Austeridade fiscal é o caminho para o fascismo, aponta pesquisadora
Clara Mattei apresenta uma análise marxista sobre a relação entre austeridade fiscal e a ascensão de regimes autoritários
247 – Em "A Ordem do Capital: Como Economistas Inventaram a Austeridade e Pavimentaram o Caminho para o Fascismo", Clara Mattei, da University of Chicago Press, 2022, explora a trajetória da austeridade desde a crise de 2008, revelando suas origens interligadas com a tecnocracia liberal do entreguerras e a repressão fascista. A autora desafia as explicações predominantes baseadas em teorias neoclássicas, propondo um retorno à perspectiva de Marx para entender o ressurgimento da austeridade pós-2008, segundo aponta a resenha de Dillon Wamsley.
Mattei destaca que a retomada da austeridade foi, na verdade, uma manobra de isca e troca, onde teorias neoclássicas foram utilizadas para desviar a responsabilidade da crise dos setores públicos inchados para os beneficiários de programas de bem-estar. Ao analisar as políticas deflacionárias e monetárias, ela argumenta que a austeridade desvia riqueza das classes trabalhadoras para as classes credoras, promovendo o desemprego e disciplina de mercado para neutralizar o poder coletivo da classe trabalhadora.
A obra de Mattei também mergulha na história da austeridade britânica desde o pós-Napoleão, destacando a influência de figuras como William Gladstone na consolidação da disciplina fiscal. O livro revela a formalização da doutrina da austeridade durante as conferências financeiras internacionais entre guerras, onde a defesa do capitalismo era central.
Economistas, como Ralph Hawtrey, desempenharam papéis cruciais na justificação ideológica da austeridade, especialmente com a teoria da tendência inexorável à poupança. Mattei destaca a influência desses economistas na formação da "Visão do Tesouro", delineando como eles moldaram as políticas deflacionárias.
O contraste entre a abordagem liberal britânica e a italiana fascista é explorado, destacando que, apesar das diferenças de modalidade, a austeridade uniu fascismo e liberalismo em uma busca coerciva comum. A pesquisa mostra que líderes liberais, incluindo Churchill e Montagu Norman, elogiaram o experimento de Mussolini em disciplina de mercado.
Ao examinar a persistência da austeridade desde os anos 1920 até os anos 2020, Mattei desafia a narrativa convencional que opõe Keynesianismo e monetarismo, sugerindo que vivemos em uma era caracterizada por uma continuidade radical com o entreguerras. Ela destaca a persistência da tecnocracia como o mecanismo político mais eficaz para impor a austeridade e proteger as relações de propriedade capitalista.
No entanto, a autora reconhece que a política de austeridade evoluiu desde o entreguerras, passando por mudanças significativas nas dinâmicas de legitimidade e política em massa. O modelo de "dividir para governar", popularizado por Thatcher, continua sendo uma estratégia-chave na coalizão política que sustenta a austeridade contemporânea.
Ao analisar o cenário atual, Mattei destaca a recente fase de aperto monetário coordenado pelos banqueiros centrais, ressaltando a necessidade de compreender a austeridade como um fenômeno enraizado nas bases de classe e na concentração de poder elitista. Apesar dos ecos do entreguerras, ela sublinha que a conjuntura atual apresenta descontinuidades notáveis, inclusive na retomada da mobilização popular após a pandemia, desafiando as trajetórias previsíveis delineadas desde o século XX.
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