A responsabilidade dos Estados Unidos na crise econômica de Cuba
'Sufocada há mais de seis décadas pelo estado de sítio econômico imposto pelos EUA, Cuba enfrenta sérias dificuldades que afetam o bem-estar da população', diz Salim Lamrani
Por Salim Lamrani* - Em 17 de março de 2024, em Santiago, dezenas de pessoas expressaram pacificamente seu descontentamento com as dificuldades materiais que enfrentam diariamente. A agência de notícias norte-americana The Associated Press, geralmente bem informada, relatou a presença de “pequenos grupos de manifestantes”. Eles foram recebidos pelo secretário do Partido Comunista da cidade para expor suas queixas. As autoridades do governo enfatizaram que as manifestações ocorreram dentro de uma estrutura respeitosa.
Cuba foi atingida por uma grave crise econômica que está afetando o bem-estar da população. Os cortes de energia, devido à falta de suprimentos de petróleo, são comuns e às vezes podem durar até 8 horas. A escassez também está afetando o setor de alimentos, tornando cada vez mais difícil para as famílias cubanas encontrarem produtos de primeira necessidade. Pela primeira vez em sua história, Cuba pediu ajuda ao Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas para lidar com a situação.
Os Estados Unidos, por meio de sua embaixada em Havana, responderam rapidamente, destacando “a falta de alimentos e eletricidade” na ilha. “Exigimos que o governo cubano respeite os direitos humanos dos manifestantes e atenda às demandas legítimas do povo cubano”. Havana denunciou imediatamente a interferência e a hipocrisia de Washington, convocando o encarregado de negócios dos EUA, Benjamin Ziff, ao Ministério das Relações Exteriores.
Na verdade, os Estados Unidos são os principais responsáveis pela situação econômica da ilha. Desde 1960, Washington impõe sanções que afetam todos os setores da sociedade, especialmente os grupos mais vulneráveis, como crianças, mulheres grávidas, idosos e doentes. Após o colapso da URSS em 1991, longe de normalizar as relações com Cuba, o governo de Bush Sr. aumentou o estado de sítio ao aprovar a Lei Torricelli em 1992, que é ilegal devido ao seu escopo extraterritorial. Seu sucessor, o democrata Bill Clinton, seguiu o exemplo com a Lei Helms-Burton em 1996, que viola os princípios básicos do direito público internacional devido à sua natureza retroativa. George W. Bush reforçou essas medidas coercitivas aprovando novas sanções em 2004 e 2006.
Uma trégua foi observada durante o segundo mandato de Barack Obama, quando ocorreu o processo histórico de reaproximação entre os dois países, lançado oficialmente em dezembro de 2014. Medidas construtivas foram adotadas por Washington, mas as sanções não foram suspensas. De fato, vale ressaltar que o governo Obama I foi o que impôs as multas mais severas a empresas e bancos internacionais que tinham vínculos com Cuba.
Em 2017, a chegada de Donald Trump ao poder pôs fim a essa aproximação. Washington voltou a uma política de confronto, impondo 243 novas sanções no espaço de quatro anos, mais de uma por semana, visando setores vitais da economia cubana, como a exportação de serviços médicos, o turismo e as transferências de dinheiro. Dessas, 50 foram impostas em meio à pandemia de Covid-19, privando a ilha de equipamentos vitais, como respiradores, e afetando seriamente o sistema de saúde.
A eleição de Joe Biden em 2020 não significou nenhuma mudança para Cuba. Ele manteve a maioria das medidas tomadas por seu antecessor. Os números são reveladores do impacto das sanções econômicas sobre os direitos humanos dos cubanos. Mais de 80% da população nasceu sob sanções. Essas sanções custam à economia cubana uma média de 15 milhões de dólares por dia. Em novembro de 2023, pelo 31º ano consecutivo, 187 países, incluindo os mais firmes aliados dos Estados Unidos, pediram “o levantamento do bloqueio econômico, comercial e financeiro de Washington” contra Cuba. Anacrônico, cruel e ilegal, o bloqueio é o principal obstáculo ao desenvolvimento do país e é responsável pelo atual sofrimento da população da ilha.
*Salim Lamrani tem doutorado em Estudos Ibéricos e Latino-Americanos pela Universidade de Sorbonne e é professor de História da América Latina na Universidade de La Réunion, especializando-se nas relações entre Cuba e os Estados Unidos. Seu último livro é Au nom de Cuba.
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