Liv Sovik: "a MPB é racista porque a sociedade é racista"
“Na música eu encontro a complexidade da produção dos sentidos do social”, explica a doutora em Comunicação pela USP e pesquisadora musical Liv Sovik, que, a partir de estudos sobre a música popular brasileira, faz uma análise sobre as questões sociais e raciais do país. Assista sua entrevista ao programa Um Tom de resistência, na TV 247
247 - Abordar questões de raça e classe, tendo como base de estudos a produção artística e musical brasileira, faz do trabalho desenvolvido por Liv Rebecca Sovik um importante capítulo do engajamento antirracista no Brasil. A estadunidense radicada no Brasil é escritora e professora titular da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A autora dos livros “Aqui ninguém é branco” e “Tropicália Rex”, a autora avalia que “a MPB é racista porque a sociedade brasileira é racista”.
“Então, a música sofre uma consequência direta do racismo da sociedade. Eu estudo a música porque nela eu encontro a complexidade da produção dos sentidos e do social. Até porque, na música, sempre algo te escapa, porque não é redutível a palavras. Isso para mim foi um grande estímulo, quando estava tentando entender o lugar do branco numa sociedade que nega a télos. Quer dizer, negava. Hoje já admite. A MPB é racista, mas também é antirracista, porque, ao mesmo tempo, tem fortes elementos afrobrasileiros”, resume.
Liv destaca que só a MPB possibilita a discussão, sem moralismos, da “convivência entre a afirmação e a negação, todo o entremeado da fusão e da separação, do diálogo e do argumento, tudo num campo só”. Para ela, “um dos problemas, principalmente, no tempo em que era possível reprimir esse debate, os brancos viravam as costas para as denúncias de racismo e não davam nenhuma resposta. Hoje isso não é mais possível.” A escritora define o racismo na MPB como uma “expressão da sociedade” e relembra letras e performances artísticas do passado como exemplo dessa manifestação. “Tem a música ‘O seu cabelo não nega’, tem Ângela Maria nos anos 1950 se vestindo de baiana, mas de uma forma tão estilizada que parecia que ela estava fantasiada de baiana. ‘Aquarela do Brasil’, de Ary Barroso, também tem versos racistas. Ou seja, músicas consagradas e não apenas as que estão à margem. Ao mesmo tempo tem o rap, o samba e várias expressões artísticas de uma cultura negra extremamente afirmada e afirmativa”.
O “fenômeno” do sertanejo universitário, o aporte financeiro de agropecuaristas que patrocinam o segmento, o apoio de artistas dessa área ao governo Bolsonaro e a racialização pessoal, social e econômica que caracteriza o gênero também esteve em pauta. Mesmo nunca tendo escrito especificamente sobre a questão, Liv entende que “um gênero musical é definido pela sua história e sua trajetória histórica. E não é de agora que a música sertaneja é branca. Essa racialização deve ter se configurado desde o início. Pois, mesmo sendo uma música rural, a população rural não é necessariamente branca. Acredito que esse processo de exclusão deve ter começado nos anos 1930, quando as indústrias estavam completamente nas mãos dos brancos. Eu acho que valeria a pena pesquisar esse processo de exclusão, para saber quais artistas negros que não foram sucesso no gênero, por não terem acesso à indústria”. Sovik observa que a identificação da música sertaneja com o que ela chama de “direita violenta e racista” vem de muito tempo e lembra que a música “Jack, o matador”, sucesso da dupla Léo Canhoto e Robertinho no final dos anos 1960, apresenta a estética da violência como heroísmo. “É quase um proibidão de direita”, avalia.
A pesquisadora esteve no centro de uma polêmica em 2010, quando criticou a “representatividade negra” da cantora Daniela Mercury, que, na sua visão, funciona como porta-voz de uma cultura da qual ela pode ter elementos genéticos, mas não descende do ponto de vista de classe e de origem social. Na ocasião, a pesquisadora fez um estudo dos simbolismos sociais contidos na frase “A cor dessa cidade sou eu”, verso da música “O canto da cidade”, grande sucesso da cantora. “Essa música virou um hino da Daniela Mercury. Eu a ouvi cantando essa música em Salvador, há uns dois anos. Eu acho que muita gente não pensou sobre isso. Ela cantou essa canção junto com o Ilê Ayê, no carro de som do grupo, quando ela já era um sucesso nacional e internacional, e o grupo ainda era mais regional e não estava aceitando brancos. Eu vejo que existe uma identificação de brancos baianos com a cultura negra, que me parece absolutamente sincera. Eu, com o meu olhar de estrangeira, propus um questionamento a respeito. O escândalo que causou a minha declaração foi porque há muito tempo ela é engajada no combate à homofobia e tem uma base de fãs homossexuais que entenderam que eu estava a desrespeitando.”
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