Mídia criminaliza reajuste a servidores enquanto governo esconde bonificação aos militares, diz economista
Alinhada a Paulo Guedes, mídia esconde, na análise de Uallace Moreira, que o governo veta reajuste para trabalhadores que estão na linha de frente no combate à Covid-19 enquanto os militares seguem recebendo aumento
RBA - Palavra de ordem de parte da imprensa tradicional, o termo “reforma” administrativa costuma vir seguido do discurso de que “se gasta muito com o funcionalismo público” e que “a máquina pública está inchada”. A mídia comercial, como observa o professor Uallace Moreira, da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), se associa à tese do governo de reduzir direitos da população em geral para “criar empregos” e dos servidores públicos para “reduzir gastos”.
O empenho do setor foi sintetizado em um webinar do canal Jota, nesta quinta-feira (20), quando o ministro das Comunicações, Fábio Faria, declarou que a mídia caminha junto com o governo em em algumas pautas de interesse comum. “A reforma da Previdência teve uma aderência natural. Todos os veículos de imprensa praticamente aderiram à reforma”, disse. “Nós não temos o que reclamar em relação a isso, todos os veículos praticamente assumiram uma posição favorável.”
“A questão é que a grande imprensa no Brasil criminaliza os servidores públicos de forma completamente desonesta. Ela faz comparações e cria mitos em relação aos servidores públicos completamente equivocados”, afirma Uallace Moreira. Em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual, o professor lembra que é com o teto do INSS, como qualquer outro trabalhador, que o funcionário público se aposenta – as exceções, como os super-salários do Judiciário, não costumam ser afetadas por essas “reformas”.
Todos os servidores que ingressaram após o início da vigência do regime de previdência complementar, em 2013, não têm direito à aposentadoria com o salário integral, fato em geral omitido pela mídia. “Pior, o servidor público hoje não tem e nunca teve FGTS, porque é uma contrapartida da estabilidade de emprego. Mas essa questão não é colocada para a sociedade”, contesta. “Outro mito é a participação dos empregados do setor público no total da ocupação em países selecionados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).” Segundo Moreira, no Brasil o funcionalismo público responde por 12,1% da força de trabalho pontos. “Está abaixo da média da OCDE, que é 21,3%.”
Quem são os privilegiados?
Das narrativas criadas, o economista destaca também a crítica ao número de servidores federais no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que, ele aponta, está diretamente relacionado à criação das universidades federais. No período em que 14 universidades foram implementadas, Moreira, que já era professor, conta que não havia professores ou infraestrutura em número suficiente. “Era preciso fazer concurso. As universidades federais, públicas, por exemplo, foram depreciadas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso”, descreve. “E houve a necessidade de fazer mais concurso. A ideia da universidade pública de qualidade é real e verdadeira. E para que ela permaneça, é necessário realizar concursos para contratar professores.”
A “confusão” de parte da imprensa sobre as categorias de funcionários públicos contratados talvez se explique pelo que o economista chama de “homogeneização”. A estratégia seria tratar os servidores como iguais, mesmo que uns tenham mais benefícios que outros. “Os servidores públicos têm técnicos, professores, juízes, militares, o debate que tem que ser levado em consideração é quais são as categorias que de fato são beneficiadas. A gente pode discutir e isso tem que ser discutido. Não é plausível que o juiz alcance um salário acima do teto, com aqueles penduricalhos, como as pessoas falam, que vai chegar a 100 mil. Isso de fato tem que ser revisto”, defende.
“Reforma” administrativa
Na prática, além de não atacar esses privilégios, o que a “reforma” administrativa que vem sendo proposta pretende é “dificultar a atuação sindical dos servidores. Isso é um absurdo, como é também flexibilizar a estabilidade. Funcionário público é um funcionário de Estado e não de governo. Isso significa dizer que vai passar o governo e eu continuarei servidor público, atuando de uma forma correta com o compromisso com os interesses do país. Quer dizer que eu posso dar aula na universidade. A partir do momento que a minha estabilidade fica sujeita a critérios de avaliação, de acordo com o interesse de governo, comprometo por completo a ideia da ciência dentro da universidade, que tem várias tendências e correntes de pensamento”.
Penduricalhos dos militares
Moreira também contesta a posição da Câmara dos Deputados em relação à manutenção do veto de Bolsonaro a reajustes salariais e progressão funcional para categorias de servidores públicos que atuam na linha de frente no combate ao coronavírus até 31 de dezembro de 2021.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, alegou que o reajuste salarial aos profissionais seria “um crime contra o país”, conforme mostrou a RBA. A reação só não foi a mesma quando Bolsonaro concedeu, em junho, reajuste de até 73% em bonificação salarial aos militares de alta patente. Em cinco anos, a medida custará R$ 26,5 bilhões aos cofres públicos.
Governo de privilegiados
O reajuste à época também passou sem muita repercussão por parte da mídia comercial. Ao mesmo tempo em que os sindicatos dos professores apontavam para uma perda real dos salários da categoria em torno de 30%.
“O que tem acontecido é que muitas instituições privadas, que pagam muito bem para professores, estão resgatando o professor de alta qualificação. E alguns professores estão indo embora do país. Uma fuga de cérebros, e isso é extremamente preocupante. Mas, mais preocupante ainda, é a gente ter um governo que vetou o reajuste para pessoas que estão na linha de frente ao combate à covid-19 mas que dá uma bonificação de R$ 26,5 bilhões para os militares de patente mais elevadas. Isso mostra que esse governo tem lado e não é o lado da classe trabalhadora”, adverte o economista Uallace Moreira.
Para o professor da UFBA, toda essa contradição evidencia que a oposição da imprensa tradicional a Bolsonaro é restrita aos termos de valores morais e ao conservadorismo. Do ponto de vista econômico, “ela está extremamente afinada e ela apoia ela, dá sustentação. É por isso que o Bolsonaro permanece como uma figura importante e com a figura do Paulo Guedes”.
Confira a entrevista na íntegra:
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