Mutirama nas garras da Operação Monte Carlo
Inquérito revela que licitação de parque está envolvida em imbricado esquema de irregularidades que teve anuência do prefeito da capital, Paulo Garcia, e tinha Carlos Cachoeira como sócio de empresa vencedora da concorrência
Goiás247 - A licitação das obras de reestruturação do Parque Mutirama, em Goiânia, alvo da investigação da Operação Monte Carlo, que prendeu o contraventor Carlinhos Cachoeira, passou até agora ao largo dos trabalhos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) instalada pelo Congresso Nacional. Agora, com parte da obra concluída, o caso volta a chamar a atenção. As ligações telefônicas interceptadas pela Polícia Federal revelam um imbricado esquema de irregularidades, em que Cachoeira se declara sócio da empresa vencedora da concorrência – a Warre Engenharia – e assume que está com medo de ser arrolado no esquema de desvio de verbas do Ministério do Turismo que derrubou um ministro e arrastou a administração do prefeito Paulo Garcia.
As investigações apontam para um jogo de cartas marcadas entre a Delta e a Warre Engenharia que – descobriu-se a partir da Monte Carlo – tinha Carlos Cachoeira como sócio comum e oculto, além do ex-vereador Wladmir Garcêz como uma espécie de operador financeiro. A investigação sugere que as empresas combinaram o resultado e que a licitação do Mutirama, orçada em quase R$ 50 milhões, foi orientada com a anuência do secretário-executivo do Ministério do Turismo, preso pela Polícia Federal acusado de desviar verbas da pasta. Saíram justamente do Ministério do Turismo os recursos federais para a reforma e reestruturação do Mutirama. Àquela altura, a denúncia de beneficiamento da Warre na licitação já era conhecida e a obra já estava envolvida em um longo processo de investigação deflagrado pelo Ministério Público Federal a partir de apuração feita pela própria PF.
A denúncia envolve diretamente o prefeito de Goiânia, Paulo Garcia, candidato à reeleição. Após as primeiras revelações envolvendo o empreendimento, ele declarou à imprensa que tomara a decisão de cancelar a licitação. Nos bastidores, no entanto, a celebração do contrato prossegue. Com a eclosão da Operação Monte Carlo, vem à tona os encontros entre o então chefe de gabinete do prefeito, Cairo de Freitas, com vereadores e Wladmir Garcêz para discutir o andamento das obras do Mutirama. Nos encontros, conforme relatos de vereadores, é discutido o encaminhamento e o direcionamento das obras de reestruturação do parque, orçadas em quase R$ 50 milhões.
A sociedade oculta de Cachoeira com a Warre foi revelada pelas ligações telefônicas interceptadas pela Polícia Federal na Operação Monte Carlo. Mesmo após a eclosão do escândalo envolvendo Cachoeira, a única informação que se tinha era de que o contraventor era sócio oculto apenas da Delta. Com o desenrolar dos fatos, Cachoeira também surge nas gravações como participante dos negócios da Warre, ordenando inclusive o repasse de recursos para a empresa. As gravações feitas com autorização da Justiça mostram ainda a preocupação do contraventor com a possibilidade de ser envolvido no escândalo do Ministério do Turismo.
Os trechos mais reveladores das ligações interceptadas datam de 9 de agosto de 2011, mesmo dia da prisão do então secretário-executivo do Ministério, Frederico Costa, e mais 34 pessoas por envolvimento no desvio de recursos da pasta. Nessa data, Cláudio Abreu, então presidente da Delta para o Centro-Oeste, liga para o araponga Idalberto Matias, o Dadá, para questioná-lo sobre o fato de ele não ter avisado a quadrilha de Cachoeira sobre as prisões no Ministério do Turismo. "Professor, estoura uma bomba hoje aí e você não avisa nada pra nós, cara", afirma Cláudio. Dadá tenta se desculpar: "Mas eu não fiquei sabendo, não". Cláudio explica: "Essa do turismo, pô, mas foi movimentou 200 pessoas aí e 'oceis' não sabia (sic)?".
Em seguida, Cláudio e Dadá passam a falar do secretário-executivo Frederico Costa, preso pela PF. "Esse filho da puta, ele é muito ligado com o cara daqui, a empresa da cidade onde eu tô (Goiânia), que eu cheguei agora e esse cara deve tá se cagando de medo, porque eles são muito ligados, muito próximos", diz Cláudio. O presidente regional da Delta prossegue: "Pois é, o pessoal da Warre Engenharia, é aqui da cidade, Warre Engenharia, o dono dela é o Paulo Daher e o filho dele, o Ricardo Daher, e esse cara que foi preso aí arrumou dinheiro pra eles pra caralho e direcionou as obras pra eles, então", diz Cláudio Abreu, referindo-se a Frederico e aos proprietários da Warre Engenharia.
Dias mais tarde, em 15 de agosto, Cachoeira admite em uma conversa com Dadá ser sócio da Warre Engenharia. Os dois conversam sobre reportagem da revista Época que cita o escândalo no Ministério do Turismo e as conexões com Goiânia por meio da obra do Mutirama. Cachoeira pede para Dadá averiguar se haverá uma nova reportagem e diz temer que sua sociedade com os proprietários majoritários da Warre venha à tona. "O pessoal daquela construtura lá, eles querem é se blindar, né?", pergunta Dadá. "Mas não, rapaz (...), porque eu sou sócio deles nessa obra que saiu na Época e o sócio dele tem trinta por cento e eles têm setenta", diz Cachoeira. Então (...), senão pinga em mim, entendeu?", afirma Cachoeira, mencionando a preocupação de que a revista não revele a participação dele no negócio.
Ligações interceptadas dias antes, em 28 de julho, o ex-vereador Wladmir Garcêz e Geovani Pereira da Silva, uma espécie de contador dos negócios de Cachoeira, conversam sobre um repasse de R$ 500 mil que seria feito na conta da Warre. Wladmir repassa para Geovani o número da conta corrente e o CNPJ da empresa e eles combinam que o depósito do valor será feito em duas vezes, em dias seguidos. "O valor?", pergunta Geovani. "É 500 mil, aí, é, faz um hoje e outro amanhã", responde Wladmir. "Aí fica bom demais, né? 250 hoje, 250 amanhã, né?", confirma Geovani. "Ok", responde Wladmir, ao que Geovani pergunta: "Beleza. E isso é do chefe ou é do Cláudio?". Wladmir responde: "É do chefe". Vale lembrar que Wladmir se dizia executivo da Delta, que disputou a licitação do Mutirama com a Warre Engenharia.
Os fortes indícios de fraude na concorrência da obra do Mutirama surgiram já na abertura das propostas das empresas, no ano passado, quando o vereador Santana Gomes foi à tribuna da Câmara de Goiânia para afirmar, categoricamente, que a licitação corria a cartas marcadas e que a empresa vencedora seria a Warre Engenharia e Saneamento. No mesmo dia, à tarde, as informações de Santana Gomes se confirmariam e a Warre abocanharia o contrato apresentando a proposta de R$ 49.470.052,17 pelas obras de reestruturação do parque, que previam, por esse valor, a construção de túnel na Avenida Araguaia, de uma plataforma sobre a Marginal Botafogo e de urbanização da região para integrar o Parque Botafogo e o Setor Vila Nova.
A denúncia feita por Santana se tornaria ainda mais curiosa e, principalmente, mais crível com a eclosão de outros dois escândalos. O primeiro foi o desvio de verbas no Ministério do Turismo, que resultou na prisão do secretário-executivo da pasta, Frederico Costa, e outras 34 pessoas, e culminou na queda do próprio chefe da pasta, Pedro Novais, dias mais tarde. O segundo foi a Operação Monte Carlo, que revelou que o vereador Santana Gomes estava no círculo de influência de Cachoeira.
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