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    Vasco: A Resposta Histórica como resultado de uma luta política

    O Vasco da Gama promoveu uma ruptura com o racismo no Futebol

    (Foto: Reprodução )

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    Por Leandro Fontes* O biênio de 1923-1924 representou uma ruptura de uma época e o início de outra para o futebol brasileiro. Isto é, uma revolução. O conceito de revolução não é novo na história contemporânea e, igualmente, não é novo na literatura vascaína. Mas, não só, parte da literatura futebolística brasileira reconhece de modo formal a revolução operada pelo Club de Regatas Vasco da Gama nos anos de 1920.

    O significado do conceito remete-se a ideia de transformação radical, ou seja: indo na raiz do problema, dada a impossibilidade de uma superestrutura ou classe dominante perdurar sua hegemonia de modo imutável, por conta de uma erupção de forças opostas de setores ou classes sociais “subalternas”, que a partir de atos determinados supere a velha estrutura estabelecida. Uma revolução, portanto, é realizada por sujeitos de carne e osso que com um objetivo na mão rompem com os padrões estabelecidos e, caso triunfe, constrói, sob novas bases, uma nova estrutura e superestrutura no seu tempo e espaço.

    De tal maneira, a história cognominou a Revolução Industrial, Revolução Inglesa, Revolução Francesa, Revolução Norte-americana, Revolução Haitiana, Revolução Russa, Revolução Chinesa, Revolução Cubana, Revolução Tecnológica, etc. O caso do Vasco, no entanto, não se trata de uma revolução no modo de produção ou, tampouco, uma revolução política num país. O Vasco da Gama é um clube social-desportivo e, como tal, nasceu policlassista. Diferente, portanto, de Fluminense, Flamengo e Botafogo, que eram clubes exclusivos da elite do Rio de Janeiro. Portanto, o Vasco não é uma espécie de movimento reivindicativo ou muito menos um tipo de partido político com um programa universal para a sociedade. Logo, as bases da revolução realizada pelo Vasco no biênio de 1923-1924 se deram no terreno do esporte. Porém, devido a sua riqueza e profundidade, mexeu de modo qualitativo com a estrutura social e racial vigente no Brasil da Primeira República (1889-1930).

    Por isso, a história do Vasco é original, porque não se resume a feitos desportivos, mas se distingue pelo singular exemplo que os vascaínos deram à sociedade brasileira. E, porque não dizer, ao mundo. Pois, a bandeira de igualdade e democracia, antes de muitos territórios e associações, tremulou no ponto mais alto do mastro vascaíno. Para tanto, foi preciso coragem e tenacidade contra as poderosas elites e altivez em tempos difíceis. De tal modo, os vascaínos têm orgulho de bater no peito e afirmar que somos “a história mais bonita do futebol”.

    Contudo, essa história não foi um raio em céu sereno. Do tipo: “aconteceu o emblemático 1923 e a Resposta Histórica, depois a vida voltou ao normal”. Não foi assim. Na verdade, a Revolução do Vasco pode ser considerada como uma marcha ininterrupta que teve sua largada na fundação da seção do futebol em 1915 e irá se concluir com a construção de São Januário. No meio dessa longa caminhada, cheia de obstáculos pelo caminho, ocorre o triunfo do campeonato de 1923. Depois, como consequência, a Resposta Histórica.

    Para entendermos os efeitos, progressivos e reativos, do título do Vasco, vale contextualizar o marco social da época para termos a medida correta do tamanho do feito de 1923. Quer dizer, o Brasil da República Velha é marcado pela exclusão social e política, pelo racismo e pela segregação. O preconceito racial e de classe era latente. Os negros, brancos pobres, analfabetos, assim como as mulheres eram privados do direito ao voto. A relação conflituosa dos setores excluídos, principalmente da população negra, com os pilares aristocráticos da primeira república oligárquica era inevitável. É neste marco que ocorre a Revolta da Chibata de João Cândido em 1910. Os negros eram a maioria dos trabalhadores que exerciam profissões braçais, de baixa remuneração e de nenhum prestígio social. Com a imigração de massas do início do século XX, os portugueses pobres – que chegaram ser 20% da população – iriam se somar aos negros neste universo que podemos considerar como a força motriz da classe trabalhadora no Rio de Janeiro nesse período histórico.

    Diante deste contexto, evidentemente com tensões e antagonismos, o futebol não estaria numa redoma blindada vivendo em um mundo particular exercendo suas próprias regras e valores. Pelo contrário, o futebol foi um canalizador destas tensões e antagonismos que de modo explícito ou velado a Primeira República representava. Portanto, o racismo e o elitismo eram imperativos no futebol brasileiro, por isso, não foi tolerado que um clube fundado por imigrantes portugueses triunfasse com jogadores negros, operários e semi-analfabetos.

    Como reação conservadora, os clubes grã-finos (Fluminense, Flamengo, Botafogo e América) preparam uma medida para derrubar o Vasco. Mas,como se deu esse processo por dentro até o embate final entre José Augusto Prestes e Arnaldo Guinle? José da Silva Rocha, em “Um cinquentenário esportivo” (Jornal A Noite, 1948) registrou de modo parcial a cisão da Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT) e a fundação da AMEA:

    “A reforma da Liga empolgava e interessava vivamente os maiorais do club. De um lado, Anibal Peixoto, cioso de que não houvesse diminuição para o Vasco no apoio aos clubes que promoviam a reforma, de vez que a ele parecia haver sido o club propositadamente colocado à margem dos estudos preliminares. De outro, o grupo vencedor das eleições, confiado nos propósitos dos reformadores e ciosos, por seu turno, em que o Vasco prosseguisse ao lado dos co-irmãos, de maior expressão técnica. Trabalhava, também, Otelo de Sousa, no sentido de franca adesão à reforma, e a luta travada decorreu viva e vibrante. Por fim uma comissão composta de Anibal, Marques da Silva e os membros de diretoria recebeu a incumbência de orientar e decidir o caminho a tomar. Na assembléia geral da entidade, o Vasco votou a favor da proposta apresentada pelo grupo Fluminense-Flamengo-América-Botafogo,que criava as eliminatórias olímpicas, proposta que evitaria, decerto modo, aquele constrangimento a que se viram sujeitos anos antes, tricolores e alvi-negros, de decidir com os clubes da segunda divisão a permanência na primeira. A proposta rejeitada pela assembleia provocou a saída daquele quarteto de reformadores, o que deu ensejo à fundação da A.M.E.A..com primorosa organização,devida, em grande parte, a uma figura de raras virtudes profissionais, na pessoa do técnico norte-americano Fred Brown, O Vasco ficou de fóra…”

    Quer dizer, segundo José da Silva Rocha, o Vasco votou a favor das “eliminatórias olímpicas”. Mas, não se integrou ao bloco fundador da AMEA (Fluminense, Flamengo, América e Botafogo). Todavia, o que Rocha ocultou em sua coluna, Álvaro do Nascimento, o Cascadura, irá narrar em detalhes (Jornal dos Sports) que na reunião que se deu a ruptura da LMDT, Mário Polo (então presidente do Fluminense), como porta-voz dos clubes da Zona Sul e do América, também apresentou uma série de condições indignas ao conjunto dos clubes associados da Liga para o campeonato de 1924. Nestas condições estaria imposta a exclusão sumária dos jogadores que a Comissão de Sindicância julgava como “profissionais”.

    De tal forma, após o discurso de Mário Polo, as vaias tomaram conta do recinto. Logo em seguida, Barbosa Júnior, do Sport Club Mackenzie do Méier, representante dos chamados clubes pequenos, condenou o pronunciamento do presidente do Fluminense, classificando-o como racista. Isto porque todos os jogadores “profissionais delatados” eram negros que integravam o Vasco, Andaraí, São Cristóvão e Bangu. Segundo Cascadura “Os aplausos da enorme assistência a Barbosa Junior deixaram Mário Polo desapontado”. Assim sendo, o impasse se instaurou. E sem argumentos convincentes para ganhar a maioria dos clubes da LMDT, Flamengo, Fluminense, Botafogo e América decidem romper com a mesma e criar uma nova entidade. Assim nasce a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos – AMEA.

    A cisão do futebol no Rio de Janeiro provocada pela reação conservadora dos clubes da elite levou no ano de 1924 a realização de dois campeonatos na cidade. Antes disso, a AMEA tentou esvaziar ainda mais a Liga Metropolitana de Desportos Terrestres – LMDT, chamando os clubes de menor expressão e até mesmo o Vasco para ingressarem na “nova” Liga. Assim, numa espécie de “operação fatiada”, a AMEA foi assediando clube a clube, tentando lateralmente estabelecer sua hegemonia via bastidores do futebol carioca.

    O Club de Regatas Vasco da Gama, mantendo sua tradição de um clube vivo e de debates, reuniu o Conselho Deliberativo e a diretoria no dia 27 de fevereiro de 1924 para tomar posição diante da cisão do futebol carioca. É importante caracterizar que a vontade do clube, como o campeão de 1923, era de ter o reconhecimento e/ou se impor como um dos grandes do futebol. A luz dessa perspectiva duas correntes se formaram: uma ligada a Antônio Campos e Anibal Peixoto, defendia que o Vasco da Gama deveria permanecer na LMDT, mantendo na íntegra seu modelo vencedor; a outra corrente (integrada por José da Silva Rocha) defendia a filiação na AMEA como caminho para o Vasco defender seus interesses por dentro da entidade que reunia os grandes clubes da cidade.

    A maioria optou pela posição de pró-filiação da AMEA. A resolução aprovada foi à seguinte:

    1) Que seja officiado à LMDT pedindo o desligamento do C.R.V.G. visto julgarmos que sua atual constituição não representa o expoente máximo do sport carioca.

    2) Fica nomeada uma comissão composta de três membros deste conselho, para conhecer dos propósitos dos fundadores da nova entidade em relação ao Club de Regatas Vasco da Gama.

    3) Constatado por esta comissão que taes propósitos correspondem à justa aspiração e à dignidade do Club de Regatas Vasco da Gama, a directoria do mesmo club, diante do parecer em tal sentido firmado pela dita comissão, providenciara, immediatamente sem mais consulta, a filiação à nova Liga.

    4) Ficam revogadas as disposições em contrário.

    Assim sendo, embora a maioria do Conselho Deliberativo tenha aprovado no primeiro momento a filiação na AMEA, no conteúdo da resolução está contido o cuidado da preservação dos interesses do Vasco e de revogação das negociações caso os interesses do clube fossem burlados. No dia 13 de março a AMEA, via os jornais, divulgou uma nota oficial a abertura das inscrições a associação. Os clubes interessados deveriam encaminhar a entidade os seguintes documentos:

    1) Data da fundação;

    2) Do local de sua sede e campo de exercícios athleticos;

    3) Dos características de uma e de outra;

    4) Da natureza do titulo e sob de qual ocupa esse campo, se o de proprietário ou de arrendamento;

    5) No segundo caso, qual é a duração do arrendamento;

    6) Dos esportes que pratica de modo permanente;

    7) Dos que poderá disputar campeonatos esse ano, a começar em princípios de março;

    8) Do número e nome por extenso dos athletas que possui, indicando o esporte que se dedica;

    9) Da residência de cada um de seus athletas;

    10) Da profissão que exercem atualmente e de que exerciam anteriormente;

    11) Dos endereços dos locais onde exerciam e exercem, bem como dos nomes das pessoas sob cuja direção os exerciam e exercem;

    12) Das vitórias esportivas conseguidas até essa data e em que sports;

    13) Do nome das pessoas que tem representado na L.M.D.T até essa data;

    14) Dos nomes de seus diretores atuais;

    15) Fornecer um exemplar dos estatutos e dos regimentos internos.

    O Vasco prontamente respondeu todos os itens exigidos pela AMEA, enviou uma relação de 71 atletas associados ao clube e a declaração de que praticava 13 modalidades desportivas. No conjunto dos 71 atletas estavam incorporados todos os jogadores campeões de 1923. Mas, alegando cláusulas estatutárias, a diretoria da AMEA formada por Fluminense, Flamengo, Botafogo e América, atuaram para desmoralizar e quebrar as pernas do Almirante.

    Como medida de restrição os “ameitas de berço” apresentaram, como pré-requisito, que o Vasco disputasse uma espécie de repescagem, chamada de “disputa olímpica”, entre três clubes para obter a vaga na primeira divisão da AMEA. O que representava uma dura contradição para os vascaínos vide o voto anterior nas “eliminatórias olímpicas”. Entretanto, o Vasco, campeão da cidade de 1923, não aceitou a medida de “rebaixamento” de seu lugar. Logo em seguida, veio o golpe no ato de publicação da situação de cada futebolista inscritos pelos clubes aspirantes e filiados da AMEA. Após análise das inscrições, a direção da AMEA de modo sumário resolveu excluir 12 jogadores do Vasco, sendo 7 do primeiro quadro e 5 do segundo quadro. Entre eles estavam nada mais nada menos que Leitão, Ceci, Bolão, Negrito e Russinho. O brilhante goleiro Nelson da Conceição (o “Chauffeur”) só não foi cortado pela inquisição da AMEA pelo fato de ter sido convocado para a seleção carioca e brasileira.

    De todo modo, as medidas da direção da AMEA se chocavam violentamente com os interesses do Vasco enquanto, assim como Antônio Campos e Anibal Peixoto, entre outros, previam. Dessa maneira, diante da formalização da exclusão dos jogadores que eram sócios do Vasco, o presidente do clube, José Augusto Prestes, com sua consciência democrática e bagagem militante de uma revolução anti-monárquica em Portugal, conforme registrei no artigo “José Augusto Prestes: o presidente da Resposta Histórica (clique no link para ler o texto)”, mandou um ofício à AMEA comunicando a ruptura do Vasco da Gama com a “nova” Liga. Esse ofício, publicado no jornal O Imparcial e outros como A Gazeta de Notícias, hoje é amplamente conhecido como a Resposta Histórica.Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.Ofício nr.261Exmo. Sr. Dr. Arnaldo GuinleM.D.Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos

    As resoluções divulgadas hoje pela imprensa, tomadas em reunião de ontem pelos altos poderes da Associação a que V.Exa tão dignamente preside, colocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade, que absolutamente não pode ser justificada nem pela deficiência do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa sede, nem pela condição modesta de grande número dos nossos associados.

    Os privilégios concedidos aos cinco clubes fundadores da AMEA e a forma por que será exercido o direito de discussão e voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.

    Quanto à condição de eliminarmos doze (12) dos nossos jogadores das nossas equipes, resolve por unanimidade a diretoria do Club de Regatas Vasco da Gama não a dever aceitar, por não se conformar como processo por que foi feita a investigação das posições sociais desses nossos consócios, investigações levadas a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.

    Estamos certos que V.Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno da nossa parte sacrificar ao desejo de filiar-se à AMEA alguns dos que lutaram para que tivéssemos entre outras vitórias ado campeonato de futebol da cidade do Rio de Janeiro de 1923.

    São esses doze jogadores jovens, quase todos brasileiros, no começo de sua carreira e o ato público que os pode macular nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu,nem sob o pavilhão que eles, com tanta galhardia, cobriram de glórias.

    Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V.Exa. que desistimos de fazer parte da AMEA.

    Queira V.Exa. aceitar os protestos de consideração e estima de quem tem a honra de se subscrever, de V.Exa. At. Vnr. Obrigado.

    (a)Dr. José Augusto Prestes – Presidente

    A rigor, a Resposta Histórica disse um robusto não aos artigos de 64 e 65 do estatuto “Apartheid” da AMEA, que dizia o seguinte:

    Das inscrições dos amadores, suas formalidades e requisitos.

    Art. 64Poderão ser inscritos os sócios dos clubes filiados, que, sem o intuito de lucro, pratiquem os esportes superientendidos pela AMEA.Art. 65Não poderão, porém, ser inscritos:

    1) os que a troco de dinheiro, tenham tomado parte em festas, partidas, campeonatos ou concursos esportivos de qualquer natureza, dentro ou fora do país;

    2) os que tirem os seus meios de subsistência de qualquer profissão braçal, considerando como tal a que se predomine esforço físico;

    3) os que direta ou indiretamente tirem proveito da prática do esporte;

    4) os que já tenham tomado parte em qualquer prova das participem profissionais;

    5) os que se entregarem a exploração de jogos de azar, ou viverem da sua prática;

    6) os que não forem reconhecidos como amadores pela entidade máxima a quem competir a direção do esporte no Brasil;

    7) os que não saibam escrever e ler corretamente;

    8) os pronunciados, enquanto duram efeitos da pronúncia, os condenados por crimes capitulados no Código Penal, e os culpados mediante provas irrecusáveis de atos imorais ou desonrosos;

    9) os que habitualmente não tenham profissão ou empregos certos;

    10) os que exerçam profissão ou emprego subalternos; tais como: continuo, servente, engraxate e motorista;

    11) os que exerçam profissões ou empregos que exija, permita ou facilite o recebimento de gorjetas;

    12) os praças de pret (soldados, cabos e sargentos), excetuando-se, porém, os aspirantes a oficial e os alunos de Escolas Militares, os sargentos e desligados do tempo de serviço obrigatório.

    Em resposta à carta de oficial de Prestes, Arnaldo Guinle, dirigente do Fluminense e em nome da AMEA escreveu:

    “Officio de 17 de Abril Finalmente, dissemos a V. Ex. que embora estivessemos promptos a attender aos reclamos do vosso club a este respeito alimentava-mos a esperança de que para o futuro, elle fizesse todos os esforços para constituir equipes genuinamente portuguezas, para uma demonstração sportiva das verdadeiras qualidades dessa nobre raça secular.Arnaldo Guinle – Presidente da Comissão Organizadora” (Sports – Football, Gazeta de Notícias, 1924)

    Ou seja, o Vasco exclusivo dos portugueses, sem os negros, seria bem acomodado. Ora, qual o significado desse registro? Racismo puro!

    Notadamente, dois clubes: Bangu e São Cristóvão, que tinham jogadores negros e pobres, sucumbiram às normas racistas da AMEA. Entretanto, numa porta, a moral e os princípios democráticos falaram mais alto. Mas, não só. Conforme é possível compreender nos pontos cardeais balizados no decorrer do artigo: A Resposta Histórica não foi “uma Boa Ação de tipo cristã”. A verdade é que a Resposto Histórica se materializou como a conclusão de uma grande luta política que se deu sobre os rumos do futebol no Rio de Janeiro, com consequências concretas numa disputa de modelos. Isto é, não por coincidência, todos os futebolistas vetados no estatuto da AMEA eram negros e pobres, taxados como “homens de profissão duvidosa”. De tal forma, a discriminação racial e social no futebol estaria novamente institucionalizada caso o Almirante se submetesse ao modelo do “Apartheid” social e racial. Contudo, o presidente do clube José Augusto Prestes, prontamente respondeu que não iria acatar tais exigências e o Conselho Deliberativo do clube, que dividiu em duas posições no primeiro momento, se uniu no dia 15 de abril de 1924 ao redor de Prestes e da Diretória Administrativa para endossar uma causa maior: a do Vasco e do negro no futebol, consequentemente. Portanto, o expurgo sumário dos 12 jogadores/sócios do Vasco manchou para sempre a AMEA e os clubes da Zona Sul- Flamengo, Fluminense e Botafogo – que até o momento não fizeram autocrítica dos erros do passado. Pelo contrário, tentam reescrevera própria história falsificando, ocultando e distorcendo fatos.

    Mas, a verdade prevalece. Os Camisas Negras, campeões de 1923 não disputaram o campeonato de 1924 que reunia os clubes com maior tradição na cidade por uma causa maior em grandeza desportiva e social. O Vasco optou por disputar um campeonato paralelo ainda sob o nome da LMDT, junto com equipes de menor prestígio. De tal maneira, assim como em 1922 e 23, os Camisas Negras seriam novamente campeões, sendo que dessa vez de modo invicto. Para completar a trinca, nesse mesmo ano, o Vasco conquistou seu oitavo campeonato de remo (o maior campeão dos mares) e ainda, como cereja do bolo, o clube concorrendo pela LMDT desbancou o campeonato da AMEA no público e renda, confirmando assim sua marca de legítimo clube do povo.

    * Professor de geografia e autor do livro Vasco: o clube do povo – uma polêmica com o flamenguismo (1923-1958).

    Artigo publicado originalmente no site Ludopédio

    Referências

    SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; SANTOS, Ricardo Pinto dos. (Orgs.). Memória social dos esportes: futebol e política. A construção de uma identidade nacional. Rio de Janeiro: Mauad, Faperj, 2006.

    MALHANO, Clara E. S. M. B.; MALHANO, Hamilton Botelho. Memória social dos esportes: São Januário – arquitetura e história. Rio de Janeiro: Mauad, Faperj,2002.SANTOS

    João Manuel Casquinha Malaia. Revolução Vascaína: A profissionalização do futebol e a inserção sócio-econômica de negros e portugueses na cidade do Rio de Janeiro (1915-1934). 2010.489 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

    FONTES, Leandro Tavares. Vasco: o clube do povo – uma polêmica com o flamenguismo (1923-1958). Livros de Futebol. 2020.

    Jornal O Imparcial (1924)

    A Gazeta de Notícia (1924)

    Jornal A Noite (1948)

    Jornal dos Sports (1974)

    Site: https://crvascodagama.com/centrodememoriacrvg/Site: Netvasco.

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