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Devedores contumazes comprometem financiamento público e criam concorrência desleal, apontam especialistas

Só no setor de cigarros, a dívida chega a R$ 13,5 bilhões. Câmara vai analisar proposta que criminaliza os “devedores profissionais”

(Foto: Agência Brasil)

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247 - Os devedores contumazes têm se tornado uma preocupação crescente no cenário fiscal brasileiro, afetando negativamente a arrecadação tributária, o financiamento de políticas públicas e a concorrência justa entre empresas. De modo deliberado e sistemático, esses empresários optam por não pagar os tributos devidos, impactando severamente a economia e a sociedade. Segundo estimativa do governo federal, esse grupo de devedores “profissionais” é formado por cerca de mil empresas e provoca um rombo de R$ 100 bilhões com a Receita Federal. O devedor contumaz tem a sonegação de impostos como estratégia de negócios. Diferente do devedor eventual que, por uma situação de aperto, acaba atrasando as contas. Ele tem um problema de fluxo de caixa, e não um esquema montado para sonegar.

Para se ter uma ideia, só no setor de cigarros, de acordo com o Instituto Ipec, a dívida das contumazes somou R$13,5 bilhões em 2023. Essas empresas produziram cerca de 9,5 bilhões de unidades de cigarro ano passado – 12% a mais do que no ano anterior. O fato de não pagarem impostos faz com que consigam oferecer o produto a um preço abaixo do mínimo legal (de R$ 5) e, até mesmo, mais baixo do que o do contrabando. 

Para Edson Vismona, presidente do Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade, “para o saneamento da concorrência no Brasil, deve ser rapidamente definida a lei que permita o efetivo enfrentamento do negócio baseado na evasão fiscal que sangra os cofres públicos e corrói a competitividade”. Vismona diz, ainda, que “essa ação deletéria das contumazes prospera por não haver uma legislação que tipifique a prática, conferindo poderes específicos para o fisco agir mais celeremente no sentido de coibir o avanço dessas empresas”.

Proposta busca endurecer punição a contumazes

No Congresso Nacional, o projeto de lei 15/2024, de autoria do governo Luiz Inácio Lula da Silva, pretende endurecer as punições para os devedores contumazes. O texto é claro ao se referir às empresas que foram autuadas em R$ 15 milhões ou mais e ignoraram a autuação por mais de um ano. Este valor será atualizado anualmente com base na inflação. O relator do projeto, que cria uma lista de "nome sujo" para devedores contumazes, deputado Danilo Forte (União-CE),  propõe a inclusão de empresas com dívidas tributárias significativas no Cadastro Federal do Devedor Contumaz (CFDC) e prevê que os controladores das companhias condenadas por crimes tributários não possam extinguir a punição mediante o pagamento do imposto devido. Esta medida visa aumentar as chances de prisão e reforçar a punição para quem utiliza a inadimplência como estratégia de negócio. "Se você sonega de forma contumaz, você está roubando a sociedade. Isso é crime, uma forma de corrupção e roubo", afirma o parlamentar. Segundo Danilo Forte, a expectativa é apresentar o projeto ao Plenário no início de agosto. 

A Receita Federal vai criar um cadastro nacional desses devedores e dará um prazo para que regularizem sua situação com o Fisco, com possibilidade de defesa. Caso não consigam comprovar que a dívida não venha de estratégia fiscal, os contribuintes não terão a punição extinta, mesmo em caso de quitação do tributo. Caso seja comprovado crime contra a ordem tributária, o devedor responderá na esfera criminal. “A caracterização do devedor contumaz, na presente proposta, está restrita a critérios objetivos, baseando-se essencialmente no valor relevante da dívida sem garantias, frente ao comprometimento do próprio patrimônio do sujeito passivo, de forma a demonstrar que a finalidade principal é gerar débitos, sem apresentar garantias para o seu pagamento”, diz a justificação da proposta.

A advogada Fernanda Lains, sócia do Bueno Tax Lawyers, destacou que a prática prejudica a capacidade do governo de financiar serviços públicos essenciais, resultando em uma perda significativa de investimentos em setores vitais. Além do impacto na arrecadação e no financiamento de políticas públicas, os devedores contumazes também afetam a concorrência justa entre as empresas, pois essa prática permite que os devedores contumazes acumulem caixa de forma injusta, criando uma vantagem competitiva indevida em relação às empresas que cumprem suas obrigações fiscais. "O devedor contumaz atua com indevida vantagem em relação às demais empresas do mesmo ramo de atividade, pois sua estrutura operacional tem nessa inadimplência tributária sistemática sua maior vantagem concorrencial", afirmou Lains.

Gestão eficiente e simplificação tributária

Para combater os devedores contumazes, medidas legislativas e uma gestão eficiente na cobrança das dívidas são essenciais. Na visão do advogado e economista, Alessandro Azzoni, mestre em Direito pela Universidade Nove de Julho, a solução passa por uma gestão eficiente na cobrança das dívidas e um endurecimento do estado contra os devedores. “Os devedores contumazes deixam de recolher porque eles sabem que não serão fiscalizados e quando eles sofrerem alguma ação do Fisco, eles poderão partir para uma negociação das dívidas. Uma vez que o governo aumenta esta eficiência na arrecadação tributária, ele melhora em tudo no financiamento das políticas públicas e da qualidade do serviço público”, afirmou Azzoni. 

Além das medidas punitivas, a simplificação do sistema tributário é apontada como uma solução crucial para o combate aos devedores contumazes, segundo a advogada Fernanda Lains. "Um sistema mais simplificado gera redução de riscos de envolvimento com corrupção, pois quanto mais simplificado o sistema, menos recursos e pessoas para operar, fiscalizar e cobrar e, assim, menos exposição à corrupção." Para ela, a simplificação tributária traria mais transparência e evitaria esquemas de desvios e sonegação, contribuindo para uma concorrência mais justa e estável entre as empresas. "Ganha a sociedade que consegue contar com a arrecadação tributária de todo um setor (e não apenas de parte dele) para o financiamento e a implementação de ações em setores essenciais, como educação, saúde e segurança", concluiu Lains.

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