‘Guerra às drogas é contra os pobres’, diz Luiz Eduardo Soares
Ex-secretário de Segurança Pública propõe legalização das drogas, defende desmilitarização das polícias e critica governos petistas; veja vídeo na íntegra
Opera Mundi - No programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta segunda-feira (25/10), o jornalista Breno Altman entrevistou Luiz Eduardo Soares, antropólogo, cientista político e ex-secretário nacional de Segurança Pública do primeiro mandato de Lula.
Segundo Soares, o Brasil vive uma situação única, na qual há uma polícia que realiza apenas o trabalho ostensivo, a Polícia Militar, e outra que realiza só o trabalho investigativo, a Polícia Federal, “e é tudo uma bagunça”.
Esse cenário, de acordo com Soares, é resultado da transição democrática, quando se criaram estruturas para dar continuidade à cultura da ditadura de que a polícia “é um inseticida social”.
“Aí temos um casamento perverso do nosso modelo policial, que herdamos da ditadura, com uma lei de drogas ineficaz. A PM, como não pode investigar, só pode prender em flagrante delito, vai para os lugares onde reina a política de exceção, vai para a favela atrás dos pequenos vendedores. A guerra às drogas é contra os pobres”, discorreu o cientista político sobre as consequências desse sistema.
Além dessa situação aumentar o encarceramento, ele relembrou que apenas fortalece o crime organizado, sem, de fato, combatê-lo, de modo que existem altos índices tanto de homicídios, quanto de impunidade no país.
“Mas não somos um país de impunidade, justamente porque temos a população carcerária que mais cresce no mundo desde 2001. Ou seja, é um sistema que se retroalimenta”, reforçou.
Balanço das políticas de segurança pública do PT
Soares lamentou a esquerda sempre ter negligenciado o tema da segurança pública, pois “o resultado é o banho de sangue de jovens negros periféricos”. Para ele, o campo democrático se limitou a ter uma posição reativa às políticas de segurança pública da direita, em vez de formular alternativas, como deveria ter feito.
O cientista político inclusive criticou os governos federais petistas por seus esforços insuficientes: “Eu fui secretário nacional de segurança pública até 2003. Tínhamos um plano de apresentar um projeto de mudança estrutural para o Congresso. Tínhamos esperança de que, com a força de Lula recém-eleito, poderíamos fazer algum avanço numa área que nunca avançou. Isso nunca aconteceu”.
Para ele, o grande erro dos ex-mandatários petistas foi não compreender a gravidade da situação e ter priorizado a governabilidade, esperar conseguir hegemonia para então levar a cabo mudanças como a proposta por Soares na época. “Mas não só não conseguimos uma hegemonia como agora estamos lutando contra o avanço do fascismo”, agregou.
Por outro lado, ele reconheceu a dificuldade da questão. Admitiu que houve tentativas, principalmente de governadores do Partido dos Trabalhadores ou da esquerda de forma geral, como Tarso Genro ou Leonel Brizola, mas que sofreram reações muito violentas à qualquer tentativa de reforma.
No caso de Brizola, no Rio de Janeiro, foi justamente enquanto ele lutava para impor limites à atuação policial que ocorreu a chacina da Candelária, em 1993;
Desmilitarização e reformismo
Apesar de acreditar que o ideal para superar de fato os problemas do atual sistema de segurança pública seja superar o neoliberalismo, Soares defendeu o reformismo para “frear o ímpeto brutal da polícia, o que é indispensável para salvar vidas e garantir a liberdade para organizar a resistência”.
Ele enfatizou que a utopia não está num horizonte histórico imediato, “pelo contrário, estamos reagindo ao avanço do fascismo”, de modo que será preciso pensar num redesenho do Estado burguês, de momento, o que inclui repensar o papel da polícia.
Nesse caso, em primeiro lugar ele listou a importância da legalização das drogas e a desmilitarização “urgente” da polícia, que hoje funciona como uma extensão das Forças Armadas, como ele mesmo definiu.
“Precisamos de conselhos estaduais policiais. É impensável não ter conselhos regionais de medicina, por exemplo, que determinem parâmetros mínimos de formação e atuação. Precisamos ter isso para a polícia, uma agenda mínima de ensino e acompanhamento”, sugeriu.
Ele se mostrou contra a unificação da polícia, apontando para o lado contrário: tropas municipais, multiplicação de agências, cada uma com uma função distinta, “para que sejam mais controláveis e transparentes”. Por outro lado, argumentou a favor da unificação de funções para que a polícia opere o trabalho ostensivo e de investigação ao mesmo tempo.
O cientista político ainda destacou que, com uma formação diferente e desmilitarizada, o agente policial agiria e se enxergaria como um colaborador da comunidade, teria autonomia para dialogar com a comunidade e expandir o debate da segurança pública.
Por fim, ele falou sobre a importância da carreira única. Atualmente, policiais têm um limite para seu crescimento profissional. Paralelamente, alguém que curse direito e faça o concurso para delegado de polícia, sem nenhuma experiência prévia, pode dirigir uma delegacia com profissionais com 20 ou 30 anos de experiência.
“Não importa que os que estejam embaixo tenham doutorado em Engenharia, se não estudar Direito, não pode fazer o concurso público. E, mesmo que um policial estude e faça a prova, sua experiência prévia não vale de nada. Isso gera uma animosidade horrível, choques internos entre delegados e policiais”, discorreu.
Com a carreira única, todos “entram pela mesma porta”. Além de dar as mesmas chances para todos, geraria mais empatia entre chefes e subordinados.
Entretanto, Soares não se mostrou otimista de que isso ocorra num futuro próximo. Ele reconheceu que a prioridade agora é se livrar da “ameaça fascista de Bolsonaro”, revogar as medidas de seu governo e reduzir a desigualdade.
“Só que se a gente não abordar o tema da segurança pública, vamos rever o mesmo ciclo, de derrubada da esquerda, retorno do fascismo, vamos seguir alimentando essa roda involuntariamente. Ou avançamos ou vamos ir mantendo o equilíbrio só que cada vez mais para baixo”, ponderou.
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