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    Com crise aguda lá fora, mídia dá trégua a Mantega

    Pela primeira vez em muito tempo, Folha elogia, em editorial, medidas tomadas pelo ministro para atrair capitais externos e destaca capacidade do Brasil de resistir a choques internacionais; no Valor, ele aponta a retomada dos investimentos e ressalta a autonomia do Banco Central em relação aos juros; "Essa é uma decisão do Copom, não é da presidenta e nem do ministro da Fazenda; quem quiser acreditar que é diferente, que acredite"

    Com crise aguda lá fora, mídia dá trégua a Mantega
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    247 - Depois de ser alvo de um intenso ataque especulativo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, recebeu uma trégua de alguns dos principais meios de comunicação do País. O motivo parece ser a constatação de que a crise internacional é mais grave do que parecia e ainda está longe de ser solucionada. Enquanto isso, no Brasil, ainda predomina a sensação de bem-estar econômico, com crescimento do emprego e da renda.

    O sinal de que o pior ainda não passou foi a queda aguda das bolsas de valores em todo o mundo, no pregão de ontem, acompanhada de uma valorização do dólar diante de praticamente todas as moedas – o que dificulta o combate à inflação. Nesse contexto, a Folha fez seu primeiro elogio público ao ministro da Fazenda em muito tempo, ao defender, em editorial, as medidas para atrair capitais externos. O jornal também destacou a capacidade do Brasil de resistir a choques internacionais.

    Ao jornal Valor Econômico, Mantega também concedeu uma entrevista didática, em que falou de novos desafios da economia brasileira: o crescimento menor da China, que cai de 10% para 6% ao ano e reduz a demanda global, a valorização do dólar diante de outras moedas e a pressão nas contas externas, motivada por fatores como a própria expansão da renda da população, o que aumenta gastos com viagens internacionais.

    Confira alguns trechos da entrevista ao Valor:

    Crescimento da China

    Na medida em que vão melhorando as perspectivas de vida da população, a China não vai mais crescer a 10%. Isso ocorre só na arrancada. Agora, se crescer a 6% está bom. Isso vai demandar um ajuste da economia mundial.

    Brasil, com Estados Unidos mais fortes e China mais fraca

    Estamos fazendo várias mudanças estruturais na economia brasileira. No pós-crise, todos serão mais competitivos e temos que estar e estamos sintonizados com esse movimento.

    Câmbio

    Câmbio é importante. Nesse momento, há uma desvalorização generalizada, principalmente nos países emergentes produtores de commodities, por causa do presidente do Federal Reserve (Fed), Ben Bernanke, que anunciou que deverá reduzir os estímulos e comprar menos ativos financeiros. Os mercados se movimentam para se preparar para a redução dos estímulos americanos. Acredito que haverá volatilidade nesses mercados, mas acho que os Estados Unidos só aumentarão os juros nos próximos anos.

    Possibilidade de o dólar bater R$ 3 em 2014

    Isso seria o sonho de uns e o pesadelo de outros. Mas acho muito difícil que o mercado leve a taxa para esse patamar. Nem dá para pensar. Mas o governo não trabalha com um patamar, senão ele não seria flutuante.

    Investimentos

    A retomada dos investimentos foi confirmada nos dados de abril, que mostram vigor. E não é só na área de caminhões. Nos dados divulgados pelo IBGE na terça-feira, da Pesquisa Industrial Mensal, o que chama a atenção é exatamente o investimento que está difuso. Aqui você pode ver [o ministro mostra as tabelas]: bens de capital cresceu 3,2%; bens de capital para fins industriais cresceu 14,6%; bens de capital agrícola, 12,5%; bens de capital para peças agrícolas, 48%; e bens de capital para energia elétrica, 17%. E mais importante: bens de capital para a construção cresceu 30%. Isso significa uma retomada da construção. A formação bruta de capital fixo, você sabe, são duas coisas: construção e máquinas e equipamentos.

    Expansão dos investimentos

    Tem gente que acha que nós não estimulamos o investimento. Isso é um equívoco. O investimento cresceu mais do que o PIB nos últimos dez anos. De 2003 a 2012, o investimento cresceu, em média, 5,7% e o PIB, 3,6%. Nas desonerações, 70% vão para os investimentos e para a produção. O restante é consumo.

    Ele poderá crescer entre 6% e 7% [este ano]. Ele está surpreendendo e vindo acima do que estava programado. As concessões de infraestrutura vão dar um grande impulso. Na verdade, temos atrasos de infraestrutura construídos nos últimos 30 a 40 anos. Isso é um problema, mas ao mesmo tempo é uma oportunidade, porque tem uma grande demanda a ser atendida.

    Consumo

    O consumo continuará crescendo no Brasil, mesmo porque ele é uma decorrência da massa salarial, do nível de emprego que continua crescendo, do salário real dos trabalhadores, que continua crescendo. Nós constituímos um mercado interno poderoso no Brasil e isso representa 60% do PIB. O consumo continuará crescendo, provavelmente a uma taxa mais baixa do que no passado. As vendas do varejo crescem 6% ao ano. Não é de se jogar fora. Mas agora vão aumentar mais devagar. Primeiro, porque há menos oferta de crédito para o consumo. Segundo, porque as famílias tiveram um "boom" de consumo. As famílias brasileiras há seis ou oito anos atrás tinham um padrão de muito pouco crédito. O nível de endividamento era de apenas 15%. Houve uma ocupação desse espaço e nesse período o crédito cresceu fortemente. Daqui para frente, como nós já nos aproximamos de países mais avançados, não é possível continuar nessa trajetória. O consumo das famílias deverá ter expansão de 3,5% e 4%. Por outro lado, há uma mudança estrutural. O que mais cresce é o financiamento habitacional. As famílias estão consumindo mais moradia e isso se reflete nos investimentos. O financiamento habitacional representa hoje 55% do total. Em 2007, o financiamento a bens duráveis representava 70% do crédito total. Essa é uma mudança estrutural benéfica.

    Recuperação da indústria

    Foi acima das expectativas do mercado e vem dando sinais de recuperação. As pessoas esperam um crescimento linear, mas o crescimento se dá em ziguezague. O importante é a trajetória ser ascendente e isso está acontecendo. Mostra que as medidas do governo estão surtindo efeito e assim mesmo é um efeito retardado.

    Autonomia do Copom na questão dos juros

    Essa uma decisão do Copom. Não é da presidenta nem do ministro da Fazenda. Quem quiser acreditar (que é diferente), que acredite. O governo Dilma começou em 2011 com um aumento na taxa de juros. Você acha que nós gostamos de aumentar a taxa de juros? Não gostamos. Mas o Banco Central achou que tinha que aumentar e aumentou. Levou os juros para 12,5%. Depois voltou. É o processo natural. O BC decide quando e quanto tem que aumentar. Não tem nenhuma interferência nossa. 


    E leia o editorial da Folha:

    Trégua cambial
    Recuperação nos EUA e valorização do dólar criam riscos para o Brasil; Fazenda acerta ao suspender barreira para entrada de capitais

    O governo federal tomou a decisão acertada ao eliminar o imposto (IOF) sobre investimentos externos em aplicações de renda fixa.

    O ambiente financeiro internacional mudou, o que se traduz na valorização do dólar diante das principais moedas. O Brasil não enfrenta mais o risco de excesso de entrada de capitais --ao contrário. No curto prazo a medida pode atenuar a desvalorização do real, que dificulta o combate à inflação (pois encarece o produto importado, que concorre com o nacional).

    Há mais a fazer, no entanto. A magnitude e a natureza da mudança ainda são motivo de debate aceso entre financistas, mas haverá turbulências. Recomenda-se pressa na reformulação da política econômica brasileira.

    Parte dos profissionais de mercado acredita que, a partir do final do ano, começaria um recuo na política de relaxamento monetário nos EUA. Com a recuperação americana, seu banco central (Fed) deixaria de despejar dinheiro na economia e os juros subiriam.

    A abundância de capitais originada pelo relaxamento e por juros reais próximos de zero provocou um grande fluxo de dinheiro para países emergentes, por exemplo, o que valorizou suas moedas.

    O abandono de tal política causaria ao menos uma redução dessa torrente: o dinheiro refluiria para investimentos nos EUA, de novo mais rentáveis. A mera expectativa de reversão resultaria na valorização do dólar, como tem ocorrido.

    Uma outra interpretação para a alta duvida de que a recuperação americana seja forte o bastante para levar o Fed a alterar sua política monetária. A presente recuperação do dólar seria, na verdade, sintoma da debilidade econômica.

    Os juros caíram na zona do euro. Alguns países, como o Japão, relaxam suas políticas monetárias. Outros procuram desvalorizar suas moedas a fim de estimular a atividade por meio da exportação. Como contrapartida dessa "guerra cambial", o dólar sobe.

    Seja por um motivo ou por outro, o dólar vinha subindo também no Brasil. Mais preocupante, porém, é a perspectiva de redução do fluxo de capital para países emergentes, alguns com crescente deficit externo, caso brasileiro.

    Neste século, a economia nacional se preparou para resistir a choques externos. Tem grandes reservas internacionais, e o endividamento do governo, apesar dos pesares, está mais controlado.

    Uma redução nos fluxos de capital, contudo, vai dificultar o retorno da economia a um ritmo apreciável de crescimento. Isso torna ainda mais urgente a restauração da austeridade na política macroeconômica, de modo a preparar o país para a turbulência que virá.

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