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    Ícone de um continente se imortaliza: América Latina se despede de Quino, criador de Mafalda

    Mafalda mantém sua atualidade 60 anos após ser publicada, graças à capacidade de abordar fenômenos que mostram a condição humana, diz historiadora

    Joaquin Salvador Lavado com Mafalda (Foto: REUTERS/Eloy Alonso)
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    Sputnik - O humorista Joaquín Salvador Lavado, conhecido como Quino, faleceu nesta quarta-feira (30), aos 88 anos, em Mendoza, na Argentina.

    Em entrevista à Sputnik Mundo, Isabella Cosse, historiadora uruguaia, afirma: "Quino [caricaturista criador da personagem] teve a lucidez de trabalhar sobre questões emergentes, fenômenos que eram novos nos anos 60 e que ainda hoje nos marcam e nos envolvem, como as reivindicações feministas, ou a importância dos jovens no mundo social, político e cultural."

    Mafalda foi publicada pela primeira vez em 1964, foi lançada em formato de livro em 1966 e em poucos anos se tornou um êxito tanto em seu país como no exterior, vendendo milhões de exemplares e chegando a países como China, Coreia do Sul ou Indonésia.

    Para Cosse, autora do livro "Mafalda: história social e política", esse êxito da história de escala mundial reside na capacidade de Quino de falar tanto da "aldeia", em referência à situação da Argentina, como da "condição humana".

    "Quino era um grande observador, trabalhava com uma reflexão filosófica no seu desenho e algo disso colocava em jogo questões universais: o poder dos poderosos sobre os mais fracos, o autoritarismo, a amizade de um grupo de amigos, as diferenças e como lidar com elas. Isto permitiu uma atualização constante, que pode transcender a conjuntura", explicou a doutora em História.

    Segundo a acadêmica, ainda que nascida na década de 1960, Mafalda se mantém vigente por ter interferido "de modo decisivo" na construção de identidades, e na "subjetivação de certos fenômenos sociais", cristalizando na época "uma identidade de classe média progressista", que hoje pode ser vista refletida de diferentes maneiras.

    "É superinteressante pensar em Mafalda para analisar a radicalização das mulheres jovens, e muito especialmente tudo relacionado às lutas feministas, assim como é muito interessante pensá-la em escala latino-americana", disse Cosse, pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet, na sigla em espanhol) da Argentina.

    Nesse sentido, a historiadora recorda que as imagens de Mafalda, acompanhadas de algumas de suas frases mais famosas e repetidas, podem se ver hoje em distintas manifestações em toda a região, e inclusive tiveram protagonismo em países como Espanha e Itália, onde a personagem de Quino alcançou êxito importante.

    Mafalda desaparecida

    Com uma cunha política, ainda que não partidária, fortemente antiautoritária e mostrando a heterogeneidade da classe média argentina dos anos 60, Mafalda e seu criador continuam incidindo nas discussões que se desenvolveram no país nos anos posteriores à ditadura (1973-1985).

    Cosse recorda a frase de Quino, em plena transição em direção à democracia, quando afirmou que continuaria com Mafalda, a personagem que poderia ter sido uma presa desaparecida.

    "Creio que isso representou um papel importante como um dos mecanismos que a sociedade argentina foi parte do pensamento do destino trágico da geração dos anos 60. Então, se produz uma reverberação dessa afirmação, que, para mim, foi um marco e teve um significado a se perguntar quem era a geração dos anos 60 e o que aconteceu", afirmou a acadêmica, pesquisadora da Universidade de Buenos Aires.

    Segundo Cosse, mesmo sendo a morte de Quino esperada, devido à idade e a vários problemas de saúde, a notícia "comoveu muito".

    A autora, que o entrevistou para seu livro, junto com a esposa do caricaturista, Alicia Colombo, falecida em 2017, afirmou que por ter estudado sua obra, Quino tem para ela um "significado particular".

    A primeira tiragem de Mafalda apareceu na revista Primera Plana de 29 de setembro de 1964 e a última foi publicada em 1973.

    Além de Mafalda, Quino publicou mais de 20 volumes de humor gráfico, a imensa maioria após a culminação do que terminaria sendo sua obra mais importante, a que o colocou como um dos grandes nomes da arte argentina e mundial.

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