Um cafezinho com Michel Teló, Adorno e Horkheimer
Não se trata de discutir se “Ai, se eu te pego” é boa ou não. Se derrapa ou acerta na métrica, na prosa ou no verso. Trata-se de reconhecer que ela é um sucesso
A presença do cantor Michel Teló na capa da revista Época da última semana gerou polêmica. Com o sugestivo título “Ele ainda vai te pegar”, a matéria, de doze páginas, coloca o cantor como representante da cultura popular no Brasil, sintetizada pela nova onda da música sertaneja que desde o ano 2000 toma novas formas. Batizado de “sertanejo universitário”, o estilo musical é febre em todo o país. Aos mais desavisados, é bom lembrar que ele passa longe daquele celebrizado por duplas como Tião Carreiro e Pardinho ou Zilo e Zalo. Com roupas moderninhas, ele também está a quilômetros de distância das calças agarradas e do cinturão “prato de sopa”, lançados por Zezé di Camargo e Luciano no jurássico início dos anos 90.
Michel Teló não apareceu na Época à toa. É dele a música “Ai, se eu te pego”, que virou febre não apenas no Brasil, mas em boa parte da Europa. Com cerca de 100 milhões de visualizações no YouTube, a música foi tema de bailinho, segundo relatos da mídia, até no rígido exército israelense. Talvez em momento mais descontraído e menos preocupada em seus eternos confrontos com palestinos, uma tropa deu o ar da graça com passinhos desajustados e fuzis na mão. Tanto sucesso não vem só com louros.
A revista nem esquentava o lugar nas bancas de jornal quando internautas já expressavam seus protestos em blogs e redes sociais. Ao verem os bondes da opinião e do lugar comuns, muitos tratavam logo de embarcar e tomar seus lugares ao lado da janelinha, onde podiam acenar à vontade, com argumentações variadas sobre “o caos cultural”, “a pobreza musical” ou ainda “a vergonha alheia do país”. Todas claro, estritamente abalizadas, cheias daquelas afetações eruditas dos cânones e arremedos da MPB pós anos 60.
Não se trata de discutir se “Ai, se eu te pego” é boa ou não. Se derrapa ou acerta na métrica, na prosa ou no verso. Michel Teló será perpetuado ou irá durar no máximo dois verões, como o Parangolé (aquele, do “Rebolation”)? Puro exercício de metafísica. Também não é recomendável filosofar se a música ficará marcada como célebre canção ao lado de “Garota de Ipanema”, tocada em elevadores do Rio de Janeiro à Berlim, ou se aguentará até a mais nova melhor música de todos os tempos da próxima semana. Trata-se, pois sim, de reconhecer que ela é um sucesso e que, de uma forma ou de outra, pertence à mesma indústria cultural (aquela, do Adorno e do Horkheimer) na qual está inserida boa parte da música do século XX e praticamente toda a música do século XXI. Salvo raras exceções e artistas menos conhecidos e mais independentes, Michel Teló, no YouTube, ocupa o mesmo universo de outros grupos musicais, do rap do Racionais ao rock do Led Zeppelin.
O que parece doer em uma parcela de brasileiros mais esclarecidos é aquela boa e velha “invejinha”. Se no passado descíamos o sarrafo em muitas coisas que vinham de fora (e falamos aqui de música, cinema, TV e produtos de Ciudad de Leste), hoje tomamos o caminho inverso. Pra muita gente, é mais fácil engolir uma Lady Gaga ou uma Britney Spears, com aquele charminho besta, sem borogodó, do que o pobre Michel Teló, que hoje está na boca do povão.
Certamente, Michel Teló não vai me pegar. E talvez nem você, amigo leitor. Mas vale o recado. Por mais apurados ou sofisticados que gostos possam parecer, muita gente que hoje gosta de ostentar tais títulos já dançou a “Conga La Conga” da Gretchen, se adocicou na lambada do Beto Barbosa ou já pendurou na parede, em adoração quase sacerdotal, pôsteres com cabeludos vestindo calças de Lycra fluorescentes e jaquetas de couro. Adorno e Horkheimer tinham razão.
Matheus Nicolau de Souza, 25, é estudante de Jornalismo da Universidade Metodista de Piracicaba (matniso@yahoo.com.br)
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