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O desaparecido suíço

Quase 30 anos após o desaparecimento do militante Bruno Breguet, Olmo Cerri revisita os passos de seu compatriota e tenta entender esse misterioso evento

Bruno Breguet (Foto: Divulgação)

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Por Sergio Ferrari - Quase 30 anos após o desaparecimento do militante suíço Bruno Breguet, o cineasta Olmo Cerri revisita os passos de seu compatriota e tenta entender esse misterioso evento.

Essa tarefa é abordada sob uma dupla perspectiva: como cronista atento e como cineasta-militante, cheio de questionamentos sobre a atual crise da sociedade e os desafios para transformá-la.

Uma vida singular - Em 1970, aos 20 anos, Bruno Breguet, nascido na pequena comuna de Minusio, perto de Locarno, na Suíça, decidiu se juntar à resistência palestina. Ele foi preso em sua primeira missão, que, de forma ingênua, envolvia contrabandear explosivos para Israel, escondidos em seu próprio corpo. Seus sete anos de prisão naquele país, que ele mais tarde chamaria de A Escola do Ódio (título de seu livro autobiográfico), o radicalizaram ainda mais.

Libertado em 1977, Breguet se uniu ao grupo do terrorista venezuelano Ilich Ramírez Sánchez, mais conhecido como “Carlos”. Em 1982, foi preso novamente, desta vez em Paris. Três anos depois, ao recuperar a liberdade – resultado, em parte, de uma importante campanha de solidariedade internacional – e com opções políticas um tanto ambíguas, decidiu se estabelecer em uma ilha grega com sua companheira e filha, onde sua até então intensa militância parece ter se diluído em um estranho e incompreensível hiato.

Em 1995, com sua pequena família, Breguet, que então tinha 45 anos, decidiu retornar à Suíça. Ao chegar ao porto italiano de Ancona, a bordo do navio "Lato", as autoridades migratórias o declararam persona non grata e impediram sua entrada no território. Sua esposa e filha puderam seguir viagem, mas Breguet foi reenviado em uma balsa com destino ao porto grego de Igumenitsa, onde nunca chegou (https://www.swissfilms.ch/fr/movie/la-scomparsa-di-bruno-breguet/4DB597783A824414BA61689B08903C7B).

História e questões atuais, diálogo em espelho - O documentário de sucesso "A Desaparição de Bruno Breguet", lançado em janeiro deste ano no Festival de Cinema de Solothurn, no noroeste da Suíça, e apresentado em agosto no de Locarno, na Suíça italiana, é um diálogo original entre as imagens da vida de Breguet e as questões profundas que Olmo Cerri, seu diretor, formula insistentemente com sua própria voz em off. Uma intensa troca de perguntas comuns e experiências diferentes entre porta-vozes de gerações distantes.

“Minha posição é particular”, sublinha Cerri, “não sou realmente um historiador, embora tenha tentado trabalhar com o rigor necessário de uma pesquisa histórica precisa. Além disso, também não sou jornalista, o que me dá uma certa liberdade narrativa para contar a história de forma mais eficaz. Tentei realizar uma investigação existencial, por isso é tão importante a participação dos companheiros de vida e luta de Breguet. Agradeço que essa fórmula de um filme documental me ofereça essa liberdade narrativa, embora reconheça que me impõe uma grande responsabilidade”.

Segundo Cerri, esta produção, exibida nas telas suíças e italianas, “faz parte de uma reflexão central neste momento da minha vida”. Ele comenta: “Vivo em um mundo que não me agrada, impregnado de injustiças. O que me cerca parece escapar ao meu controle, e sinto que careço de ferramentas eficazes para agir”. Embora Cerri reconheça a importância da política, do voto, das petições e iniciativas populares, do voluntariado, das manifestações, do cinema e da cultura, ele admite: “Tenho a sensação de que nenhum desses meios realmente consegue abalar o sistema atual”. Esse sentimento de impotência, segundo ele, parece ter se enraizado não só nele, mas também em sua geração, “como se nos tivessem colonizado com a ideia de que não há alternativa ao que vivemos hoje”.

O pessimismo mencionado por Cerri torna cada vez mais difícil imaginar ou sonhar com um futuro diferente. Para confrontar isso, ele quis que os pôsteres de divulgação de seu documentário incluíssem a pergunta: “O que você está disposto a fazer para mudar o mundo?”. Pergunta que Breguet fez inúmeras vezes, conforme relata em seu diário: “Gostaria que quem assistisse ao filme também se fizesse essa pergunta, mesmo que cada um tenha sua própria resposta”.

Da impotência à mobilização - Apesar da gravidade de seu pensamento, nem tudo é sombrio no horizonte de Olmo Cerri, que tem uma longa trajetória militante em Ticino, seu cantão de origem, no coração da Suíça de língua italiana. Além de seu compromisso sindical com o jornalismo, Cerri é um dos membros fundadores da Associação REC de Lugano, que reúne um grupo de jovens cineastas progressistas (https://rec.swiss/).

“Não quero transmitir uma mensagem excessivamente pessimista”, esclarece Cerri, “[pois] há nichos de resistência, realidades nas quais se está experimentando uma alternativa, que merecem ser protegidas e apoiadas”. Ele reconhece que, apesar de tudo, é reconfortante ver que, tanto na Suíça quanto no restante do mundo, há pessoas de todas as idades, especialmente as gerações mais jovens, que continuam a fazer essas perguntas fundamentais. “E que encontram respostas diferentes, muitas vezes coletivas, para contribuir com a mudança social”. Como exemplo, Cerri menciona os milhares de ativistas pelo clima em todo o planeta ou aqueles que se mobilizam regularmente em solidariedade à causa palestina. E conclui: “Há também aqueles que lutam pela acolhida de imigrantes, que ocupam edifícios desocupados e autogestionam espaços socioculturais, criando novas formas de comunidade. Sem esquecer os ativistas envolvidos em projetos de agricultura alternativa e os que militam em solidariedade ao Sul Global”.

Será que seu filme sobre Breguet pode ser um instrumento para encontrar uma nova forma de militância na realidade atual? Perguntamos a Cerri. “Seria inoportuno e vaidoso me propor algo tão importante”, responde o cineasta suíço. Ele continua: “Muito mais, levando em conta que nunca pensei em ter uma receita simples de como mudar o mundo. Pretendi, acima de tudo, criar uma ponte entre a geração dos ‘velhos militantes’ e os que estão envolvidos nas lutas atuais. Teria lamentado se o filme interessasse apenas à geração dos militantes dos anos 1960, que viveram experiências e desafios semelhantes aos de Breguet”.

"La Desaparición de Bruno Breguet", com suas numerosas apresentações e à luz do explosivo conflito na Palestina, gerou debates acalorados e profundos. Cerri observa que “desses debates, emerge a necessidade de tecer redes comunitárias e encontrar espaços onde nos sintamos confortáveis, onde possamos promover e construir utopias compartilhadas”. Ele acrescenta que é essencial “voltar a imaginar e sonhar coletivamente”, mencionando que existem muitas maneiras de fazê-lo: desde coletivos que se reúnem em torno de temas específicos até a participação política e sindical, passando pela gestão comunitária de espaços e projetos. Ele ressalta que “as lutas, mesmo com métodos radicais dos velhos militantes dos anos 1960, 1970 e 1980, levaram a conquistas sociais e direitos concretos, e deram sentido às suas existências. Isso me dá esperança, tanto a mim quanto às novas gerações de militantes”.

Final aberto - O que realmente aconteceu com Bruno Breguet? O documentário de Olmo Cerri, produzido por Dschoint Ventschr de Zurique e distribuído por Noha Film de Lugano, sugere, mas não afirma. A prudência do cineasta-cronista o leva a dizer que se trata de um “caso aberto, que talvez leve muitos anos para ser esclarecido”. E ele afirma que “tudo me leva a crer que há pessoas poderosas que sabem mais do que sabemos hoje sobre o seu paradeiro”.

As suspeitas que Cerri articula permanecem: a Suíça fez pouco para esclarecer a sorte de um de seus próprios cidadãos. Por outro lado, a vida, militância e história de Bruno Breguet tornaram-se incômodas para muitos, especialmente para os refinados serviços de inteligência e segurança de diversos Estados europeus. Para complicar ainda mais as questões, em 2023, o historiador suíço Adrien Hänni publicou um livro onde afirma ter descoberto provas (documentos desclassificados) da colaboração de Breguet com a Agência Central de Inteligência Americana (CIA) a partir de 1991, nos anos anteriores ao seu desaparecimento.

Sem rastros há quase três décadas, Bruno Breguet continua sendo, até hoje, um enigma indecifrável, um capítulo inconcluso da história política suíça, em resumo, mais um desaparecido.

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