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O plano de paz Brasil-China para a Ucrânia: boas intenções, pouca efetividade

Cabe perguntar se faz sentido apostar em uma desescalada do conflito quando países europeus e EUA autorizam à Ucrânia usar suas armas contra a Rússia

Celso Amorim e Wang Yi (Foto: Xinhua/Yue Yuewei)

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Por Rose Martins (*) no Opera Mundi - No último 23 de maio, Wang Yi, ministro dos Negócios Estrangeiros da China, e Celso Amorim, ex-chanceler e agora chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, se reuniram em Pequim para discutir uma proposta de resolução para a guerra entre Rússia e Ucrânia.

O documento com seis pontos, seguramente bem-intencionado, toca em questões importantes diante do atual cenário, mas deixa de lado outras essenciais e, apesar da razoabilidade de apelar para a criação de um ambiente de negociação, parece contar em demasiado com a boa vontade não só dos ucranianos, mas também dos norte-americanos e europeus.

Em primeiro lugar, devemos considerar relevante que Brasil e China defendam uma conferência de paz com a participação de ambos os lados do conflito. Isso porque os movimentos promovidos nesse mesmo sentido pelos países ocidentais e seus parceiros excluem a participação da Rússia, como é o caso da conferência de paz que deve ocorrer na Suíça este mês e para a qual Moscou não foi convidado a participar. 

Outro ponto importante é o apelo para que se evite ataques a usinas e instalações nucleares, chamando todas as partes do conflito a cumprirem o tão solapado direito internacional e a Convenção de Segurança Nuclear. Aqui, cabe lembrar que a Ucrânia, em abril deste ano, intensificou os ataques com drones à usina nuclear de Zaporizhzhya (agora sob controle da Rússia), o que provocou alertas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) sobre um provável acidente nuclear ou incidente radiológico. 

O sexto e último ponto do texto começa com a seguinte frase: “A divisão do mundo em grupos políticos ou econômicos isolados deveria ser evitada”. É uma afirmação coerente com as diplomacias chinesa e brasileira, que defendem relações internacionais pacíficas e intensificação da multilateralidade no sistema internacional, ao contrário do que temos hoje: um mundo em que tensões internacionais se espalham por diferentes tabuleiros geopolíticos, as rivalidades vêm se  consolidando como disputas estruturais e no qual organismos internacionais não têm conseguido dar respostas às questões dos mais variados tipos. A guerra da Ucrânia é um sintoma desse atual estado de coisas e a chamada da China e do Brasil é urgente e importante. Mas é possível? 

O documento apresentado por Celso Amorim e Wang Yi, reitero, é bem-intencionado, mas pouco tem de resolutivo e, em seu limite, pode somente chamar para uma desescalada (palavra que aparece mais de uma vez no texto), o que já é bastante otimista se levarmos em consideração os últimos acontecimentos. 

Aliás, cabe perguntar se é possível uma “desescalada a partir da não expansão do campo de batalha” quando países como a Alemanha, França e o Reino Unido subiram o tom na retórica de guerra e os Estados Unidos aprovaram há algumas semanas uma ajuda bilionária para a Ucrânia. Ou se desescalar o conflito é possível quando Jens Stoltenberg, secretário-geral da OTAN, tenha apelado para que a Ucrânia seja autorizada a usar em território russo as armas cedidas pelos países ocidentais. Os Estados Unidos, Alemanha e Holanda já decidiram pela autorização.  

Tampouco a Rússia parece disposta a descartar se expandir no campo de batalha em um momento em que se aproxima de Kharkiv, segunda maior cidade da Ucrânia. Além disso, no início de maio, Putin ordenou exercícios militares com o uso de armas nucleares, em um sinal claro de que Moscou escuta e reage ao tom de escalada do ocidente. 

Se o que se deseja é promover uma resolução política, como aparece no próprio documento, a proposta deixou passar dois importantes pontos: a questão territorial e o contínuo envio de armas ocidentais para a Ucrânia. Nesse sentido, é importante lembrar que em setembro de 2022, após a realização de referendos, os territórios de Kherson, Zaporizhzhya, Donetsk e Lugansk foram declarados como partes da Federação Russa, o que a Ucrânia tenta recuperar, muito embora sua contraofensiva esteja perto de completar um ano sem atingir os resultados esperados. 

Nenhuma proposta de paz deve ser descartada, mas, apesar da evidente boa vontade, o texto apresentado pela China e o Brasil propõe poucos caminhos políticos para alcançar o fim do conflito, apesar de acertar ao defender a presença da Rússia em conferências de paz e fazer alertas sobre a questão humanitária.  Moscou tem recebido com boa vontade e algum interesse propostas de paz de países amigos como a China e o Brasil e tanto Putin como Lavrov têm insistido que estão prontos para uma saída negociada. 

Mas toda e qualquer saída negociada passa por discussões mais complexas, como a neutralidade da Ucrânia e o status dos territórios conquistados pela Rússia. Nesse momento, a Rússia está em melhores condições de ditar os termos de um acordo, mas os Estados Unidos e a Europa mantêm a Ucrânia em condição de resistir, mesmo com os custos altíssimos que não se traduzem em resultados no campo de batalha. Além da questão territorial, a chamada para uma conferência de paz em que a Rússia esteja presente parece muito difícil de ser aceita pelos Estados Unidos e a Europa, ao menos no curto prazo. Os países ocidentais condicionam a participação de Moscou nas conversações de paz à retirada das tropas russas do que entendem como território da Ucrânia, o que na prática significa a imposição de condições irreais para iniciar negociações que levem ao fim do conflito. 

O complexo quadro do embate entre a Rússia, Ucrânia e o países da OTAN acabam por impor limites para aqueles que desejam construir a paz, mas o essencial ainda precisa ser dito. Portanto, apesar de bem-intencionadas, as diplomacias do Brasil e da China redigiram um documento que, apesar de abordar temas importantes quando o assunto é a guerra,  diz mais sobre suas visões comuns de mundo, estratégias diplomáticas e interesses na estabilização das relações internacionais do que em medidas eficazes para ao menos criar um ambiente de negociação. 

(*) Rose Martins é analista internacional e pesquisadora, formada em Relações internacionais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e mestra em Economia Política Internacional

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