Renata Souza: redemocratização brasileira precisa chegar à favela
Deputada estadual pelo PSOL do Rio de Janeiro e ex-assessora de Marielle Franco diz que política de pacificação corresponde a Estado de exceção nas periferias; veja na íntegra
Opera Mundi - Renata Souza, jornalista, deputada estadual pelo PSOL do Rio de Janeiro e pré-candidata à reeleição, no programa SUB40 desta quinta-feira (14/07), com o jornalista Breno Altman, afirmou que o processo de redemocratização do Brasil não chegou às favelas e periferias.
Nascida há 39 anos no Complexo da Maré, a deputada diz que a entrada das Forças Armadas na comunidade em 2014, no contexto da chamada "política de pacificação", promovida pelo então governador Sérgio Cabral, correspondeu a um Estado de exceção dentro da democracia.
“No período de Copa e Olimpíadas, tínhamos um militar para cada 55 moradores na Maré. Nunca tivemos um médico ou um professor para cada 55 moradores”, compara a a jornalista, que é doutora em Comunicação e autora do livro Cria da Favela - Resistência à Militarização da Vida (Boitempo, 2020).
“Ainda hoje, há civis respondendo na justiça militar por conta da ocupação das Forças Armadas, em plena democracia. Enquanto pessoas pretas jovens forem assassinadas dentro da favela, numa lógica de militarização da vida, não teremos democracia real e completa para todos, como está previsto na Constituição", defende.
Filha de torneiro mecânico e costureira, Souza é a primeira nos dois lados da família a obter diploma universitário. Renata começou a militância na Maré junto com um grupo político liderado pelo então deputado estadual psolista Marcelo Freixo, tendo sido chefe de gabinete da vereadora carioca Marielle Franco, assassinada em março de 2018, no contexto de pré-campanha eleitoral que culminaria com a eleição de Jair Bolsonaro.
Enfrentou então a decisão que classifica como a mais difícil de sua vida: sair dos bastidores da militância para postular um mandato de deputada estadual. A partir do assassinato bárbaro de Marielle, que em seu pós-doutorado ela define como “feminicídio político”, a jornalista tornou-se a deputada à esquerda mais votada naquela eleição estadual e o PSOL conquistou a terceira maior bancada na Assembleia.
Após quatro meses de exercício parlamentar, o ex-juiz e então governador bolsonarista Wilson Witzel orientou um pedido de cassação do mandato da deputada esquerdista, que o havia denunciado à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA).
A denúncia diz respeito a um episódio em que Witzel, dentro de um helicóptero da Polícia Civil, atira com uma arma para baixo e faz declarações defendendo o “abate" de pessoas. “Cinco deputados presos porque roubaram tinham tomado posse dentro da cadeia. Como assim seria o mandato de quatro meses de uma deputada estreante que seria cassado?”, pergunta.
Para ela, esse episódio é carregado de racismo, misoginia e preconceito de classe do legislativo fluminese. “Chegar a esse espaço sendo uma mulher preta de periferia não é algo aceito pelo status quo. Nossos corpos se tornam invasores”, avalia Renata, acrescentando que é constantemente provocada pelos colegas mas que mantém a altivez.
“Sou chamada de cheia de marra e de nariz em pé dentro da Assembleia Legislativa, e digo que eles não sabem a diferença de um nariz em pé para uma cabeça erguida. Minha cabeça é erguida e não vou baixar para quem está acostumado a ver mulheres pretas como eu lavando seu banheiro e fazendo sua comida."
A deputada critica a política antidrogas em vigor no Brasil e afirma que nem no campo da esquerda o país registra avanços no sentido de tratar o problema da "drogadição", ou seja, da dependência de drogas, em termos de Saúde Pública e não de Segurança Pública´.
“Em nome de uma suposta guerra às drogas, a juventude negra está morrendo. Não há política pública de guerra contra as armas. Não estou vendo gente morrer de overdose, mas com bala de fuzil, e Bolsonaro aumentou o número de civis armados em quase 500%”.
De acordo com Renata Souza, o recuo militante não é uma alternativa diante de episódios de violência como o assassinato do petista Marcelo Arruda por um bolsonarista durante sua festa de aniversário de 50 anos, em Foz do Iguaçu, no Paraná.
“Não dá para aceitar que esse tipo de situação coloque todos nós sob ameaça. Vamos ter de estar coletivamente organizados. Não dá para achar que Lula já ganhou, mas todo mundo nas favelas reconhece que a memória do governo Lula é de ter comida e o mínimo necessário para sua sobrevivência”, conclui.
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