“Quando denunciamos o racismo, sofremos retaliações”, declara o goleiro Aranha
Ao lado de Marcelo Carvalho, diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, o ex-goleiro de Santos, Palmeiras e Ponte Preta debateu o racismo no futebol brasileiro no programa “Um Tom de resistência” e desabafou: “Já sofri racismo de todas as formas possíveis”. Assista na TV 247
Por Ricardo Nêggo Tom - Protagonista de um dos casos mais emblemáticos envolvendo o racismo no futebol brasileiro, Mário Lúcio Duarte Costa, mais conhecido como “Aranha”, acabou abandonando os gramados de maneira precoce. Principalmente por se tratar de um goleiro, posição em que a carreira costuma ser um pouco mais longeva. O hoje escritor e ativista relata um pouco dos bastidores daquele episódio. “Eu não recebi críticas por ter denunciado o que sofri. Mas recebi alguns ‘conselhos’ que me foram dados com base no pouco conhecimento que os atletas e o cidadão brasileiro, de um modo geral, têm sobre esse tema. E a história mostra que quando denunciamos o racismo, sofremos retaliações, e, de alguma forma, somos prejudicados, silenciados e até apagados da história. Então, os meus companheiros tinham esse receio e procuraram não se envolver e não se posicionarem publicamente. Preferiram me dar apoio só nos bastidores”, declarou em entrevista ao programa “Um Tom de resistência”, na TV 247.
Aranha revela que já enfrentou diversas formas de racismo em sua carreira como jogador de futebol. “Já sofri racismo de todas as formas possíveis. Eu já fui alvo de muitas coisas pesadas, mas eu não posso falar aqui, porque não tenho como prová-las. Foram injúrias, cusparadas e até agressão física”.
Também entrevistado no programa, Marcelo Carvalho explica que “a ideia da criação do Observatório nasce em 2014, logo após aqueles casos de racismo envolvendo o Márcio Chagas, o Tinga e o Arouca. Era o início de 2014, o ano em que o Brasil iria sediar uma Copa do Mundo e aqueles casos mexeram muito com a nossa estrutura social, porque o Brasil sempre se vendeu como o país da democracia racial, e, naquele momento, não sabia o que fazer com aqueles casos. Então, eu fui pesquisar a quantidade de casos de racismo que já haviam ocorridos no futebol brasileiro e os seus desdobramentos. E eu não encontrei essa informação. Por isso, eu resolvi criar o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, com a ideia de criar um banco de dados com esses casos e acompanhar os desdobramentos deles”.
Carvalho ressalta a importância do trabalho do Observatório, para que os atletas se sintam acolhidos em suas denúncias e acreditem que medidas serão tomadas para a punição dos infratores. Ele diz que “muitos jogadores acabam não denunciando os casos, porque acham que não vai dar em nada, porque, no Brasil, a única pessoa que sofre é quem denuncia o racismo sofrido. Então, precisamos ter cada vez mais esses dados, para podermos dizer, com certeza, que o futebol brasileiro tem problemas com o racismo. E, de fato, os incidentes são muitos. Hoje, através dos relatórios do Observatório, podemos assegurar que o racismo está muito presente dentro do futebol brasileiro. E os casos que mais me revoltam, são aqueles que acontecem nas categorias de base, porque são as crianças que não sabem se defender. E nessas situações, boa parte dos casos são de agressores pais de atletas brancos, xingando atletas negros. Sem falar nos casos de abuso sexual que ocorrem nessas categorias. É preciso ter muita atenção com a base também”.
Questionado sobre a falta de conscientização racial e social da maioria dos atletas de futebol, mesmo tendo vindo das camadas mais pobres e periféricas da sociedade, Aranha citou uma frase da ativista norte-americana Harriet Tubman, que diz “Libertei mil escravos. Poderia ter libertado outros mil se eles soubessem que eram escravos”, para explicar esse processo. “Esse debate sempre foi colocado debaixo do tapete. O racismo sempre foi negado no Brasil, sob o folclore da democracia racial. Por isso, muito negros aqui se tornaram pessoas imunes, de certa forma. Como diz aquele antigo ditado: a ignorância é uma benção. As pessoas que não estão atentas a essas questões não sofrem, porque elas não enxergam. Eu ouvi um discurso de um jogador do Flamengo, dizendo que ele nunca tinha sofrido racismo. Eu fiquei pensando: ‘bom, pode até ser, mas eu acredito que não’. Eu perguntaria para ele: ‘por que o futebol foi a única chance que ele teve para mudar de vida?’ Se foi a única, é porque o racismo já agiu na vida dele desde o seu nascimento. Então, não adianta ter vivenciado certas experiências, se você não abriu os olhos e conseguiu enxergar o que aconteceu ao seu redor.”
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