CPI da Covid: Estudo nas redes mostra crescimento da oposição ao governo Bolsonaro
Quem tem mobilizado o debate sobre a CPI da Covid nas redes sociais? Estudo com base em publicações no Twitter durante as três primeiras semanas da Comissão e publicado com exclusividade pelo Brasil 247 mostra que o campo crítico ao governo Bolsonaro tem se ampliado e que as redes bolsonaristas continuam muito fortes, ainda que hoje tenham menos alcance
Por Reynaldo Aragon Gonçalves (UFF), Janderson Pereira Toth (UFRJ), Wanderley Anchieta (UFF), Thaiane Oliveira (UFF), Marcelo Alves (UFF). Pesquisadores do CiteLab, Lamide UFF, LabCores/UFRJ e integrantes da Rede Conecta
Introdução:
Quem tem mobilizado o debate sobre a CPI da Covid nas redes sociais? Desde a primeira semana de CPI estamos trazendo esta questão para o debate, analisando as redes e os discursos com foco no Twitter, buscando entender como os campos político-ideológicos estão engajados em torno da discussão sobre a CPI da Covid-19.
Nossa coleta se apresenta, neste momento, como uma ampliação da série semanal de estudos sobre a CPI publicadas no Portal Brasil 247 e no site do CiteLab (UFF), relativa às movimentações no Twitter durante as primeiras duas semanas da comissão parlamentar. Desta vez nossa coleta é composta por publicações extraídos durante os dias 29/04 e 20/05, correspondendo, assim, às três semanas da CPI até o presente momento, englobando quase 3 milhões de conversações e nos oferecendo uma perspectiva ampla das movimentações virtuais e dos caminhos pelos quais as informações têm percorrido durante esse período. Neste estudo coletamos a partir de hashtags e palavras-chave neutras como forma de observar de modo mais imparcial possível os vieses políticos-ideológicos que surgem a partir dos discursos que englobam a CPI da Covid-19 de forma ampla. São eles: CPIdaPandemiaJa, camarotedacpi, CPIdaCovid, CPIdoCovid, CPIdaPandemia, CPIdoGenocidio, CPIdaCovidJa e CPI.
Especificamente em relação à segunda semana, temos o dever de apontar que o debate em torno da CPI transitou entre três temas centrais, tais como: políticas públicas de combate à pandemia, hidroxicloroquina e vacinas, todos relacionados à ciência. Durante as oitivas, o assunto ciência esteve presente em todos os momentos, colocado de forma a ilustrar as questões envolvidas por uma perspectiva metodológica e científica, servindo como argumento para levantar as questões pertinentes com os depoentes. Das falas dos senadores a justificativas dos ouvidos, as reações no Twitter acompanhavam em tempo real o que acontecia na comissão.
Os dados foram importados no software Gephi, voltado para análise de redes complexas, e por fim eles foram alocados em três grupos (clusters) principais:
- progressista/liberal: conversações que estejam mais em sintonia com atores alinhados mais à esquerda, presente no grupo laranja na imagem abaixo.
- conservador/reacionário: são conversações que estejam mais orientadas aos atores alinhados mais com a direita, presente no grupo verde na imagem abaixo.
- viral: para aqueles cuja filiação político-ideológica não seja necessariamente definida no momento e é composto por usuários que interagem com a discussão apenas em ocasiões esporádicas, como quando a CPI gera situações com potencial de viralizar no Twitter. Este grupo é representado pela cor azul na imagem abaixo.
Trabalhamos com a politização discursiva enquanto método, ou seja, agrupamos os atores conforme suas conversações, a exemplo de retweets, apontam (ou não) para outros atores que possuem discursos semelhantes. Assim, pudemos identificar os três círculos de conversa mais relevantes durante as três semanas da CPI. Dentro do cenário amplo das movimentações nas redes no que diz respeito à CPI, os grafos demonstram dados que são notáveis no campo da polarização política, fazendo com que significativos atores dos campos progressistas e do campo liberal apareçam juntos no cluster laranja. Em outras palavras, temos setores que reverberam os mesmos valores e percepções sobre a realidade da crise sanitária e se unem na crítica ao governo Bolsonaro e as políticas de enfrentamento da pandemia.
Este movimento indica uma certa coerência com as últimas pesquisas de opinião sobre a popularidade do governo federal e como a população vem enxergando as ações do mesmo perante a crise, assim como declarações recentes de políticos de campos adversários defendendo ações conjuntas contra o governo.
Analisamos 2.600.986 conversas/retweets envolvendo 366.846 usuários ao longo das três semanas da CPI. No gráfico acima podemos observar tendências interessantes. O grupo que mais possui usuários é aquele que aparece de forma “oportunista” na discussão, entrando com frases de impacto, comentários irônicos, etc., e, então, se retira da conversa. Por essa razão, nomeamos esse grupo de Viral - posto que eles não estão engajados na CPI per se e sim em alguns de seus momentos específicos.
O grupo mais alinhado com a esquerda/liberais, possui uma quantidade de usuários que supera em quase 100% em números absolutos o da direita conservadora, porém proporcionalmente se nota que suas conversações estão um pouco abaixo do grupo da direita conservadora e reacionária. Conservadores, por sua vez, apesar do menor número de usuários, é a mais engajada. Eles se mantêm mais tempo e criam um volume muito alto de publicações entre eles. Poderemos averiguar de forma ainda mais clara essas relações nos grafos que traremos abaixo para representar imageticamente as conversações em rede de cada um dos grupos.
Grafo do total de conversações de todos os grupos:
Conforme adiantamos anteriormente, em azul encontramos o campo viral. Eles participam do “trend”, dos momentos de maior repercussão, e por essa razão suas publicações são mais dispersas. Outro ponto de destaque é que as publicações relevantes deste grupo são, em sua maioria, feitas por pessoas comuns, sendo o contexto o fator mais relevante para a sua viralização.
Notem que eles se “espalham” em quase todas as direções - isso demonstra que suas mensagens interagem com todas as outras. Percebam como o campo verde é mais “fechado em si”, demonstrando que suas mensagens estão mais contidas entre eles mesmos.
Em outras palavras, o grupo conservador/reacionário conversa mais consigo próprio. Por outro lado, o viral se engaja em discursos do tipo irônico, comentando sobre o que está “bombando” no momento, e costumam se relacionar com todos os outros grupos.
Progressista/liberal:
O campo compreendido como formado pela esquerda - em conjunto com outros grupos liberais - possui um volume de atores grande, além de possuir como perfis de destaque diversos usuários verificados. No entanto, apesar de possuir quase o dobro de usuários do que a direita, as conversações se espalham em múltiplas direções, alcançando uma diversidade maior de atores e conversações.
Assim, apesar de a direita seguir em ampla vantagem na quantidade de suas movimentações na rede, suas conversas, por mais volumosas que sejam, estão recaindo numa certa circularidade. O que é muito indicativo de uma perda de espaço de voz. É importante salientar que no campo progressista/liberal e especificamente no que diz respeito à CPI da Covid-19, com narrativas muito próximas, é possível encontrar atores dentro do Twitter que antes apareciam no campo conservador/reacionário.
Podemos identificar dentro do cluster laranja atores diametralmente diferentes no que diz respeito à sua posição política, a título de exemplo: Freixo e Brasil 247 ao lado do Estadão e do Antagonista.
Conservador/reacionário:
Ainda que os conservadores/reacionários estejam “perdendo espaço” e interlocução, eles ainda têm uma uma força muito grande entre seus próprios usuários. O que pode ser percebido pela forte coloração esverdeada, o que indica visualmente a enormidade das trocas de conversações entre eles. Ainda há alguns momentos em que os conservadores/reacionários conseguem atingir outros grupos, contudo essas interações podem conter publicações irônicas, contudo os grafos deixam clara uma tendência de auto clausura.
Um ponto importante a ser verificado é em qual momento das últimas semanas houve maior quantidade de publicações feitas por cada cluster. Apesar do destaque para um momento do dia 12, com relação ao pedido de prisão durante o depoimento do ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social, Fabio Wajngarten, podemos observar que os dias mais badalados foram nos depoimentos do ex-chanceler Ernesto Araújo e do ex-ministro da saúde Eduardo Pazuello, ocorridos na últimas semana.
Conforme podemos verificar no gráfico abaixo, que busca observar em qual momento novos usuários entraram na discussão sobre a CPI, o comportamento dos clusters conservador/recionário e progressista/liberal são semelhantes, com destaque maior para o segundo.
Isso está de acordo com o que foi observado anteriormente, a direita com poucos usuários e uma esquerda com um volume maior. O grupo viral possui os maiores picos, isso deve-se a publicações que tiveram grande engajamento no período, trazendo novos usuários para a discussão.
Os maiores picos aconteceram durante o depoimento do ex-ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta, do ex-secretário Fábio Wajngarten e do ex-ministro Eduardo Pazuello.
Outra visão interessante é no que diz respeito à permanência dos usuários na discussão, ou seja, os usuários que continuam na conversa ao longo do tempo. O cluster conservador/reacionário permanece mais na discussão, o que corrobora os dados apresentados anteriormente sobre a pequena quantidade de usuários deste grupo com grande quantidade de conversas feitas, em sua maioria entre o próprio grupo.
O gráfico abaixo, que busca observar em qual momento usuários saem da discussão, demonstra de forma cabal aquilo que viemos comentando ao longo deste texto. O grupo viral é o que se retira de forma mais rápida, ou seja, “entra e sai” rapidamente.
Por outro lado, os clusters conversador/reacionário e progressista/liberal costumam se manter na discussão por um tempo maior, tendo uma saída mais ‘leve’. Com a grande saída de usuários entre o dia 12 e 13, é importante salientar que esse movimento se deu graças à expressiva entrada de usuários que ocorreu no dia 12, devido ao pedido de prisão feito pelo relator da CPI, Renan Calheiros.
Considerações finais:
Um ponto que vem chamando a atenção, há algum tempo, mas com efeito claro durante as três semanas da CPI da Covid-19 é a influência das redes sociais no debate político-ideológico e de que forma isso vem se refletindo na opinião pública de modo mais amplo.
No estudo, apontamos para as ocorrências que demonstram que o campo crítico ao governo Bolsonaro tem se ampliado, agregando atores e público dentro de um setor único - que agrega narrativas progressistas e liberais. Esse dado corrobora as últimas pesquisas de opinião que apontam o crescimento do sentimento anti-Bolsonaro e a queda na popularidade do governo perante o povo brasileiro. O que chama a atenção é que as redes bolsonaristas continuam muito fortes nas redes, ainda que hoje tenham menos alcance que os demais setores, ainda são ativos e fazem barulho e parece que atingiram um piso bem significativo e que os garante muita influência nas redes sociais.
A CPI tem sido um evento com grande cobertura midiática. Para além do jornalismo mainstream, o jornalismo progressista, liberal e conservador tem tratado com muita atenção os trabalhos no Senado, dando ampla visibilidade ao tema em suas editorias.
Esta semana o senador Renan Calheiros anunciou que contrataria uma agência de checagem para auxiliar o Senado na CPI, um gesto que aponta para a importância das redes e seus atores dentro do jogo político e ideológico. Nas próximas semanas acompanharemos as movimentações no Twitter e de que forma isso pode indicar cenários tanto no campo da saúde pública quanto no campo da política ideológica, como um termômetro que afere a temperatura do debate público sobre os caminhos da democracia no Brasil.
Reynaldo Aragon Gonçalves - Doutorando em Comunicação PPGCOM-UFF
Janderson Pereira Toth - Mestrando em Informática PPGI - UFRJ (Laboratório de Computação Social e Análise de Redes Sociais - Lab CORES)
Wanderley Anchieta - Doutor em Comunicação PPGCOM-UFF
Thaiane Moreira Oliveira - Professora de Comunicação PPGCOM-UFF
Marcelo Alves - Doutor em Comunicação PPGCOM-UFF
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