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    Além da luz - Os universos paralelos estão de volta

    Teoria surgida h pouco mais de 50 anos e considerada de incio um absurdo total ganha espao na fsica moderna graas recentssima descoberta de que certas partculas subatmicas podem viajar mais rpido que a luz

    Além da luz - Os universos paralelos estão de volta (Foto: DIVULGAÇÃO)
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    Por Luis Pellegrini e Eduardo Araia

    A 23 de setembro último foi anunciado que um feixe de neutrinos - disparados de um acelerador de partículas do CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), na Suíça, em direção a um receptor situado na região de Gran Sasso, Abruzos, na Itália, a 732 quilômetros de distância - tinha superado a velocidade da luz. Com efeito, segundo tudo indica, os neutrinos chegaram a seu destino 60 nanossegundos (bilionésimos de segundo) antes do que deveriam se estivessem respeitando a velocidade da luz.

    O experimento foi realizado segundo todas as regras da pesquisa científica. Faz parte de um projeto que na verdade teve início há três anos, envolve dezenas de cientistas de primeira ordem, e os seus resultados foram controlados centenas de vezes. “No entanto, não vejo a hora em que alguém mais obtenha os mesmos resultados”, comentou Antonio Ereditato, porta-voz da equipe do Cern/Gran Sasso, “repetindo a experiência de maneira independente. Só assim tiraremos um suspiro de alívio”.

    Uma descoberta do gênero, com efeito, se confirmada poria em crise o inteiro panorama das teorias físicas conhecidas, a partir da relatividade de Einstein. Por essa razão, a notícia suscitou verdadeira comoção no mundo da ciência, bem como certo ceticismo. “Afirmações extraordinárias pedem provas extraordinárias, que ainda não obtivemos”, comenta Franz Muheim, do Instituto de Física Nuclear de Edinburgo, Escócia. Mas a dúvida é rebatida por outros especialistas, como Tony Doyle, da Universidade de Glasgow, também na Escócia: “A descoberta merece crédito. Foi obtida por cientistas renomados que não buscavam nada do gênero”.

    Todos concordam que a teoria da relatividade demonstrou ser correta em demasiadas ocasiões para ser simplesmente arquivada. Porém, se houver confirmação da descoberta italiana, será necessário criar uma nova teoria para explicar como e por que, em certas condições, algumas partículas viajam mais velozes do que a luz.

    Já se sabe o que acontecerá nos próximos meses: a experiência deverá ser repetida e confirmada por novas aferições. Não apenas no Gran Sasso, mas também pelos físicos do Minos (Main injector neutrino oscillation search), mega laboratório científico análogo ao europeu, instalado no Fermilab de Chicago, EUA.

    Albert Einstein certamente suspeitava a existência dos universos paralelos

    Dentre as várias alterações de conceitos que a confirmação dessa descoberta acarretaria, a mais extraordinária é sem dúvida a da hipótese dos universos paralelos, outras dimensões espaço-temporais que existiriam de modo paralelo à nossa própria dimensão. Como comenta George Matsas, físico teórico da Unesp, “se as observações forem mesmo confirmadas, um cenário possível é que os neutrinos estejam viajando por dimensões extras que só eles visitam”, como se fosse um atalho. Essa possibilidade é, em princípio, compatível com a teoria da relatividade de Einstein.

    Para os autores de ficção, bem como para vários pensadores de linha esotérica, o tema dos universos paralelos exerce um eterno fascínio. Afinal, quem resiste à ideia de que, num outro plano, pode existir um outro eu vivendo uma vida diferente desta aqui? O que muita gente não sabe é que a hipótese não se restringe à ficção: a ciência a tem levado cada vez mais a sério.

    A área científica que aloja essa ideia é a física quântica – aquela que estuda as leis do mundo subatômico, que reduzem tudo a probabilidades e cujas esquisitices incomodaram até Albert Einstein. Os mundos paralelos emergiram na academia como solução a uma das charadas quânticas mais conhecidas: a do gato de Schrödinger.

    O disparador de neutrinos, no Cern, Suíça

    Nesse desafio, criado pelo físico austríaco Erwin Schrödinger em 1935, um gato é colocado numa caixa selada com um contador Geiger, um frasco de veneno e um átomo radiativo que tem 50% de chance de desintegrar dentro de uma hora. Se o átomo se desintegra, o contador Geiger percebe e aciona um mecanismo que quebra o frasco de veneno, levando o gato à morte. De acordo com a teoria quântica, ao final daquela hora o átomo deve se encontrar num estado superposto de desintegração e de não desintegração. Ou seja: o gato está ao mesmo tempo num estado insólito, tanto de vivo quanto de morto.

    Schrödinger propôs seu enigma como uma forma de sublinhar como a teoria quântica pode desafiar o senso comum. De fato, como alguém pode estar vivo e morto ao mesmo tempo? Os cientistas puseram suas mentes para trabalhar no assunto e, de início, pensou-se que a solução era forçar o mundo quântico a decidir-se por uma das alternativas, abrindo a caixa e observando seu conteúdo. É a chamada interpretação de Copenhague – a opção, considerada pelo físico dinamarquês Niels Bohr, que destaca o papel do observador do fenômeno. Detalhe frágil dela: os pesquisadores teriam de monitorar o tal gato por uma hora.

    Em 1957, o americano Hugh Everett III, então aluno da Universidade de Princeton, propôs uma nova perspectiva para o enigma. Segundo ele, a matemática da teoria quântica realmente descreve a realidade e, se suas equações desembocam em resultados diferentes, todos eles podem ser concretizados em algum lugar. Mas onde?

    Instalações de superfície do Laboratório Gran Sasso, na Itália

    Como a ideia parecia maluca demais e Everett não continuou a pesquisar nessa área, o tema caiu no esquecimento. Em 1970, porém, outro americano, Bryce DeWitt, da Universidade do Texas, reviu o trabalho de Everett e concluiu que o único lugar em que todos esses resultados poderiam ocorrer eram universos paralelos. Para DeWitt, tais universos coincidiriam com o nosso em termos espaciais, mas estariam isolados, e em consequência teriam uma interação muito pequena com nosso universo. A hipótese ganhou o rótulo de “interpretação de muitos mundos”: cada resultado possível corresponde ao surgimento de um novo universo. No caso do gato, em um universo ele esbanja saúde, mas em outro está definitivamente morto.

    A revisão de DeWitt passou a ser considerada mais palatável para os físicos quando estes começaram a aceitar que, para elaborar a teoria unificadora de todas as leis da natureza – aquela que reunirá a relatividade de Einstein à quântica –, seria preciso haver outras dimensões além das comuns. O avanço nos instrumentos usados para pesquisar o reino quântico começou a possibilitar investigações cada vez mais acuradas dessa área, e nos anos 1990 uma descoberta mexeu com a interpretação de Copenhague: segundo a pesquisa, não é propriamente o observador que “decide” qual estado vai prevalecer, mas as interações com o ambiente do sistema observado (denominadas descoerência). A novidade complicou ainda mais a já difícil busca de uma evidência experimental para a teoria de Everett.

    Em 1995, o americano Edward Witten, da Universidade de Princeton, propôs que todos os eventos observados poderiam ser explicados em um grande cenário com 11 dimensões – o chamado multiverso. Como as dimensões do multiverso seriam diferentes dos mundos paralelos de Everett, parecia que o assunto chegara novamente a um beco sem saída.

    Três anos depois, o físico sueco-americano Max Tegmark, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), voltou à experiência do gato de Schrödinger e pôs-se no lugar do animal para refletir sobre o que ele conseguiria ver na caixa. Sua conclusão foi intrigante: segundo a interpretação de muitos mundos, em diversas versões ele morreria, mas sempre haveria universos nos quais viveria, e em alguns ele até seria imortal.

    O receptor de neutrinos do Gran Sasso

    Em 2003, Tegmark avançou nessa hipótese e elaborou uma classificação em quatro partes para os universos paralelos. Os de tipo I estão além da vista de nosso universo, mas têm as mesmas propriedades cosmológicas. Os de tipo II, nascidos logo depois do Big Bang, também estão além da vista do nosso universo, e suas propriedades cosmológicas podem ser algo diferentes.

    O tipo III abrange os universos associados à interpretação de muitos mundos. Já os universos de tipo IV podem ter leis da física bem diferentes das que conhecemos.

    Hoje em dia, os físicos encaram de formas distintas a noção de universos paralelos. Para alguns, a resposta à charada está em alguma variação da interpretação de Copenhague. Para outros, a chave reside mesmo na interpretação de muitos mundos. Mas o dilema talvez não dure muito, graças ao progresso das experiências, que captam dados cada vez mais sensíveis sobre o reino subatômico, e novidades como os chamados computadores quânticos (muitíssimo mais potentes que os atuais, pois conseguiriam trabalhar em outros estados além de ligado ou desligado).

    VÍDEO

    TUDO O QUE VOCÊ QUER SABER SOBRE NEUTRINOS: UM DOCUMENTÁRIO PRODUZIDO PELO CERN (ORGANIZAÇÃO EUROPEIA PARA A PESQUISA NUCLEAR) WWW.CERN.CH

     

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