Breno Altman: não estamos diante de uma guerra interimperialista
Jornalista defende que Rússia é uma nação capitalista periférica em choque contra sistema imperialista liderado pelos EUA
Opera Mundi - No programa 20 MINUTOS ANÁLISE desta terça-feira (01/03), respondi uma questão que vem sendo feita diante do conflito na Ucrânia: a Rússia é imperialista?
Para muitos, o panorama atual é o resultado do confronto entre dois imperialismos, o russo contra o norte-americano. Para outros, mais sensibilizados pelos ataques russos ao território ucraniano, trata-se de uma agressão imperialista russa à soberania de Kiev.
Entretanto, se consideramos a trajetória histórica e atual perfil do país comandado por Vladimir Putin, a minha resposta para a pergunta é: não, definitivamente.
A Rússia certamente é um país capitalista e seu Estado é inegavelmente burguês, desde o fim da União Soviética, há trinta anos. Ainda que o capital financeiro seja hegemônico e haja alguma exportação de capitais russos, certamente essa não é a coluna principal da acumulação capitalista na Rússia. Afinal, na economia moderna, o capital financeiro é dominante em quase todos os países, mas isso não quer dizer que todos os países sejam imperialistas, embora muitos também exportem capitais.
Vale lembrar que a definição moderna de imperialismo, sintetizada por Lênin, vai muito além de poderio militar ou de dinâmicas coloniais de conquista e ocupação de territórios, sendo um processo econômico que emerge nos países capitalistas mais avançados.
Para Lênin, o imperialismo teria como ponto de partida um grau elevado de desenvolvimento econômico, no qual ocorreria concentração e centralização da produção, levando ao surgimento de monopólios. Esses monopólios, incapazes de obter lucratividade apenas em território nacional e gerando um enorme excedente de capital financeiro, buscam novos mercados, novas fontes de matéria-prima e novos fornecimentos de trabalho, de mão de obra.
Instalam novas fábricas e empresas em países nos quais matéria-prima e mão de obra são mais baratas, para aumentar o lucro, e onde podem ser formados novos mercados consumidores, além dessa novas empresas, em terceiros países, servirem como plataformas de exportação. Para defender os interesses do capital monopolista fora de suas fronteiras, disputando contra capitais de outros países, os Estados burgueses constroem enorme capacidade militar, diplomática e financeira.
Assim, para que se possa afirmar que um determinado Estado é imperialista, seria necessário que a exportação de capitais fosse estrutural para a acumulação capitalista desse país e que o Estado estivesse moldado para essa função - por exemplo, com bases militares espalhadas pelo mundo, gigantescas frotas marítimas e armamento de longo alcance.
Depois da 2ª Guerra Mundial, contudo, o imperialismo acabou mudando de configuração. Deixou de ser apenas um processo para se transformar em um sistema ao qual todos os Estados imperialistas passaram a estar subordinados à hegemonia financeira, militar, diplomática e cultural dos Estados Unidos.
Na luta contra o campo socialista, o campo capitalista passava a ter o comando central norte-americano, instituições internacionais sob seu controle, subordinação efetiva de todas as forças armadas aos militares estadunidenses e assim por diante. A Otan surge exatamente para consolidar essa situação.
De 1945 a 1991, esse sistema foi contraposto por um campo socialista liderado pela União Soviética, embora existissem Estados anti-imperialistas que não eram socialistas – como o pan-arabismo de Nasser, Sadam, Kadaffi e Assad ou a República Islâmica do Irã.
A partir de 1991, esse sistema imperialista deu as cartas no mundo, naquilo que se chama de ordem unipolar.
A reação militar da Rússia contra os Estados Unidos e a OTAN na Ucrânia, desde 2014, talvez represente o último episódio desse mundo unipolar, que passa a ser econômica e militarmente confrontado pela aliança entre Rússia e China.
Rússia: capitalismo de Estado
A Rússia está longe de ser imperialista. Aliás, tem um perfil semelhante ao brasileiro: atualmente é uma nação extrativista, suas principais exportações são de petróleo e derivativos, além de gás, metais e madeira.
A burguesia russa é praticamente inexistente no mundo capitalista, embora tenha alguma incidência nas economias ex-soviéticas. Sua economia, além da exportação de commodities, é fundamentalmente voltada para o mercado interno, com forte papel regulador do Estado, algo definido por alguns estudiosos como capitalismo de Estado.
A excepcionalidade da Rússia é que, embora capitalista, não está integrada no sistema imperialista sob hegemonia dos EUA, contra o qual tem relevantes demandas desde que o país rompeu com a orientação pró-ocidental seguida por Boris Yeltsin entre 1991 e 1999.
O governo Putin não é de esquerda, mas nacionalista, grão-russo. Em muitos temas, um governo conservador e até pouco democrático, mas trata-se de um governo anti-imperialista, contra o imperialismo realmente existente, o sistema imperialista sob hegemonia dos Estados Unidos. Claro, ele pode se tornar imperial ou agressivo contra populações e Estados não-russos, mas não é possível concordar que esse seja o processo dominante na política interna ou internacional de Putin.
Seu anti-imperialismo não é consequente, porém, tende a instabilidades estruturais, exatamente por conta da natureza capitalista de sua economia e do caráter burguês do Estado. Mas não seria correto identificar a Rússia como uma potência imperialista ou o conflito ucraniano como interimperialista. Trata-se de clássico enfrentamento que opõe uma nação capitalista periférica contra o centro imperialista, em território de um terceiro país que prestou-se a ser bucha de canhão.
Mas estamos falando, claro, de uma nação periférica com enorme capacidade militar, para a qual o sistema imperialista não teve uma política de integração, mas de submissão, fragmentação e domínio, por razões geopolíticas.
Isso é o que fundamentalmente explica a situação. A Rússia, além de não ser imperialista, foi empurrada para o anti-imperialismo pela lógica expansionista comandada pelos Estados Unidos, cujo sintoma mais dramático é a atual crise ucraniana.
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