexta-feira, 6, o ministro foi um dos que atacou o excesso de prisões no país e a ideia de que quanto mais gente presa, mais segurança a sociedade terá.
Desembargadores repetiram que o Brasil prende muito e prende mal. E coube a Lewandowski apontar os números que comprovam isso: o país tem 600 mil presos, sendo 40% deles provisórios. Isso equivale a 240 mil presos que não tiveram seus casos julgados, mas estão atrás das grades.
Na busca por diminuir o coeficiente, São Paulo lançou, na sexta-feira, o projeto da audiência de custódia. A ideia é que a cada prisão em flagrante — maioria das provisórias — abra-se o período de 24 horas para que o preso seja apresentado a um juiz, que decidirá se ele deverá ficar preso enquanto seu caso é apurado, ou não. O juiz poderá optar por outros meios de restrição de liberdade, como a prisão domiciliar ou o controle por tornozeleira eletrônica.
Presidente também do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Ricardo Lewandowski disse que pretende levar o projeto, que será implantado em duas delegacias na capital paulista, para o Brasil inteiro. O ministro lembrou, no entanto, que apenas apresentar o preso ao juiz não muda necessariamente a situação carcerária do país, pois é preciso mudar a "cultura do encarceramento", que também passa pela magistratura. O presidente do STF lembra que o excesso de prisões não se deve só aos delegados ou membros do Ministério Público: "temos nossa parcela de responsabilidade, com as decisões dos juízes de execução".
"A magistratura é vulnerável à cultura da prisão. O juiz reflete o desejo da sociedade", afirma o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Renato Nalini. Ele diz que a grande quantidade de penas de prisão aplicadas por juízes se dá, muitas vezes, porque os magistrados estão sujeitos à pressão popular, que exige coisas como aumento das penas e redução da maioridade penal.
Desembargador da corte comandada por Nalini, Henrique Nelson Calandra concorda com o presidente do TJ-SP. "Juiz também é assaltado. É sequestrado. Juiz é gente como a gente." No entanto, acha que isso deve ser enfrentado. As prisões da operação "lava jato", na qual o juiz Sergio Moro decidiu por manter encarcerados empresários acusados de corrupção, são atacadas por Calandra. "Talvez a prisão cause mais dano do que proveito. Importantes empresas brasileiras estão sofrendo reveses operacionais imensos, e criam uma cadeia de insolvência que vem se resolver aqui, no TJ-SP, com cobranças".
A própria estrutura do Judiciário faz com que o juiz esteja mais sujeito à pressão externa do que deveria, afirma o presidente do Tribunal Regional Federal da 3a Região, Fábio Prieto. "O juiz hoje é submetido a três tipos de controle: a corregedoria, a corregedoria da Justiça Federal em Brasília e a corregedoria do CNJ. A estrutura permite que o juiz seja pressionado. Pois quem tem três tipos de controle não tem a independência funcional plena", afirma Prieto. Ele diz que isso não causa um dano necessariamente à independência do juiz, mas permite que eles sejam pressionados a atenderem interesses.
Também presente no evento, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, Marcos da Costa, lembra que, atualmente, o preso provisório sai, em média, de 3 a 4 meses depois do flagrante, quando tem a primeira audiência com o juiz. Isso faz, segundo ele, com que a prisão sirva para alimentar a criminalidade, pois, uma vez no sistema penitenciário, o acusado "vai ter contato com a escola do crime, vai ser pressionado e cooptado". Se tivermos menos prisões, completa, teremos o menor fornecimento de elementos para o crime organizado.
Já para o governador paulista, Geraldo Alckmin, do PSDB, no entanto, investigar e prender "é essencial para diminuir a atividade delituosa e acabar com a impunidade". Por outro lado, continua, não pode haver demora nos julgamentos dos presos e o número de presos provisórios precisa ser reduzido.
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