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    Lula critica 'neocolonialismo verde' e cobra países ricos: 'não haverá sustentabilidade sem justiça'

    "Não podemos aceitar um neocolonialismo verde que, sob o pretexto de proteger o meio ambiente, impõe barreiras comerciais e medidas discriminatórias", afirmou o presidente

    Lula e Helder Barbalho (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

    247 - Após discursar na terça-feira (8) na Cúpula dos Países Amazônicos, o presidente Lula (PT) falou novamente nesta quarta-feira (9) na Cúpula da Amazônia e países convidados e reafirmou sua cobrança para que países ricos ajudem financeiramente as nações que ainda preservam suas florestas.

    Segundo o mandatário brasileiro, "a pobreza é um obstáculo à sustentabilidade", e "não haverá sustentabilidade sem justiça". "Os países das bacias da Amazônia, do Congo e de Bornéo-Mekong atuarão com determinação para preservar as três maiores florestas tropicais do mundo. Mas não se pode falar de florestas tropicais e mudança do clima sem tratar da responsabilidade histórica dos países desenvolvidos. Foram eles que, ao longo dos séculos, mais dilapidaram recursos naturais e mais poluíram o planeta. Os 10% mais ricos da população mundial concentram mais de 75% da riqueza e emitem quase a metade de todo o carbono lançado na atmosfera".

    Lula ainda enfatizou que "tampouco haverá sustentabilidade sem paz". "Os gastos militares, que atingiram o recorde de US$ 2,2 trilhões no ano passado, drenam recursos de que o mundo precisa para a promoção do desenvolvimento sustentável".

    "Não podemos aceitar um neocolonialismo verde que, sob o pretexto de proteger o meio ambiente, impõe barreiras comerciais e medidas discriminatórias e desconsidera nossos marcos normativos e políticas domésticas. O que precisamos para dar um salto de qualidade é de financiamento de longo prazo e sem condicionalidades para projetos de infraestrutura e industrialização verdes", afirmou o presidente.

    Leia o discurso do presidente Lula na íntegra:

    É uma alegria participar deste encontro numa data de grande simbolismo, em que acolhemos convidados especiais. Hoje comemoramos o Dia Internacional dos Povos Indígenas, estabelecido pelas Nações Unidas em 1995.

    Depois da excelente Cúpula dos Países Amazônicos realizada ontem, agora temos o privilégio de dialogar com outros países detentores de florestas tropicais e países e organizações parceiras.

    Quero iniciar falando não de florestas, mas apenas de uma árvore.

    Uma árvore majestosa tão conhecida pelos habitantes de Belém.

    Para nós, brasileiros, essa árvore tem o nome de sumaúma.

    Ela está presente, com outros nomes, em todos os países amazônicos e em todos os países com florestas tropicais aqui representados.

    Na Bolívia, é chamada de mapajo [maparro]; no Equador, ceibo; na Guiana, kumaka.

    Na Bacia do Congo, é conhecida como fromager [fromagê], enquanto na Indonésia se chama kapok.

    A sumaúma é um símbolo do vínculo que nos une.

    Sabemos das expectativas que recaem sobre nós com relação ao potencial das florestas tropicais.

    Mas nossas florestas não vão gerar soluções para o enfrentamento da mudança do clima se não forem capazes de gerar soluções para quem vive nelas.

    Combater o desmatamento e fortalecer a fiscalização e a repressão aos ilícitos ambientais são medidas fundamentais, mas não suficientes diante dos desafios existentes.

    No Brasil, os municípios onde há mais desmatamento também são os com os piores índices de saúde, de saneamento, de educação, de segurança alimentar e de violência.

    São os que registram maiores índices de desigualdade.

    A pobreza é um obstáculo à sustentabilidade.

    Precisamos de uma visão de desenvolvimento sustentável que coloque as pessoas no centro das políticas públicas e inaugure um ciclo de prosperidade baseado na floresta em pé.

    Esta Cúpula é o ponto de partida para que a nossa Amazônia e as demais florestas tropicais deixem, de uma vez por todas, de ser vistas como um problema, e se tornem solução.

    São os produtos da sociobiodiversidade que vão gerar emprego e renda e oferecer alternativas à exploração predatória dos recursos naturais.

    É conjugando atividade econômica com preservação que vamos diminuir as pressões sobre a vegetação nativa.

    É valorizando as culturas locais que vamos promover o turismo sustentável.

    É resgatando os conhecimentos e os saberes tradicionais que vamos fomentar a pesquisa e a ciência de ponta.

    E é transformando as cidades em centros de inovação que vamos agregar valor aos produtos da floresta e alavancar o desenvolvimento tecnológico.

    Senhoras e senhores,

    As evidências científicas confirmam que o ritmo atual de emissões de gases de efeito estufa nos levará a uma crise climática sem precedentes.

    O último mês de julho foi o mais quente já registrado na história e incêndios têm-se alastrado por vários países.

    O planeta se aproxima de vários pontos de não retorno.

    Os países das bacias da Amazônia, do Congo e de Bornéo-Mekong atuarão com determinação para preservar as três maiores florestas tropicais do mundo.

    Mas não se pode falar de florestas tropicais e mudança do clima sem tratar da responsabilidade histórica dos países desenvolvidos.

    Foram eles que, ao longo dos séculos, mais dilapidaram recursos naturais e mais poluíram o planeta.

    Os 10% mais ricos da população mundial concentram mais de 75% da riqueza e emitem quase a metade de todo o carbono lançado na atmosfera.

    Não haverá sustentabilidade sem justiça.

    Tampouco haverá sustentabilidade sem paz.

    Os gastos militares, que atingiram o recorde de 2,2 trilhões de dólares no ano passado, drenam recursos de que o mundo precisa para a promoção do desenvolvimento sustentável.

    Diante dessas disparidades, é fundamental não perder de vista o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas.

    Ele continua mais válido do que nunca, porque reflete equidade, justiça, ação e ambição.

    As obrigações de apoio financeiro, de cooperação técnico-científica, de transferência tecnológica, que estão consagradas nas Convenções do Rio de 1992, não estão sendo cumpridas.

    Desde a COP 15, o compromisso dos países desenvolvidos de mobilizar 100 bilhões de dólares por ano em financiamento climático novo e adicional nunca foi implementado.

    E esse montante já não corresponde às necessidades atuais. A demanda por mitigação, adaptação e perdas e danos só cresce.

    Quem tem as maiores reservas florestais e a maior biodiversidade merece maior representatividade.

    É inexplicável que mecanismos de financiamento, como o Fundo Global para o Meio Ambiente, que nasceu no Banco Mundial, reproduzam a lógica excludente das instituições de Bretton Woods.

    Brasil, Colômbia e Equador são obrigados a dividir uma cadeira do conselho do Fundo.

    A República do Congo e a República Democrática do Congo são obrigadas a dividir uma cadeira com mais seis países.

    A Indonésia é obrigada a dividir uma cadeira com mais dezesseis países.

    Enquanto isso, países desenvolvidos, como Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Itália e Suécia, ocupam cada um seu próprio assento.

    Sanar a falta de representatividade é elemento essencial de uma proposta abrangente e profunda de reforma da governança global que beneficie todos os países em desenvolvimento.

    Os serviços ambientais e ecossistêmicos que as florestas tropicais fornecem para o mundo devem ser remunerados, de forma justa e equitativa.

    A nossa perspectiva precisa ser levada em conta na negociação de um conceito internacional de sociobioeconomia que nos permita certificar produtos e gerar oportunidades para nossa população.

    Os países detentores de florestas tropicais herdaram do passado colonial um modelo econômico predatório.

    Um modelo baseado na exploração irracional dos recursos naturais, na escravidão e na exclusão sistemática das populações locais.

    Os efeitos são sentidos por nossos países até hoje.

    Não podemos aceitar um neocolonialismo verde que, sob o pretexto de proteger o meio ambiente, impõe barreiras comerciais e medidas discriminatórias e desconsidera nossos marcos normativos e políticas domésticas.

    O que precisamos para dar um salto de qualidade é de financiamento de longo prazo e sem condicionalidades para projetos de infraestrutura e industrialização verdes.

    Reformar o sistema também requer uma solução duradoura para o endividamento externo que aflige tantos países em desenvolvimento.

    Na presidência brasileira do G20, que terá início dia primeiro de dezembro, colocaremos o desenvolvimento sustentável e a redução das desigualdades no centro da agenda internacional.

    Temos apenas 7 anos para alcançar os Objetivos da Agenda 2030.

    É hora de nossos países se unirem. É hora de acordar para a urgência do problema da mudança do clima.

    Se não agirmos agora, não vamos atingir a meta de evitar que a temperatura suba mais que um grau e meio em relação aos níveis anteriores à Revolução Industrial.

    A COP30, que também vai acontecer aqui em Belém, em 2025, será um marco tão importante como foi a COP21, em 2015, quando foi adotado o Acordo de Paris.

    Todos os países vão apresentar sua segunda rodada de compromissos de redução de emissões. Talvez seja a nossa última chance de garantir um clima estável para o planeta Terra.

    O Brasil vai liderar pelo exemplo, convidando a todos para irmos, juntos, de Belém a Belém.

    Quero convidar especialmente outros países com florestas tropicais para se somem a esse esforço.

    A Declaração Conjunta que adotaremos hoje será o primeiro passo para uma posição comum já na COP28, este ano, com vistas à COP30.

    Junto com nossos companheiros da África e da Ásia, podemos aprofundar as trocas de experiências sobre a proteção das florestas e seu manejo sustentável.

    Também podemos liderar a promoção de cadeias de produtos florestais livres de desmatamento e fortalecer ações globais em prol do Marco Global para a Biodiversidade.

    Companheiras e companheiros,

    Quero terminar trazendo as palavras de um grande pensador indígena da Amazônia, o xamã Davi Kopenawa, um dos líderes do povo ianomâmi.

    Ele escreveu um livro belíssimo chamado A queda do céu, e uma das coisas que ele diz é o seguinte: “Os brancos não sonham tão longe quanto nós. Dormem muito, mas só sonham com eles mesmos”.

    Em meu pronunciamento de ontem, falei que em Belém nasceria um sonho amazônico.

    Estou certo de que, após este encontro, cada um aqui seja capaz de sonhar longe.

    Muito obrigado.

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