Bolsonaro, Temer e Doria na guerra suja que pode transferir empresa nacional para indonésios
Os bastidores da disputa pelo controle da Eldorado Celulose, maior disputa societária do país, que envolve espionagem, arbitragem suspeita e lobby pesado no Judiciário e Congresso
Por Joaquim de Carvalho, 247 - Em 2007, quando Lula se reelegeu e nomeou Luciano Coutinho para a presidência do BNDES, a política no banco de desenvolvimento era fortalecer as empresas brasileiras. Essa diretriz ficou conhecida como “campeões nacionais”. Eram empresas de vários segmentos estratégicos que deveriam ter o crescimento incentivado para se consolidar no território nacional e ocupar espaços em outros mercados, como multinacionais. Assim, empresas da área de carnes, celulose, têxtil, mineração e siderurgia poderiam contar com empréstimos e aportes dos bancos. Fundos de pensão de entidades públicas, como a Previ e Petros, e programas de financiamento de bancos públicos também investiram na expansão da marca made in Brazil.
Vários grupos se beneficiaram dessa política, o que era bom para o incremento das receitas do País e, sobretudo, para a geração de empregos. A J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, foi uma das empresas que mais cresceram nesse período, e conseguiram colocar a bandeira do Brasil num dos símbolos empresariais dos Estados Unidos, ao adquirir a Swift, em 2007. Não é diferente do que fizeram os próprios norte-americanos no passado e hoje orienta a expansão de negócios chineses. A J&F também crescia no mercado interno, ao comprar empresas como a Vigor e Alpargatas, e a criar outros empreendimentos, o maior deles foi a Eldorado, com plantas em Três Lagoas, Mato Grosso do Sul, projetada para ser o maior fabricante de celulose do País e um dos maiores do mundo.
Tudo caminhava bem até que, em 2014, uma investigação em Curitiba iniciada oito anos antes a pretexto de investigar o doleiro Alberto Youssef tomasse um rumo diferente e passasse a ter como alvo o capital nacional, primeiro a Petrobras, depois empresas da construção civil e, com seus desdobramentos país afora, outras “campeãs nacionais”, como o próprio grupo J&F. Assim, depois que seus principais gestores foram presos, numa controversa decisão judicial que anulou a imunidade garantida por um acordo de delação premiada, em 2017 a J&F, para não quebrar, foi compelida a se desfazer de metade de suas empresas, entre elas a Eldorado. Um grupo de empresários indonésios da família Widjaja, com representação também na China, aceitou as condições para assumir o controle total da fábrica de celulose em um ano, pelo valor de 15 bilhões de reais.
O problema é que, em 2018, a empresa estrangeira deixou de fazer o restante do pagamento, e 50,59% do capital da empresa não foram repassados, como combinado. Os empresários indonésios acusaram a J&F de não liberar garantias das dívidas, versão que a J&F nega, e o caso foi parar na Câmara de Comércio Internacional, para a instalação de um tribunal de arbitragem. No início de 2021, o tribunal decidiu em favor da empresa indonésia, o que obrigaria a J&F a transferir as ações remanescentes. Parecia o desfecho civilizado de uma disputa bilionária, mas um mergulho nos meandros do julgamento e no seu entorno mostra a face selvagem no mundo dos negócios, que envolve propaganda desonesta, crime, poder político e a corrupção empresarial, que coloca juízes e outros agentes públicos sob suspeita — não só os da Lava Jato.
Um dos três julgadores que deram ganho de causa à Paper Excellence, Anderson Schireiber, omitiu que, três anos antes, dividiu o próprio escritório com o da banca de advocacia que representava a multinacional indonésia. Durante o processo de arbitragem, comunicações da J&F foram hackeadas e um executivo denunciou ter recebido ameaça de morte. Tudo isso acabou parando na Polícia Civil, que conduziu investigações sigilosas. Ao mesmo tempo, à luz do dia, pesos pesados da política entraram em cena, mas, em um caso, com "descuido cenográfico” que não passou despercebido ao jornalista Elio Gaspari, colunista da Folha e de O Globo.
Cinco meses depois da posse como vice-presidente, o general Hamilton Mourão visitou a China em missão oficial e, na Bolsa de Xangai, posou com o CEO da Paper Excellence, Jackson Widjaja, ambos segurando um pedaço de papelão impresso como se fosse um checão de 27 bilhões de reais. Dois meses depois, durante o recesso parlamentar, o deputado Eduardo Bolsonaro, o terceiro filho do presidente da República, repetiu a cena numa viagem de férias a Jacarta, na Indonésia. Só que, nesse caso, o checão era de 31 bilhões de reais. A diferença de 4 bilhões entre um checão e outro é o que menos importa, já que, em ambos os casos, a imagem tinha apenas o propósito de manipular a opinião pública, já que nenhum centavo estava sendo investido no Brasil pela empresa indonésia.
Políticos e golpes abaixo da linha de cintura
O que estava em disputa era o controle da Eldorado, e golpes abaixo da linha da cintura já estavam sendo desferidos no octógono do mundo dos negócios. Três meses depois de Bolsonaro tomar posse, a Câmara dos Deputados, com apoio do Palácio do Planalto, instalou a CPI do BNDES. O discurso era abrir a “caixa preta” do banco, mas o que se viu foi a campanha contra os empresários brasileiros. Não se trata aqui de defender os irmãos Batista, que confessaram a prática de corrupção na delação ao Ministério Público Federal, mas de mostrar que o intuito de parlamentares era criar condições políticas para que perdessem a disputa com a Paper Excellence. Em um caso, esse comportamento é nítido. A deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF), vice-presidente da CPI, concentrou suas energias no grupo empresarial.
Tanto que, ao dar uma de suas primeiras entrevistas sobre relatório da Comissão, em novembro de 2019, colocou a J&F no foco ao responder às críticas de que os parlamentares haviam poupado políticos e fracassado na missão de abrir a “caixa preta” do BNDES - que nunca houve, como admitiu na comissão o presidente indicado por Bolsonaro, Gustavo Montezano. “Na verdade, nós já tivemos (resultados) e houve uma comprovação de que o resultado da CPI trouxe aí uma luz para toda a população. Esta semana, segunda-feira, o procurador geral (Augusto Aras), ele fez uma nota pedindo ao STF que quebre o sigilo, o sigilo não, o acordo de leniência do grupo JBS. Quer dizer, pedindo também que a delação premiada seja quebrada. Seja quebrada por quê? Porque foi comprovado na CPI que eles omitiram várias informações”.
Paula elogia Aras e lembra que, na nota, ele faz menção ao trabalho da CPI. Jogo combinado? Parece, mas é difícil provar. O que se pode afirmar, com toda certeza, é que, ao mesmo tempo em que Paula detonava o grupo empresarial brasileiro na CPI, uma ação de marketing e lobby em Brasília procurava reforçar e amplificar a imagem de vilões de Joesley e Wesley Batista. A parte visível era um caminhão que desfilava pela Esplanada dos Ministérios e Praça dos Três Poderes com dois bois de fibra, um verde e outro amarelo, e dois atores com máscara dos irmãos Batista, e faixas com a frase #Traidores da Pátria, o título do livro que estava sendo lançado pela editora Matrix.
Ao que tudo indica, quem pagou pela carreata dos bois e anúncios em jornais e TVs do livro que estava sendo lançado foi a Paper Excellence, já parece óbvio que quem banca o principal cuida também do acessório. Isso mesmo: a obra foi patrocinada pela empresa, conforme e-mails divulgados pela Folha de S. Paulo. Numa das mensagens, o dono da editora Matrix, Paulo Tadeu, submete o texto do livro ao conselheiro da Paper Excellence Josmar Verillo, ex-diretor-geral do grupo Klabin (do ramo de celulose) e pede sua aprovação para poder emitir nota fiscal. Verillo faz algumas correções e diz como quer o final do livro.
"Precisa uma grande finalização que justifique o título. Porque tem toda a descrição de coisas que ocorreram, mas precisa um gran finale que diga por que são traidores da pátria”, escreve. Quando a Folha os procurou, a versão contada não convence. A Paper Excellence teria comprado antecipadamente 2 mil exemplares, para distribuir a seu público. Na mesma época, como revelou o jornalista Lauro Jardim, de O Globo, um lobista estava abastecendo parlamentares da CPI do BNDES com publicações críticas aos irmãos Batista.
Segundo ele, a Paper "contratou um lobista brasiliense que tem percorrido os corredores do Congresso para distribuir a integrantes da CPI uma relação de perguntas e dossiês com recortes de jornais contra os irmãos Batista, um dos alvos da comissão”. Lauro não diz o nome do lobista, e a Paper enviou nota para dizer que tem "um Departamento de Relações Institucionais responsável pelas relações com o poder público e sociedade civil, que são exercidas por profissionais reconhecidos e com a máxima ética e transparência”.
Governo Bolsonaro
Não parece coincidência que o marido da vice-presidente da CPI do BNDES, Luis Felipe Belmonte, tenha sido apontado pela imprensa como lobista junto ao governo Bolsonaro. A Folha de S. Paulo noticiou que ele atuou junto ao próprio Jair Bolsonaro para legalizar a mineração em terras indígenas, conforme revelaram mensagens encontradas pela Polícia Federal no celular dele apreendidos em operação autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, no inquérito que apurou a organização dos atos antidemocráticos em abril de 2020.
A investigação apontou que ele também repassou dinheiro a pessoas próximas de Jair Bolsonaro, como o filho Jair Renan. No caso dele, foram 9,5 mil reais para a reforma do escritório de sua empresa. A advogada de Bolsonaro, Karina Kufa, recebeu 634 mil reais. As empresas de comunicação de um dos marqueteiros da campanha à reeleição de Bolonaro, Sérgio Lima, recebeu 1,5 milhão. No início do governo, Luiz Felipe Belmonte organizou e patrocinou a tentativa de criação do novo partido de Jair Bosonaro, o Aliança Brasil, projeto de acabou fracassando.
Em novembro do ano passado, Lauro Jardim informou que a Paper Excellence contratou Michel Temer para fazer trabalhar “na interminável guerra que trava com a J&F pelo controle da Eldorado Celulose - a maior briga societária do Brasil neste século”. O contrato seria de consultoria jurídica, mas é inegável que, como ex-presidente da Câmara, ex-vice-presidente e ex-presidente da República, ele tenha excelente trânsito nos tribunais superiores, onde a disputa deve parar.
Doria
A empresa de Jackson Widjaja contratou mais recentemente o ex-governador de São Paulo João Doria. Oficialmente, seu trabalho seria “prospectar ativos de celulose e papel à venda no País”, conforme noticiou o jornal Valor. Mas o que se tornou público é a viagem que fez com três autoridades que, como governador, ajudou a promover: o procurador-geral de justiça Mário Sarrubbo, o delegado-geral da Polícia Civil em São Paulo, Osvaldo Nico Gonçalves, e o também delegado Roberto de Andrade. Como se sabe, a disputa pelo controle da Eldorado Celulose depende de julgamento do Tribunal de Justiça do Estado, onde o procurador-geral Sarrubbo atua, e há investigação sobre o hackeamento de mensagens da J&F em curso na Polícia Civil.
A viagem foi para Campos do Jordão, onde o ex-governador tem uma casa luxuosa que ele chama de Villa Doria. Ao serem questionados sobre a viagem, disseram que conversaram sobre “amenidades”. Conversa para boi dormir?
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