Em carta a Guedes, presidente do BC terceiriza culpa por alta da inflação para preços de energia e de produtos agropecuários
Roberto Campos Neto justificou-se para o Ministro da Economia por estouro da meta inflacionária em 2021. Inflação fechou o ano em 10,06% e meta era 5,25%
BRASÍLIA (Reuters) - Em carta aberta enviada nesta terça-feira ao ministro da Economia para justificar o descumprimento da meta de inflação em 2021, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que o resultado foi motivado por forte elevação nos preços de bens, tarifa adicional de energia elétrica e desequilíbrios entre oferta e demanda com gargalos nas cadeias produtivas.
No documento, Campos Neto ressltou que o movimento de alta nos preços foi um fenômeno global que atingiu a maioria dos países avançados e emergentes.
Esta é a sexta vez que um presidente do Banco Central brasileiro apresenta carta aberta ao ministro da Economia (ou da Fazenda), que preside o Conselho Monetário Nacional, para justificar o descumprimento da meta de inflação do ano anterior.
As explicações já foram dadas nas aberturas de 2002, 2003, 2004, 2016 e 2018. Na mais recente, o então presidente do BC, Ilan Goldfajn, apresentou justificativas ao fato de a inflação ter ficado ligeiramente abaixo do piso da margem de tolerância para a meta.
A regra determina que o presidente do BC divulgue a carta sempre que a inflação encerrar o ano fora dos intervalos de tolerância para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
No regime de metas para a inflação, em vigor desde 1999, o Conselho Monetário Nacional (CMN) define um alvo para o IPCA de cada ano, além de um intervalo de tolerância. Em 2021, a meta foi de 3,75%, com margem de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.
Segundo dado divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta terça-feira, o IPCA encerrou 2021 com alta de 10,06%, muito acima do limite máximo de 5,25%.
O ano foi marcado por alta nos preços de alimentos, combustíveis e energia elétrica. Contribuíram negativamente para esse processo a elevação nos preços internacionais de commodities, a aceleração da inflação mundial e a desvalorização do real frente ao dólar.
Para 2022, a meta de inflação é de 3,50%, com tolerância máxima de 5,00%. De acordo com o boletim Focus divulgado pelo BC, o mercado espera um resultado do IPCA ligeiramente acima do teto da meta neste ano. A previsão mais recente coloca o índice de 2022 em 5,03%.
Na tentativa de debelar a inflação e ancorar as expectativas futuras, o BC vem promovendo um agressivo ciclo de aperto monetário. A taxa Selic, que começou 2021 na mínima histórica de 2,00% ao ano, sofreu elevações ao longo do ano pelo Comitê de Política Monetária (Copom) até atingir 9,25% em dezembro. O colegiado já sinalizou que manterá o ritmo de aperto, com mais uma alta de 1,50 ponto percentual na reunião de fevereiro.
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Leia também reportagem da Reuters sobre a inflação:
IPCA sobe 10,06% em 2021 e estoura meta com maior taxa em 6 anos
SÃO PAULO (Reuters) - A inflação ao consumidor no Brasil encerrou 2021 acima de 10%, quase o dobro do teto da meta e no nível mais elevado em seis anos, sob forte influência dos preços dos combustíveis no ano passado e mantendo a pressão sobre o Banco Central.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulou no ano passado avanço de 10,06%, estourando com força o teto do objetivo oficial, que é de 3,75% com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos, segundo dados divulgados nesta terça-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O resultado acumulado no ano passado foi o mais elevado desde 2015, quando o índice fechou a 10,67%. Também ficou acima da expectativa em pesquisa da Reuters de alta de 9,97% e foi ainda muito superior à alta de 4,52% vista em 2020.
Com o estouro da meta, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, terá que escrever uma carta ao ministro da Economia, Paulo Guedes, explicando os motivos de o objetivo não ter sido cumprido, a sexta vez que isso ocorre desde a criação do sistema de metas para a inflação, em 1999.
A última vez em que isso aconteceu foi em 2017, porém naquela ocasião, a carta teve de explicar por que a inflação terminou o ano abaixo do piso da meta, e não acima.
O ano de 2021 foi marcado, como o BC já vinha destacando, por choques de custos em meio à pandemia de Covid-19, que afetou a cadeia de oferta global e provocou alta dos preços em todo o mundo.
A economia brasileira também enfrentou alta de commodities e desvalorização da taxa de câmbio, bem como avanço nos preços dos combustíveis e crise hídrica que pegou em cheio as contas de luz.
VILÕES
O maior vilão no bolso dos consumidores em 2021 foi o grupo Transportes, cujos preços dispararam 21,03% devido principalmente à alta de 49,02% dos combustíveis.
"Com os sucessivos reajustes nas bombas, a gasolina acumulou alta de 47,49% em 2021. Já o etanol subiu 62,23% e foi influenciado também pela produção de açúcar", explicou o gerente do IPCA, Pedro Kislanov.
Também se destacou o preço dos automóveis novos (16,16%) e usados (15,05%), devido ao desarranjo na cadeia produtiva do setor automotivo.
Os outros principais impactos no ano passado vieram das altas acumuladas de 13,05% de Habitação e de 7,94% de Alimentação e bebidas. Juntos, os três grupos responderam por cerca de 79% do IPCA de 2021, de acordo com o IBGE.
Em Habitação, a energia elétrica subiu 21,21% no ano passado em meio a reajustes tarifários e aumento das bandeiras. Já entre os alimentos o café moído, com avanço de 50,24%, e o açúcar refinado, com alta de 47,87%, pesaram nos bolsos dos consumidores.
DEZEMBRO
No último mês de 2021, o IPCA mostrou avanço de 0,73%, de 0,95% em novembro, mas também acima da expectativa de uma taxa de 0,65%.
A maior variação foi registrada pelo grupo Vestuário, de 2,06%, mas o maior impacto partiu da alta de 0,84% de Alimentação e bebidas.
Destacaram-se os aumentos nos preços do café moído (8,24%), das frutas (8,60%) e das carnes (1,38%) em dezembro.
"No caso das carnes, além do aumento da demanda no fim do ano, houve a questão do embargo chinês, imposto em setembro e retirado em meados de dezembro", disse Kislanov.
Apesar da desaceleração da alta dos preços no final do ano, as pressões inflacionárias seguem pesando sobre o BC. Em sua última decisão de política monetária, no começo de dezembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a taxa básica de juros a 9,25% ao ano.
No comunicado, o BC já indicou aumento novamente e 1,5 ponto no encontro de fevereiro, levando a taxa para 10,75%. A pesquisa Focus mostra que os especialistas consultados pela autoridade monetária veem a Selic a 11,75% ao final deste ano, com a inflação em 5,03%.
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