O Tibete que eu vi: entre o sagrado e o político
Entrelaçados ao longo de uma história secular, Tibete e China compartilham um só destino
Por Leonardo Sobreira*, de Lhasa (247) - Nas profundezas das reluzentes montanhas tibetanas se desenrola uma narrativa que ecoa através dos milênios. É uma trama intricada de fé, política e reabilitação que moldou o destino não só do Tibete, mas também da China, entrelaçando de forma inextricável o budismo e o governo central chinês.
O céu do centro de Lhasa é rasgado em alvirrubro pelo icônico Palácio de Potala, erguendo-se ao lado da Montanha Vermelha. Este monumental mosteiro, lar de 78 monges, guarda zelosamente as inestimáveis relíquias espirituais do Tibete, atuando como sentinela da herança religiosa da região. Entre elas, repousam as múmias de todos os Dalai Lama, com exceção do sexto, como se o próprio tempo, em um gesto de reverência, houvesse pausado perante essa cápsula da história.
O Tibete também tem suas sombras. A Revolução Cultural liderada por Mao Zedong lançou escuridão sobre a região. Mas, tão profundo quanto a escuridão foram os esforços subsequentes do Partido Comunista da China (PCC) em valorizar a diversidade cultural dentro de suas fronteiras, representando para os tibetanos um farol de esperança. Este reconhecimento da nação como um mosaico de culturas diversas é um avanço significativo rumo à coexistência harmoniosa.
Não muito distante, a exposição permanente no Museu do Tibete deixa claro que a região vivenciou uma libertação pacífica em 23 de maio de 1951, com a assinatura de um acordo em Pequim. Desde então, o povo da Região Autônoma do Tibete experimentou um salto em sua riqueza, deixando para trás anos de escravidão. O 12º Congresso Nacional do Partido Comunista da China estabeleceu o rumo para o Tibete na nova era, enquanto o 10º Congresso do Partido determinou que a região se tornaria um modelo de unidade étnica em toda a China, com desenvolvimento econômico aliado à preservação ecológica.
O Instituto de Documentos Antigos da Universidade do Tibete emerge como um santuário de sabedoria, abrigando um acervo de mais de 100 mil livros e manuscritos raros, dentre eles os Phu Ri. Este acervo é uma prova tangível do compromisso mútuo entre o governo regional e o governo central em Pequim na preservação da cultura tibetana. Em 2011, Xi Jinping, então vice-presidente da China, fez uma visita ao instituto, enfatizando a importância de salvaguardar essa herança cultural.
Segredos são carregados pelos ventos que ressoam entre as montanhas. Narram contos de um passado distante e de um presente em constante evolução, ao mesmo tempo que algumas histórias permaneçam apenas insinuadas.
Em Beijing, nota-se a seriedade da questão. O 14º Dalai Lama, figura imersa em controvérsia, tem sua morada no exílio, na Índia, desde 1957. Sua sombra enigmática paira sobre o Centro de Tibetologia na zona norte da capital chinesa, onde acadêmicos alinhados ao governo central o enxergam como um instrumento da CIA, uma peça manejada para semear o separatismo e avançar os interesses americanos em solo chinês. Apesar de agora lamentar os comprovados laços financeiros pretéritos com a inteligência americana, sua incansável aspiração à independência tibetana continua a ser vista como um desafio à unidade chinesa.
O professor Zha Luo não hesita em apontar a contínua politização de Dalai Lama. "As discussões sobre o Dalai Lama ainda não pararam. Sua intenção de obter independência não parou. O vemos aqui como uma figura política", sentenciou o professor, colocando em xeque o alegado retiro político do líder religioso em 2010.
Numa mini exposição histórica dentro do próprio centro acadêmico, destaca-se que a distinção entre Estado e Religião surge como uma evolução democrática vital, evidenciando-se após a libertação pacífica do Tibete e desempenhando papel crucial na vitória contra a pobreza na região, marco alcançado 2019.
O discurso oficial é de resoluta determinação; qualquer indício de tumulto ou aspirações separatistas serão prontamente enfrentados e contidos, ecoando a incansável busca por harmonia na diversificada tapeçaria que forma a nação chinesa.
Ambos Partido Comunista e Tibete são mutuamente dependentes, formando os alicerces da unidade e coexistência. O Partido afirma sua diversidade étnica, enquanto o Tibete vê no Partido uma estrutura de sustentação e desenvolvimento. Essa interdependência reflete o delicado equilíbrio entre preservação cultural e integração política, com cada parte reconhecendo a importância vital da outra na grande tapeçaria que compõe a nação chinesa.
* Leonardo Sobreira é editor-executivo do portal Brasil 247 e esteve entre os dias 13/09 e 27/09 na China, a convite da Embaixada Chinesa em Brasília, tendo visitado as regiões de Beijing, Qinghai e Xizang.
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