BTG tritura reputação de Lemann, Sicupira e Telles em ação contra o que considera fraudulenta recuperação da Americanas
Advogados do banco, credor de R$ 1,2 bilhão, acusa trio da 3G Capital de conluio em fraudes que levaram a rombo de até R$ 40 bilhões na varejista. BNDES é credor de R$ 2,4 bilhões
Por Luís Costa Pinto, 247 - Numa petição redigida em termos ineditamente duros até mesmo para o áspero ringue do Direito Econômico (link para a íntegra do agravo de instrumento), 13 advogados dos escritórios Ferro, Castro Neves, Daltro & Gomide; e do Galdino & Coelho – Pimenta, Takemi e Ayoub; pedem ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro a suspensão da Recuperação Judicial da Americanas, a imediata responsabilização dos controladores da 3G Capital – os bilionários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira – na gestão fraudulenta da companhia que também controlaram até o fim de 2021 e da qual passaram a ser “acionistas de referência” naquilo que os defensores banco BTG (credor de R$ 1,2 bilhão da Americanas) considera “ardil” para maquiar repetidamente os balanços contábeis da varejista.
A seguir, trechos da íntegra da petição protocolada na noite do último sábado no TJ fluminense, destinada à 2ª Instância do tribunal:
- "O caso em questão é a triste epítome de um país. Os três homens mais ricos do Brasil (com um patrimônio avaliado em R$ 180 bilhões), ungidos como uma espécie de semideuses do capitalismo mundial ‘do bem’, são pegos com a mão no caixa daquela que, desde 1982, é uma das principais companhias do trio".
- "Dois dias depois, têm a pachorra de vir em juízo pedir uma tutela cautelar, preparatória de uma recuperação judicial, para impedir os credores de, legitimamente, protegerem o seu patrimônio à luz da maior fraude corporativa de que se tem notícia na história do país".
- "É o fraudador pedindo às barras da Justiça proteção contra a sua própria fraude. É o fraudador cumprindo a sua própria profecia, dando verdadeiramente ‘uma de maluco para esses caras saberem que é para valer’. É o fraudador travestindo-se como o menino da antiga anedota forense, que, após matar o pai e a mãe, pede clemência aos jurados por ser órfão".
- "Mas a pirotecnia fica pior: o fraudador pediu à Justiça não apenas a suspensão da exigibilidade de obrigações e o congelamento de vencimentos antecipados, pediu que vencimentos antecipados que já tivessem sido assim declarados e compensações que já tivessem sido feitas fossem liminarmente desfeitos (?!), com a consequente “devolução” a ele, fraudador, do valor de mais de R$ 1,2 bilhão — apenas uma fração do crédito total do agravante, que permanece como um credor relevante das agravadas (Doc. 5)".
- "E, decerto induzido a erro por uma narrativa canhestra e disléxica da Companhia (como, aliás, ocorreu com todos os agentes de mercado), o douto Juízo de primeiro grau — conspícuo magistrado, sempre merecedor dos melhores encômios, mas que aqui não era competente para tanto, por força de clausula compromissória constante dos contratos firmados com o Banco — acabou deferindo a liminar em questão, determinando em caráter liminar, num inusitado procedimento em segredo de justiça, que o Banco devolvesse R$ 1,2 bilhão que haviam sido lícita e legitimamente compensados para amortizar a dívida da Americanas vencida antecipadamente, dentre outras razões, em razão da fraude confessada pela Companhia no dia 11 de janeiro".
A partir deste ponto, os advogados do BTG passam a acusar a Americanas e seus controladores de fraude. Apenas três horas antes de divulgar comunicado ao mercado, a varejista solicitou à instituição financeira a baixa e a liquidação de posições de investimento, drenando do caixa do banco recursos que deveriam ter sido utilizado para proteger o BTG – legitimamente – do calote que a empresa deu em seus credores.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, BNDES, é credor de R$ 2,4 bilhões da Americanas (ou seja, o dobro do que o BTG Pactual tem a receber como maior credor privado) e também se encontra, agora, no rol de vítimas do calote da companhia que foi o amálgama da união empresarial entre Lemann, Telles e Sicupira. Só depois de consolidarem a parceria na gestão da Americanas, iniciada nos anos 1980, o trio pulou para aventuras financeiras mais ousadas como fundir as cervejarias Antarctica e Brahma, nos anos 1990. A fusão gerou a Ambev, que se uniu à Interbrew e hoje formam a megacervejeira global Ab-Inbev. De lá, no início dos anos 2000, o trio se tornou controlador do Burger King e, depois, da Kraft Heinz.
- "Os homens por trás do one trick pony — very very tricky".
A partir do tópico 21 a petição que busca um agravo de instrumento destinado a bloquear o andamento da Recuperação Judicial, o que levaria as instituições financeiras ao fim da fila dentre aqueles que devem ser ressarcidos pela Americanas, os advogados do BTG deslindam os truques dos “homens de muitos truques” do 3G. Para isso, usam a expressão consagrada no mercado financeiro americano para definir espertalhões: o “onde tricky pony” da epígrafe acima e do que segue:
- "O trio por trás do controle da Americanas (ainda que travestido da denominação “acionistas de referência”) dispensa introdução. Conquanto as trajetórias de sucesso estejam estampadas em best-sellers, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira construíram seus impérios em bases que não são tão sólidas quanto parecem".
- "Consistem os impérios em fortunas bilionárias, capazes de alocá-los nos rankings da Forbes entre os mais ricos do mundo. Juntos, os três controladores acumulam nada menos do que quase R$ 180 bilhões. São estes, pois, os responsáveis por controlar, há 40 anos (atualmente acionistas de referência), a companhia que simplesmente não percebeu um rombo contábil de R$ 20 bilhões e que, agora, aponta um credor relevante que fez uma compensação contratual legítima de crédito como o suposto vilão responsável por lhe conduzir à insolvência".
- "Ocorre que o modus operandi dos bilionários da 3G parece ser sucesso a qualquer custo, ainda que isso cause qualquer tipo de prejuízo ao mercado".
- "Em 2005, foram acusados, na qualidade de acionistas controladores, de terem atuado com abuso de poder de controle, ao desvirtuarem os objetivos do plano de opção de compra de ações da Ambev, utilizando-o para aumentar suas participações na Companhia em detrimento dos acionistas minoritários, e ao induzirem o administrador Luiz Felipe Pedreira Dutra Leite a descumprir seus deveres, fazendo com que este, em nome da Ambev, autorizasse a transferência indevida das ações ordinárias e divulgasse informação incorreta ao mercado para além de inúmeras outras infrações".
- "Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, também foram acusados, na qualidade de administradores da Ambev, de terem infringido seus deveres fiduciários com a companhia, ao realizarem negociações supostamente irregulares envolvendo ações decorrentes do plano de opção de compra de ações da Ambev (infração aos arts. 153, 154 e 155 da LSA) e de terem usado informação ainda não divulgada ao mercado ao realizarem essas negociações (infração ao disposto no art. 155, § 1º, da LSA)".
- "O imbróglio terminou com a celebração de um acordo de R$ 15 milhões no âmbito da CVM e no encerramento do processo administrativo".
- "Em 2019, mais um escândalo envolvendo uma controlada da 3G Capital. A Kraft Heinz liderava um esquema que supervalorizava os valores de seus ativos, tais como marcas e empresas do grupo, desde 2015 até 2018. A companhia foi obrigada a realizar um ajuste de US$ 15,4 bilhões em seu balanço".
- "À época, o ex-diretor de compras e o ex-diretor operacional foram responsabilizados por alertar quanto à existência de sinais de manipulação de despesas. Não só isso, mas os ex-executivos foram acusados de práticas impróprias de gestão de despesas, envolvendo-se em “diversas transações enganosas”, que culminou num “colapso generalizado nos controles contábeis".
- "Mais uma vez, foi celebrado acordo, dessa vez com o órgão regulatório americano de valores mobiliários, SEC, no valor de US$ 62 milhões para que o processo fosse encerrado".
- "Agora, a história se repete. Do que se viu do escândalo da Kraft Heinz, o traço característico para a prática de fraude parece ser a manipulação de informações contábeis. Foi isso o que ocorreu em 2019. E é exatamente isso que ocorre agora".
Logo cedo, na manhã desta segunda-feira 16 de janeiro, o procurador Rodrigo de Grandis postou em sua página no Linkedin um comunicado revelando que o Ministério Público Federal já havia iniciado apurações sobre o caso. “O ‘Caso Americanas’ rende análise e debate nas áreas financeira, governança corporativa, papel dos reguladores e auditorias, e, obviamente, jurídico-penal”, escreveu o procurador. E prosseguiu: “Neste caso, surge a necessidade de investigação criminal para verificação de eventual de crime de uso indevido de informação privilegiada (“insider trading”), previsto no art. 27-D da Lei 6.385/76: Utilizar informação relevante de que tenha conhecimento, ainda não divulgada ao mercado, que seja capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiros, de valores mobiliários: pena de reclusão de 1 a 5 anos e multa de até 3 vezes o ganho obtido”.
Ontem à noite, um subprocurador-geral da República afirmou ao 247 que o caso tem potencial para se converter num dos maiores casos de desvendamento de corrupção privada e fraude contábil da História do País. A Procuradoria Geral da República atuará neste caso, revelou a fonte, com o objetivo de defender os credores, sobretudo os minoritários, e tentar a sobrevivência da empresa com a preservação dos empregos – ou seja, fixar as apurações e penas nos controladores e administradores que teriam sido autores das fraudes ou lenientes com ela. O objetivo é demarcar a diferença total desse procedimento para com tudo o que o País viu no curso das ações catastróficas da Lava Jato e na repercussão delas na economia brasileira.
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