Manaus continua a ser um laboratório a céu aberto, diz epidemiologista
Epidemiologista da Fiocruz-Amazônia, Jesem Orellana destacou que Manaus vive a “retomada da segunda onda ou fracasso na contenção dos contágios”. O número médio semanal de doentes internados como pacientes graves também aumentou de forma sustentada na capital amazonense, segundo ele
Por Eduardo Maretti, da RBA - A cidade de Manaus está vivendo um recrudescimento da segunda onda de covid. Embora haja a interpretação de que a capital do Amazonas estaria entrando numa terceira onda da pandemia, o que ocorre na realidade é “uma recaída, uma retomada, o que é muito pior”, na opinião do epidemiologista da Fiocruz-Amazônia Jesem Orellana. Menos de 40 dias depois do ápice da crise, do dia 14 de janeiro até o final daquele mês com mortalidade sem paralelo, o governador Wilson Lima decretou a flexibilização das atividades na capital e no interior, que começou a vigorar em 22 de fevereiro.
A partir da “semana epidemiológica 16” deste ano (18 a 24 de abril), houve uma reversão da queda verificada a partir do pico de janeiro, mês em que morreram 3.556 pessoas. A redução é seguida de um aumento sustentado na incidência por quatro semanas seguidas, nas semanas epidemiológicas 16 a 20 (18 de abril a 22 de maio de 2021). “Isso se chama retomada da segunda onda ou fracasso na contenção dos contágios na segunda onda. Só acontece porque Manaus fez uma precoce e rápida retomada das atividades não essenciais, mesmo com a variante P.1 circulando e com o cenário desafiador da covid no resto do país”, avalia Orellana. O número médio semanal de doentes internados como pacientes graves também aumentou de forma sustentada na capital amazonense, segundo ele.
A cidade – que é cenário de Relato de um Certo Oriente, do escritor Milton Hatoum –, virou um case internacional depois da grave crise da primeira onda, de abril a maio de 2020. “Manaus parece ser utilizada como um grande experimento natural. Você deixa o vírus correr livremente para ver o que acontece. Agora é para ver o que acontece 2021”, diz o epidemiologista. “É um laboratório a céu aberto. Não foi à toa que (a médica) Mayra Pinheiro e sua equipe peregrinaram em várias unidades de saúde de Manaus no trágico janeiro. A cidade é um terreno fértil para se fazer toda sorte de experimentos sem base científica.”
“Povo foi cobaia”
No depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello à CPI da Covid, o senador amazonense Omar Aziz (PSD) afirmou que a população de seu estado foi feita de cobaia. Ele também escreveu no Twitter: “Infelizmente, o povo do Amazonas foi feito de cobaia sim. O colapso com a falta de oxigênio, que vivemos em janeiro, foi fruto da omissão e da incompetência e de ações desastrosas. Ninguém tem como negar isso”.
Em 14 de janeiro, Manaus registrou o maior número de infecções por covid em um dia, com 3.816 casos, chegando então a 223.360 infectados. No pico da primeira onda, no mês de maio de 2020, morreram 1.590 cidadãos amazonenses de covid-19 (no mês anterior, foram 1.260). Se, em fevereiro de 2021, 2.077 pessoas morreram (mais do que no pior mês da primeira onda), não havia justificativa racional para a flexibilização decretada pelo governo, na avaliação de Orellana. “Como explicar isso?”, questiona. Até esta quinta-feira (27), o total de casos registrados no estado era de 384.634 e o número de óbitos, 12.951.
“A culpa é de Bolsonaro e Pazuello”
Apesar da medida do governo estadual, a culpa da situação, para o pesquisador, é do presidente Jair Bolsonaro e do ex-ministro Eduardo Pazuello. “A população se comporta de acordo com o comportamento dessas pessoas, procuram cloroquina e ivermectina nos postos de saúde. Fazem questão de não usar máscaras e imitar o comportamento de aglomeração de Bolsonaro. Ele e Pazuello têm muito mais culpa pela situação do que prefeitos e governadores”, afirma Orellana.
Ele cita falas de Bolsonaro, como aquela em que ele classificou como “absurda” a proposta de Arthur Virgílio Neto, prefeito de Manaus, de decretar lockdown contra a covid na cidade, em setembro de 2020. No dia 29 daquele mês, o chefe de governo comentou a proposta de Arthur Virgílio. “O prefeito de Manaus falou que tá esperando uma sugestão do governador pra decretar o lockdown. Ô, cara, essa política acabou, cara. Eu falei lá em março que tava errada essa política”, disse Bolsonaro na ocasião.
A variante indiana
Para o epidemiologista da Fiocruz, o fato de ainda não ter sido detectada a variante indiana no Amazonas “não significa nada”. A variante P.1, que causou o caos do início deste ano, começou a circular provavelmente em Manaus em meados de novembro de 2020, de acordo com ele. “Mas só foi descoberta em função de um trabalho de vigilância aeroportuária do Japão na segunda semana de janeiro de 2021”, diz. “O fato de não se ter encontrado a variante em Manaus não significa (necessariamente) que não esteja circulando, mas apenas que não foi encontrada ainda. É uma questão de tempo a disseminação, e ninguém sabe o que vai acontecer.
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