Se racismo não trouxer prejuízo real ao futebol, ‘sanções seguirão brandas e ineficazes’, diz goleiro Aranha
Ex-atleta foi alvo de agressões racistas dentro de campo em 2014 e se tornou símbolo na luta contra a discriminação
Brasil de Fato - O mais recente caso de racismo no futebol sul-americano, envolvendo o jogador Luighi Santos, do Palmeiras, trouxe novamente à tona a discussão sobre a postura das instituições esportivas e a resistência dos atletas em relação a este tema. Durante uma partida no Paraguai pela fase de grupos da Copa Libertadores da América Sub-20, o jogador da base do Palmeiras foi alvo de insultos racistas vindos da torcida do Cerro Porteño, do Paraguai, nos minutos finais do jogo. Além dos xingamentos, ele e Vitor dos Santos Figueiredo, de 19 anos, sofreram cusparadas e gestos racistas, incluindo a imitação de um macaco por um torcedor que carregava o próprio filho no colo.
Diante da omissão da arbitragem e da falta de uma resposta imediata das autoridades esportivas, Luighi reagiu publicamente, cobrando posicionamento da imprensa e das entidades responsáveis. Após a vitória da equipe brasileira, o jogador expressou sua indignação ao perceber que, ao ser entrevistado, era questionado apenas sobre o resultado da partida e os lances do jogo – ignorando o crime que havia acabado de sofrer.
Para discutir como o racismo segue enraizado no futebol – não apenas no Brasil, mas em todo o mundo – a edição desta quinta-feira (13) do Três por Quatro, videocast de política do Brasil de Fato apresentado por Nara Lacerda e Igor Carvalho, recebeu o jornalista e pesquisador Emerson Esteves, o ex-goleiro Mário Lúcio Costa Duarte, conhecido como Aranha, e o cientista político Joselicio Júnior.
Para Emerson Esteves, a postura de Luighi marca uma mudança na forma como os jogadores lidam com o racismo no esporte. “Antes, os atletas tinham muito medo. Não contavam com respaldo da opinião pública, das instituições e, muitas vezes, nem dos próprios clubes. Acabavam lutando sozinhos contra uma estrutura hostil.”
O jornalista ressalta que, tanto na América do Sul quanto na Europa, os casos de racismo continuam sendo tratados como incidentes isolados, sem medidas eficazes para coibir novas ocorrências. “O que tem aumentado não são os casos em si, mas as denúncias, porque há uma crescente conscientização entre os atletas.”
Como pontua Aranha, “enquanto o racismo não representar um prejuízo real para o produto futebol, as sanções seguirão brandas e ineficazes”.
O goleiro também ressaltou o caráter estrutural do problema: “A origem do futebol é muito racista e elitista. Então, como que eu vou esperar que o agressor promova algum tipo de ação contra ele mesmo? Contra os seus princípios, a sua origem, né?”
Entre as personalidades que se manifestaram em solidariedade a Luighi está Vinicius Júnior, atacante do Real Madrid, que já foi alvo de ataques racistas em diversas ocasiões na Espanha, o que voltou a ocorrer nesta quarta-feira (12). Durante partida contra o Atlético de Madrid, um grupo de torcedores rivais cantou uma música que se referia ao brasileiro como “chimpanzé”. Assim como Luighi, Viní Jr tem denunciado insistentemente o racismo no futebol, mesmo reconhecendo o peso emocional desse enfrentamento. “Falar de racismo é falar de trauma, de dor”, enfatiza Esteves.
O presidente Lula também demonstrou seu apoio e desejou forças a Luighi em suas redes sociais, reforçando a importância de um representante que é favorável a causas sociais, e destacando a necessidade do “alargamento do debate racial na sociedade”, como aponta cientista político, enfatizando a necessidade do debate sobre a discriminação racial em todos os setores comuns do país.
Por sua vez, a Conmebol penalizou brandamente o Cerro Porteño impondo uma multa de US$ 50 mil e determinando dois jogos com portões fechados para a torcida. O time paraguaio também teve que publicar posts em suas redes sociais pregando a luta antirracista. A postagem feita nas redes do Cerro ganhou visibilidade ao atrair comentários racistas de internautas.
“É comum, mas já esteve muito pior”
A discriminação racial dentro do universo do futebol vem, ano após ano, “ganhando visibilidade, apesar de não ser novidade”, diz Joselicio. Em 2014, o goleiro Aranha foi alvo de insultos racistas da torcida do Grêmio durante uma partida pela Copa do Brasil. Sete torcedores foram identificados e indiciados, e o clube gaúcho acabou eliminado da competição.
“Não são os casos que estão aumentando, o que estão aumentando são os números de denúncias”, sublinha o ex-atleta sobre a postura cada vez mais firme dos jogadores negros em combater a discriminação dentro do esporte.
Por outro lado, Joselicio reforça sobre a necessidade de medidas que sejam conscientizadoras e que visem resolver o problema em sua raiz, e ilustra a importância do cuidado em promover apenas “discursos punitivistas, como se a aplicação de maiores punições fosse resolver o problema do racismo”.
Joselicio Jr., ainda destaca que o Brasil é um dos países mais sofisticados do ponto de vista de legislação. “A gente tem artigo 5º da Constituição, inciso 42, que estabelece o racismo como inafiançável e imprescritível, e a lei Caó (7.716/89), que estabelece o racismo como crime”, lembra. No entanto, enfatiza, “o problema não é de legislação. O problema é de execução.”
Representatividade dentro e fora dos gramados
O caso de Luighi também trouxe à tona a falta de diversidade no comando técnico do futebol brasileiro. Atualmente, entre os 20 clubes da Série A, apenas o Internacional tem um treinador negro, Roger Machado. “Se você é negro no Brasil, ou você caminha para ser sambista ou para ser jogador de futebol, ser jogador de futebol é aceitável. Siga, mas você para no gramado”, afirmou Esteves, citando João Rufino Santos.
Para Joselicio, o futebol precisa ser utilizado como ferramenta política contra o racismo. “Se historicamente o futebol foi usado para manipular e apaziguar tensões sociais, por que não usá-lo para combater a desigualdade? Esse esporte tem um peso cultural gigante e pode ser um instrumento de transformação.”
Esteves acrescenta: “Normalmente, esses jogadores brancos têm esse perfil de pensador do jogo, enquanto os negros são enquadrados na caixinha do ‘forte’ e do ‘veloz’.”
O técnico Roger Machado, a exceção no comando técnico de times da Série A, lançou o projeto “Diálogos da Diáspora”, que financia a publicação de 50 autores negros, reforçando a importância da representatividade.
Igualdade nas arenas e racismo fora de campo
A “arenização” do futebol brasileiro também tem seu papel na perpetuação do racismo. “Em prol desse ‘padrão Fifa”, as parcelas menos abastadas da sociedade tornam-se cada vez menos presentes nas arquibancadas das arenas e estádios espalhados por todo o país, e graças ao racismo estrutural presente no Brasil, por consequência, os negros acabam integrando este grupo”, destaca Esteves.
Segundo o jornalista, além de estampar uma discriminação muito grande dentro da nossa sociedade, a elitização também tem potencial para prejudicar o esporte e os atletas, pois “quando o jogador [negro] olha para as arquibancadas e não se vê, isso também traz um processo de dor e de falta de reconhecimento.”
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