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    Salles e PMs definem futuro da preservação da biodiversidade

    Seis policiais militares da reserva dominam grupo que estuda a extinção do ICMBio, órgão que cuida de 334 unidades de conservação que ocupam 9,1% do território nacional

    Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente (Foto: REUTERS/Adriano Machado)

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    RBA - Seis policiais militares aposentados dominam o grupo criado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para discutir a extinção do Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade (ICMBio). Mas o número pode chegar a nove se forem contados os que, embora não sejam titulares na comissão, têm dado seus pitacos nas reuniões que acontecem desde outubro.

    Alvo de críticas, o projeto é promessa de campanha de Jair Bolsonaro. Depois de eleito, ele pediu aos integrantes da área ambiental na equipe de transição a inclusão de uma proposta de criação de um novo órgão para substitutir o Ibama, “fábrica de multas” e o ICMBio, que “só tem xiitas”.

    Fusão ou extinção?

    Enquanto o governo fala em fusão entre os dois órgãos, pedras no sapato que Ricardo Salles vem fragmentando aos poucos, os servidores acreditam tratar-se mesmo é da extinção. Criado em 2007, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, para fazer a gestão e a preservação ambiental das unidades de conservação, o ICMBio tem sob sua responsabilidade 334 unidades de conservação federais. Uma área total que corresponde a 9,1% do território nacional.

    Entre elas, está a Estação Ecológica de Tamoios, na Baía da Ilha Grande (RJ). Foi lá que em 2012 o então deputado Jair Bolsonaro foi flagrado pescando e multado em R$ 10 mil. O servidor que aplicou a multa foi exonerado em março de 2019 e a multa foi anulada. Com casa em Mambucaba, na região, o presidente defende o fim da estação ecológica para a construção de hotéis e assim desenvolver a economia local.

    Plano nefasto

    Desde a criação, o ICMBio dobrou o território de áreas federais protegidas, passando para 170 milhões de hectares, dos quais 88 milhões no ambiente terrestre e 92 milhões em ambiente marinho. Além disso, triplicou o número de unidades com planos de manejo em relação a 2007. E mais: aumentou em 400% o número de visitantes nas unidades, de 2.997.450 visitantes em 2007 para 15.335.272 em 2019. Aumentar a visitação é um dos argumentos de Ricardo Salles para defender a concessão à iniciativa privada.

    Diante da gravidade de um plano tão nefasto para o meio ambiente, o Ministério Público Federal realizou audiência pública na última terça-feira (2) para ouvir especialistas e servidores sobre a questão, que ganha cada vez mais repercussão. Chamou atenção dos procuradores que as atas das reuniões não indicam a participação de especialistas e servidores de ambos os órgãos. Além disso, não são publicadas no site do Ministério do Meio Ambiente, como deveria ser, e tampouco registram com detalhes e clareza os pontos discutidos.

    De fato. No final de janeiro, a organização O Eco divulgou atas das oito primeiras reuniões desse grupo de trabalho obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação. Elas se limitam a listar o nome dos presentes nas reuniões e tópicos genéricos do que seriam as pautas. Mas não relatam o que foi discutido e eventuais encaminhamentos. Na última quarta (3), Salles assinou portaria dando mais 120 dias para grupo de trabalho finalizar as discussões e apresentar seu relatório.

    Sem fundamentação técnica

    “Parece uma tentativa de disfarçar a total falta de critérios e fundamentação técnica vigente nas reuniões do GT, que ficaram evidentes”, diz à RBA o funcionário do ICMBio Denis Rivas, vice-presidente da Ascema Nacional, a associação que representa os especialistas em meio ambiente dos órgãos federais.

    Na avaliação do dirigente, a pressão internacional e mesmo a eleição do presidente dos Estados Unidos Joe Biden, sensível ao desmonte ambiental no Brasil, não é garantia de que o governo Bolsonaro venhar a recuar. “Parece que a falta de competência e entendimento deste governo tem predominado e não tivemos até o momento nenhum sinal de inflexão, como houve no caso dos atritos com a China, por exemplo. A base governista e o presidente não demonstram ter a menor noção da importância das nossas florestas para a manutenção das chuvas no próprio sudeste do Brasil, só pra ficar em um exemplo de fácil compreensão. Tratam a questão ambiental como algo ideológico. Aliás, chegam a negar a própria pandemia, mesmo com o mundo inteiro somando milhares de mortes. E até o momento não temos nenhum sinal de que alguma voz mais racional tenha chegado a interferir nos rumos desse governo no tema ambiental, infelizmente”, afirma.

    Conheça os componentes do GT coordenado por Ricardo Salles

    O secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, tenente-coronel aposentado da PM de São Paulo Luís Gustavo Biagioni, tem graduação em formação de oficiais e mestrado em altos estudos de segurança. Foi chefe do Estado-Maior do Comando de Policiamento Ambiental do Estado.

    O advogado Eduardo Fortunato Bim participa do grupo enquanto presidente do Ibama. Membro da Advocacia-Geral da União cedido ao Ibama, já foi procurador no órgão. Mas está longe de atuar em defesa do meio ambiente. Em abril de 2019, acatou ordem de Ricardo Salles e revisou parecer de técnicos que pediam a rejeição da exploração de petróleo ao lado do Parque Nacional de Abrolhos. Em dezembro do mesmo ano, autorizou a empresa Tibagi Energia a desmatar 14 hectares de Mata Atlântica para avançar na construção de uma usina hidrelétrica na margem do rio Tibagi, no Paraná. Em sua decisão, Bim contrariou pareceres técnicos do órgão que preside. Ele é o mesmo que, em maio de 2018, emitiu parecer destacando a inexistência de tratamento cruel ou maus tratos aos animais na exportação de gado vivo via terrestre ou aquaviária. Para ele, trata-se de prática lícita na qual não deve haver intervenção dos órgãos ambientais.

    Com carreira na PM de São Paulo, o coronel Fernando Cesar Lorencini é presidente do ICMBio. No serviço público civil já havia chefiado gabinete  e sido secretário adjunto da secretaria segurança urbana na capital paulista. Tem experiência em administração e ênfase na gestão de orçamento público, licitações e contratos administrativos. Entrou no instituto com o objetivo de dar continuidade à melhoria e eficiência dos processos da autarquia, com destaque na modernização da gestão e no alcance de resultados institucionais. O que deve ser muito diferente de trabalhar pela extinção do órgão.

    Braço direito de Ricardo Salles, o diretor de Planejamento, Administração e Logística do Ibama, coronel Luis Carlos Hiromi Nagao, fez carreira na PM paulista. Busca no Diário Oficial revela que ele foi dirigente do Centro Integrado de Apoio Financeiro e do Centro de Processamento de Dados da corporação.

    Atuação na Rota

    O diretor de Proteção Ambiental do Ibama, coronel da reserva na PM paulista Olímpio Ferreira Magalhães, tem experiência no policiamento ostensivo e repressão. Chefiou o Comando de Operações Especiais (COE) e foi subcomandante das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a Rota. Tropa de elite da PM paulista e a que mais matou em 2019, segundo relatório da Ouvidoria das Polícias. Executou 101 pessoas, quase o dobro do ano anterior. A nomeação do coronel é questionada pelo Tribunal de Contas da União por não preencher critérios para a função definidos em lei.

    O diretor de Planejamento, Administração e Logística do ICMBio, Ronei de Alcântara da Fonseca, é oficial da reserva remunerada do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal. Tem especialização em comando, direção e chefia e em análise e formulação de políticas públicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. E experiência em aviação, salvamento e combate a incêndios, mas não em meio ambiente.

    Diretor de Pesquisa, Avaliação e Monitoramento da Biodiversidade do ICMBio, o coronel da reserva da PM paulista Marcos Aurélio Venâncio tem formação jurídica e na área da gestão pública. É professor universitário e atuou na formação, aperfeiçoamento e especialização de policiais militares ambientais e agentes públicos na temática da fiscalização de proteção ambiental. Atuou na comissão de julgamento de autos de infração ambiental.

    Academia do Barro Branco

    Segundo as atas divulgadas pelo portal O Eco, participaram ainda de algumas reuniões três policiais militares. Apenas um servidor do meio ambiente teve participação.

    O coronel da PM Marcos de Castro Simanovic é diretor de Criação e Manejo de Unidades de Conservação do ICMBio. No seu currículo consta atuação no policiamento ambiental desde 1991, chegando ao comando do 3º Batalhão de Polícia Ambiental, responsável pelo Litoral Paulista, Vale do Ribeira e Vale do Paraíba. Passou para a reserva em 2017.

    O tenente-coronel da PM paulista Ricardo José Borrelli é superintendente do Ibama no Distrito Federal e ex-superintendente em Goiás. Graduado como Oficial pela Academia de Polícia Militar do Barro Branco e em direito, é pós-graduado pela Escola Superior do Ministério Público e mestrado e doutorado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública.

    Outro é o coronel Carlos Eduardo dos Santos Monteiro, comandante do 24º Batalhão. É suplente de Luiz Carlos Nagao no conselho do Fundo Nacional do Meio Ambiente.

    Participou ainda o procurador Dilermando Gomes de Alencar, que no começo de dezembro foi transferido da Procuradoria-Geral Federal da Advocacia-Geral da União para a Casa Civil da Presidência da República, para atuar na subchefia para assuntos jurídicos.

    Há apenas dois civis com ligeira relação com questão ambiental. Elias Begnini, analista do Ministério do Meio Ambiente desde 2005, e Marcus Peçanha, assessor especial de Salles, que em 2017 foi diretor administrativo da Fundação Florestal, em São Paulo.

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