Jornal Nacional atua como cúmplice e propagandista do holocausto palestino
Como não existe ingenuidade em um negócio tão lucrativo como o jornalismo de massa, não se pode crer que essa postura seja involuntária
Por Eduardo Vasco (*) no Opera Mundi/Diálogos do Sul - O Jornal Nacional é, se não a maior, uma das principais fontes de informação dos brasileiros, mesmo diante do aumento no número de consumidores de notícias em aplicativos, redes sociais e na Internet. Visto diariamente em 38,1 por cento dos lares com televisores ligados na Grande São Paulo [1], é o mais importante telejornal da TV Globo que, por sua vez, é assistida por 70 milhões de brasileiros diariamente [2]. Logo, um número expressivo de cidadãos forma a sua consciência sobre os acontecimentos nacionais e mundiais a partir do que é veiculado por esse programa.
Isso é preocupante quando se percebe que, na realidade, ele não representa os acontecimentos da forma em que eles acontecem. Um caso emblemático é o da cobertura desse noticiário sobre o mais recente capítulo da guerra de Israel contra os palestinos, iniciado em 7 de outubro. Em um mês de cobertura (até 7 de novembro), as 27 edições do telejornal dedicaram 7 horas e 36 minutos ao conflito, tendo sido o tema principal do programa na maioria de suas edições. Como ensinado em toda faculdade de jornalismo, qualquer conteúdo noticioso deve apresentar todas as versões possíveis de uma história cuja verdade ainda não foi devidamente constatada, a fim de não ser injusto com nenhuma parte envolvida. Mas todos se esquecem que, mais importante ainda, é o critério de proporcionalidade de versões e lados da história com relação aos acontecimentos. Para ficar mais claro, cito qual deveria ser o critério correto a respeito dos acontecimentos atuais no Oriente Médio: diante da assimetria da guerra, a cobertura jornalística deve ser proporcionalmente assimétrica.
Isso significa que, se Israel já matou mais de 10 mil palestinos em um mês, num massacre de proporções holocáusticas, o noticiário sobre esse genocídio em curso deveria ser muito mais frequente do que sobre os 1.400 israelenses mortos durante a “Operação Tempestade de al-Aqsa” da resistência palestina encabeçada pelo Hamas. Principalmente porque os ataques de Israel a civis e a destruição em Gaza são diários, assim como as graves denúncias de organismos e autoridades internacionais.
Mas a cobertura do Jornal Nacional vai na contramão dos fatos. No período analisado, o programa dedicou 27 por cento de todo o noticiário sobre o conflito aos ataques do Hamas, o que é mais que o dobro do dedicado aos ataques de Israel (13 por cento), ainda que estes últimos tenham matado sete vezes mais pessoas. O Hamas foi acusado de ser um grupo terrorista pelos âncoras e repórteres do telejornal em 160 ocasiões (uma média de 6,9 acusações por edição), embora nem a ONU nem o governo brasileiro o considerem terrorista. No total, foram 258 acusações relacionadas ao terrorismo (seja diretamente de terrorista pelo jornal, seja afirmando que seus ataques foram terroristas ou seja apresentando uma fonte afirmando que a organização é terrorista). Foram ainda quinze acusações de extremismo pelos âncoras ou repórteres.
O Hamas, na verdade, é um partido político, que foi eleito pelo voto popular para governar Gaza e tem uma milícia armada, a exemplo de tantos outros partidos políticos nos últimos cem anos por todo o mundo. A caracterização do Hamas como terrorista, uma vez que não o é oficialmente e nem mesmo as duas grandes autoridades que o JN deveria se basear (ONU e governo brasileiro) para tal o reconhecem assim, se transforma em uma adjetivação por parte dos responsáveis pelo noticiário. O Jornal Nacional está dando a sua opinião sobre o Hamas (de maneira implícita), o que vai de encontro aos critérios jornalísticos. O plano de fundo, contudo, é mais grave: o telejornal da Globo repete, e não é por acaso, a opinião do governo de Israel, para quem não só o Hamas, mas toda a verdadeira resistência palestina é terrorista. De fato, a análise minuciosa da cobertura do JN revela que este tem se comportado mais como um jornal estatal de Benjamin Netanyahu, ou mesmo como um porta-voz do governo israelense (e do norte-americano) do que como um noticiário que se pretende objetivo, imparcial e neutro.
Ao repetir exaustivamente que o Hamas é uma entidade terrorista e informar que o governo e as autoridades de Gaza estão sob o controle do Hamas, os jornalistas deslegitimam (não sem propósito) todas as informações e acusações provindas daqueles. Na maioria das escassas nove vezes, em 27 edições, nas quais citaram o número dos mortos em Gaza (contra dez edições que relataram os mortos em Israel), os repórteres do jornal ressalvaram que são dados fornecidos por autoridades do Hamas e que “não podem - supostamente - ser verificados de maneira independente” (em outras, que Israel afirma que as mortes são culpa do próprio Hamas). Logo, põem em dúvida que tanta gente tenha sido morta (em uma edição, um repórter, após a ressalva, noticiou que “o Ministério da Defesa americano confirmou que há milhares de mortos civis em Gaza”, isto é, o governo dos EUA, que está a dois continentes e um oceano de distância, seria mais confiável que o governo de Gaza). Uma reportagem, sobre evento organizado pelo Consulado de Israel em São Paulo para demonstrar os crimes do Hamas aos jornalistas, cita que o cônsul disse que “uma das estratégias (do Hamas) é divulgar informações falsas para colocar a comunidade internacional contra Israel”. Vemos que a ideia de insinuar que os mortos em Gaza não são tantos assim não saiu da cabeça dos editores do Jornal Nacional…
Por outro lado, em nenhum momento foram colocadas em dúvida as declarações de Israel, nem mesmo quando apresentavam informações não confirmadas, ou mesmo fake news: o ministro de Relações Exteriores israelense disse, na tribuna da ONU, que bebês haviam sido decapitados, e o governo israelense apresentou um áudio manipulado de um palestino indicando que o ataque ao hospital al-Ahli havia sido feito pelos combatentes palestinos. As duas farsas já haviam sido desmascaradas [3] [4], mas as reportagens veicularam as mentiras e não as corrigiram. Muitas vezes exibiu-se os representantes de Tel Aviv apresentando o que seriam “provas” de que os membros do Hamas cometem barbaridades (os âncoras chegaram a adjetivar com palavras como essas os ataques do Hamas, mas não os de Israel) se escondem entre os civis, para justificar seus ataques indiscriminados a zonas residenciais e comerciais. Essas “provas” na verdade nunca foram comprovadas e muito menos questionadas pelos jornalistas do noticiário da Globo. O que Israel diz é tido como a mais pura verdade. O que diz o Hamas quase nunca é veiculado, e quando o é, deslegitima-se.
Embora seja obrigado a mostrar imagens da destruição e de feridos em Gaza, o JN não diz quem são eles e nem mesmo quem são seus carrascos.
Espaços diferenciados
Com efeito, tem sido dado muito mais espaço para declarações de representantes do governo de Israel (61) do que dos palestinos (20). E, embora o noticiário enfatize que trata-se de uma “guerra entre Israel e Hamas”, aos representantes desse movimento foram oferecidos espaços em apenas seis ocasiões. Já os aliados de Israel (EUA e Europa Ocidental) tiveram declarações veiculadas 89 vezes, contra apenas 11 vezes dos aliados da Palestina (Hezbollah, Irã e Síria), sendo apenas uma delas para o Hezbollah, que também passou a ser atacado verbalmente, e nenhuma para a Síria, que teve seus aeroportos atacados por Israel. Isso, embora os aliados da Palestina tenham muito mais razão para se envolver no conflito do que os de Israel, dada a proximidade geográfica. Países neutros neste conflito (Rússia, China e o restante das nações árabes, que não têm apoiado publicamente o Hamas) tiveram declarações exibidas 34 vezes. De longe, o ator externo mais frequente nessa parte do noticiário do JN foram os Estados Unidos, algumas vezes recebendo mais destaque que todos os outros juntos.
Mais importante do que a quantidade de declarações a favor de um lado ou de outro, é a qualidade dessas declarações. Praticamente todas as declarações de Israel são acusatórias contra o Hamas, ou mesmo contra o Irã - contra o qual sempre se insinua alguma participação maligna no conflito, embora nunca se fale do fornecimento de armas dos EUA a Israel. Muitas das declarações de seus aliados também são acusações contra o Hamas e o Irã. Mas raramente as declarações dos palestinos e de seus aliados são acusações contra Israel, e menos ainda contra os EUA (de quem depende todo o aparato militar e mesmo estatal de Israel). Embora até os países neutros tenham feito inúmeras acusações graves contra os israelenses, elas só foram veiculadas quando o presidente turco, Recep Erdogan, disse que Israel comete crimes de guerra, e quando o Hezbollah, aliado dos palestinos, fez a mesma acusação. Quando o Crescente Vermelho, que se enquadra na categoria de organizações internacionais, também acusou Tel Aviv de crimes de guerra, mereceu uma menção no JN. Os palestinos e aliados acusam diariamente Israel de ser criminoso, assassino, genocida e terrorista, mas não recebem nenhum espaço. As declarações de Israel e seus aliados são sempre contundentes. “Curiosamente”, quando Israel declara que poderia usar bombas nucleares contra Gaza [5] ou cogita realizar uma limpeza étnica [6], isso não é exibido. Claro, não corresponde ao papel de mocinho. As declarações dos palestinos, contudo, nunca são nem um pouco contundentes, embora tenham feito muitas. É que as partes mais importantes dessas declarações são cortadas e jogadas fora, para serem exibidas as que não prejudicam Israel. Nas raras vezes em que se exibiu alguma crítica a Israel, como a de António Guterres ou a do papa Francisco, o JN as apresentou como um “escândalo”, uma “polêmica”, inserindo sempre a resposta israelense às críticas.
No entanto, ao menos 23 acusações gravíssimas contra Israel foram omitidas, dentre as quais: 1) a da Human Rights Watch, de que Israel teria usado fósforo branco em Gaza e no Líbano [7], corroborada duas semanas depois pela Anistia Internacional [8]; 2) as da Cruz Vermelha, afirmando que o ataque do Hamas não justifica a destruição de Gaza por Israel [9] e que a situação dos hospitais é “mais do que catastrófica” [10]; 3) a da agência da ONU para atender os refugiados palestinos, que disse ser horrendo Israel pedir para os habitantes deixarem Gaza [11]; 4) a de que Israel assassina 100 crianças por dia, do Human Rights Monitor [12]; 5) o pedido do chefe da agência da ONU para os refugiados palestinos para que Israel cesse os ataques contra sua equipe e os civis de Gaza [13] e sua denúncia de que Gaza está “à beira de um risco à saúde em massa enquanto os riscos de doenças são iminentes” [14]; 6) o Ministério de Relações Exteriores de Omã, pedindo que Israel fosse processado por bombardear civis [15], e que depois reiterou o pedido ao Tribunal Penal Internacional [16]; 7) a denúncia de um comandante iraniano de que oficiais do exército, da marinha e do Comando Central dos EUA estariam em Tel Aviv dirigindo as operações israelenses contra Gaza [17] (até porque as acusações contra o Irã são sempre veiculadas pelo JN); 8) a de que Israel despejou 18 mil toneladas de bombas em Gaza, o que é 1,5 vezes o que caiu em Hiroshima na Segunda Guerra, feita pelo chefe das comunicações do governo de Gaza [18]; 9) a de que o número de crianças mortas em Gaza já havia ultrapassado o total de crianças mortas em conflitos pelo mundo em qualquer ano desde 2019, da ONG Save the Children [19]; 10) a hipótese de crime de guerra, levantada pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, sobre o ataque israelense ao campo de refugiados de Jabalia [20]; 11) a do comitê da ONU para os direitos das crianças, acusando “graves violações dos direitos humanos” contra as crianças de Gaza [21]; 12) após Omã, a fala do presidente da Turquia de que levará os “crimes de guerra” israelenses ao Tribunal de Haia [22]; 13) a revelação pela Save the Children de que 41 crianças haviam sido mortas na Cisjordânia [23]; 14) a de que 2,3 milhões de pessoas (ou seja, toda a população de Gaza) não têm acesso a assistência médica emergencial, segundo o Crescente Vermelho Palestino [24]; 15) a caracterização pela agência da ONU para refugiados palestinos dos bombardeios de Gaza como uma “tragédia de proporções colossais” [25]. Todas essas denúncias e acusações foram simplesmente ocultadas pelo telejornal.
A omissão de tantas acusações extremamente graves por órgãos ou autoridades reconhecidas é inadmissível para um veículo jornalístico profissional, ainda mais para a principal referência em telejornalismo. A quantidade e qualidade de tais denúncias supera inquestionavelmente as recebidas pelo Hamas. Até porque também é inquestionável que o que Israel tem feito contra Gaza é extremamente mais grave do que o que ele sofreu do Hamas. Não há dúvida de que, se fosse o Hamas que recebesse tais denúncias, todas, ou ao menos a maioria, teriam sido repercutidas no Jornal Nacional, haja vista o espaço para acusações e histórias de vida das vítimas dos ataques palestinos de 7 de outubro nesse programa.
As mais de duas horas dedicadas aos ataques do Hamas (que foram repercutidos em todas as edições, mesmo muito tempo depois de terem sido efetuados) foram repletas de conteúdo emotivo. Destacou-se mais de uma vez que, entre as mais de 1.400 vítimas fatais, havia crianças, adolescentes, mulheres e idosos, assim como entre os quase 250 sequestrados. Porém, em rigorosamente nenhum momento se falou que também há crianças, adolescentes, mulheres e idosos entre as vítimas de Israel (são pelo menos 70 por cento dos mais de 10 mil mortos até agora [26]). Mas seria estranho que o JN informasse esses curtos detalhes, uma vez que apenas citou de passagem, em somente nove ocasiões, os mortos por Israel. O padrão foi noticiar o número de vítimas fatais nos primeiros dias do conflito, quando ainda havia um equilíbrio entre mortos dos dois lados. Eles foram noticiados em seis das oito primeiras edições do noticiário sobre o tema. À medida em que Israel ampliava os seus ataques, resultando numa carnificina cada vez maior, o JN foi se “esquecendo” de atualizar o número de vítimas. Nas 19 edições seguintes, ele foi apresentado apenas em quatro. Qualquer critério minimamente honesto deveria enfatizar cada vez mais a tragédia humana conforme ela vai aumentando, e não o contrário. Para quem assiste ao Jornal Nacional, a impressão é de que quem morre são apenas os israelenses. As vítimas do Hamas são barbaramente sequestradas, brutalmente torturadas, cruelmente assassinadas. As palestinas não existem - aliás, nunca existem, porque diariamente, há setenta anos, Israel sequestra, tortura, assassina e chacina palestinos, o que nunca merece espaço nos jornais.
O Jornal Nacional simplesmente deixou de noticiar alguns dos mais importantes ataques de Israel contra civis, como a destruição de 54 mesquitas em Gaza [27]; o de bairros onde há hospitais [28]; o massacre de 700 palestinos em 24 horas [29]; o massacre da escola Osama bin Zaid, que deixou ao menos 63 mortos [30]; o bombardeio dos hospitais al-Nasr [31] e al-Wafa [32] e da Universidade al-Azhar [33] no mesmo dia; o bombardeio, também no mesmo dia, de outros três hospitais [34]; o massacre de cerca de 50 pessoas no campo de refugiados de al-Magazhi, um dos três bombardeados em 24 horas [35]; o de três crianças e sua avó no sul do Líbano [36]; a morte de 150 profissionais da saúde em hospitais de Gaza desde o início dos bombardeios [37]; os mais de 20 mortos por ataques em Khan Younis e Rafah no mesmo dia [38]; os oito mortos em mais um ataque ao Hospital al-Nasr [39] e o ataque ao comboio de caminhões que levavam remédios para Gaza [40].
Se morrem os palestinos, não é por bombardeios das tropas de Netanyahu. Todos os 59 minutos dedicados aos ataques de Israel (menos da metade do tempo dedicado aos ataques dos palestinos) apresentam os bombardeios de Israel como não sendo de Israel (ou, no máximo, que os bombardeios foram contra alvos do Hamas, e não contra civis). Ao contrário dos ataques do Hamas, em que se deixa absolutamente claro, com todas as letras, que foram feitos pelo Hamas, os ataques de Israel se transformam em ataques em geral, sem sujeito. O mesmo vale para o bloqueio de Gaza e da passagem de Rafah, na fronteira com o Egito: embora sejam feitos por Israel, isso não é informado. Para o público, pode significar que os ataques são executados não por Israel, mas sim pelos próprios palestinos. E é o que o JN deixa indicado, quando, em inúmeras ocasiões, relata as afirmações de Israel de que é o Hamas quem ataca os civis ou que os utiliza como escudos humanos (essa tem sido uma acusação frequente dos russos contra os ucranianos, embora nossa imprensa não as trate do mesmo jeito que as de Israel contra o Hamas). Fica evidente para o telespectador a crueldade do Hamas, que é retratada de todas as maneiras possíveis: com imagens, áudios, adjetivações fortíssimas e aumento na tonalidade de voz, declarações de vítimas, declarações de autoridades destacadas, declarações de “terroristas” do Hamas, detalhes minuciosos das suas barbaridades e, inclusive, como observado acima, com mentiras. Como disse Netanyahu em algumas ocasiões (e, obviamente, o JN as exibiu): o Hamas é pior do que os nazistas e do que o Estado Islâmico. É uma guerra do bem contra o mal. Essa é a propaganda da máquina de guerra de Israel, enquanto destrói Gaza. E essa propaganda é praticamente copiada e colada pelo principal noticiário do país.
Tanto é assim que, ao reportar os ataques do Hamas, também exibiu-se declarações de muitos civis israelenses, parte deles vítimas, parentes ou amigos de vítimas. Foram 53 falas de civis israelenses, contra apenas 27 de civis palestinos (praticamente o dobro). A Globo tem uma correspondente em Israel (e ninguém em Gaza, embora o valor notícia das ações em Gaza seja muito maior), responsável por boa parte do conteúdo dramático sobre os ataques palestinos e as vítimas israelenses. Os presos pelo Hamas foram lembrados com reportagens emotivas, e mencionados em 26 das 27 edições até o dia 7 de novembro (enquanto os milhares de palestinos mortos foram “lembrados” somente em dez). Contudo, Israel mantém milhares de presos políticos palestinos em seus cárceres, mas isso não despertou a curiosidade nem a compaixão dos jornalistas, que apenas citaram friamente que “o Hamas exige a libertação de presos palestinos” em quatro edições. As vítimas palestinas não têm nome, rosto, nem idade. Raramente têm localização e quantidade. Embora seja obrigado a mostrar imagens da destruição e de feridos em Gaza, o JN não diz quem são eles e nem mesmo quem são seus carrascos.
Também têm ocorrido grandes manifestações de rua diariamente (na Palestina e no mundo todo, inclusive na Europa e nos EUA) em apoio ao povo palestino e contra as atrocidades cometidas por Israel, mas somente em nove edições elas foram mencionadas (nenhuma do Brasil, embora tenha havido nas principais capitais). Os protestos em defesa de Israel, muito menores e muito menos frequentes, foram citados em oito edições. Dos 13 “especialistas” entrevistados pelo JN, ao menos três são reconhecidamente defensores do regime israelense (André Lajst, Michel Gherman e Heni Ozi Cukier).
Fica evidente, ao fim desse exame, que o Jornal Nacional está trabalhando, na prática, em prol do massacre de Israel contra os palestinos, patrocinado pelos EUA. Como não existe ingenuidade em um negócio tão lucrativo como o jornalismo de massa, não se pode crer que essa atuação seja involuntária. Muitos anunciantes da TV Globo, que lhe garantem milhões de reais por ano, têm negócios com o exército e o governo israelenses, apoiando-os materialmente neste novo genocídio contra os palestinos. A TV Globo é uma criação do establishment norte-americano (que controla Israel), a partir da sua associação com a Time-Life, que lhe rendeu relações privilegiadas e trabalho conjunto com elementos poderosos do regime norte-americano, como revelado na CPI de 60 anos atrás [42].
Ao satanizar o Hamas, e em seguida o Irã, e tratar o conflito como uma guerra entre Israel (todo um povo, com o apoio do “mundo livre” [43]) e o Hamas (retratado como um grupo terrorista isolado até mesmo do restante dos palestinos), a estratégia de Israel e dos EUA, através dos meios de comunicação monopolísticos, é atacar e enfraquecer toda a resistência ao seu domínio no Oriente Médio. A intensa e apelativa propaganda serve para pressionar a opinião pública e as autoridades (no caso, as brasileiras) a apoiarem o lado israelense/americano e intimidar aqueles que possam estar do lado dos “vilões”.
Referências
[1] Andrade, Vinícius. “Jornal Nacional perde quase metade do público em 20 anos e sofre derrocada”. Notícias da TV, 28 de março de 2023. In: https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/televisao/jornal-nacional-perde-quase-metade-do-publico-em-20-anos-e-sofre-derrocada-99765
[2] Veloso, Vinícius. “Globo admite ter perdido 24% de audiência nos últimos seis anos”. Metrópoles, 24 de outubro de 2023. In: https://www.metropoles.com/entretenimento/televisao/globo-admite-ter-perdido-24-de-audiencia-nos-ultimos-seis-anos
[3] Speri, Alice. “‘Beheaded babies’ report spread wide and fast - but israel military won’t confirm it”. The Intercept, 11 de outubro de 2023. In: https://theintercept.com/2023/10/11/israel-hamas-disinformation/
[4] “Investigations reveal discrepancies in Israel’s Gaza hospital attack claims”. Al Jazeera, 20 de outubro de 2023. In: https://www.aljazeera.com/news/2023/10/20/what-have-open-source-videos-revealed-about-the-gaza-hospital-explosion
[5] “Far-right minister: Nuking Gaza is an option, population should ‘go to Ireland or deserts’”. The Times of Israel, 5 de novembro de 2023. In: https://www.timesofisrael.com/liveblog_entry/far-right-minister-nuking-gaza-is-an-option-population-should-go-to-ireland-or-deserts/
[6] Sandra Cohen. “Ministério da Inteligência de Israel recomenda remanejar os 2,2 milhões de palestinos de Gaza para o Sinai após a guerra”. G1, 31 de outubro de 2023. In: https://g1.globo.com/mundo/blog/sandra-cohen/post/2023/10/31/ministerio-da-inteligencia-de-israel-recomenda-remanejar-palestinos-de-gaza-para-o-sinai-apos-a-guerra.ghtml
[7] Ben Goggin. “Human Rights watchdog says Israel has used white phosphorus weapons in Gaza”. NBC News, 13 de outubro de 2023. In: https://www.nbcnews.com/news/world/israel-white-phosphorus-weapons-gaza-human-rights-group-rcna120272
[8] “Lebanon: Evidence of Israel’s unlawful use of white phosphorus in southern Lebanon as cross-border hostilities escalate”. Amnesty International, 31 de outubro de 2023. In: https://www.amnesty.org/en/latest/news/2023/10/lebanon-evidence-of-israels-unlawful-use-of-white-phosphorus-in-southern-lebanon-as-cross-border-hostilities-escalate/
[9] “Hamas attack does not justify Gaza’s destruction: Red Cross”. AFP/France 24, 13 de outubro de 2023. In: https://www.france24.com/en/live-news/20231013-hamas-attack-does-not-justify-gaza-s-destruction-red-cross
[10] Ahmed Asmar. “Red Cross says situation in Gaza ‘catastrophic’ as fuel lack turns hospitals into graves”. Anadolu, 27 de outubro de 2023. In: https://www.aa.com.tr/en/middle-east/red-cross-says-situation-in-gaza-catastrophic-as-fuel-lack-turns-hospitals-into-graves/3034700
[11] “Israel’s call to move Gaza civilians ‘horrendous’, UN Palestinian refugee agency says”. Reuters, 13 de outubro de 2023. In: https://www.reuters.com/world/middle-east/israels-call-move-gaza-civilians-horrendous-un-palestinian-refugee-agency-2023-10-13/
[12] “Israel kills 100 children daily in Gaza since October 7th of this year”. ReliefWeb, 18 de outubro de 2023. In: https://reliefweb.int/report/occupied-palestinian-territory/israel-kills-100-children-daily-gaza-october-7th-year-enar
[13] “UNRWA chief demands end to Israeli attacks on UN staff, Gaza civilians”. Press TV, 22 de outubro de 2023. In: https://www.presstv.ir/Detail/2023/10/22/713232/UNRWA-General-Philippe-Gaza-Israel-UN
[14] Yakut Dandashi. “Gaza on brink of massive health hazard, warns UN”. Anadolu, 27 de outubro de 2023. In: https://www.aa.com.tr/en/middle-east/gaza-on-brink-of-massive-health-hazard-warns-un/3034426
[15] “Israel must be held accountable for war crimes in Gaza: Oman”. Press TV, 31 de outubro de 2023. In: https://www.presstv.ir/Detail/2023/10/31/713766/Israel-must-be-held-accountable-for-war-crimes-in-Gaza--Oman-
[16] “Oman calls on ICC to investigate Israeli ‘war crimes’ in Gaza”. Press TV, 4 de novembro de 2023. In: https://www.presstv.ir/Detail/2023/11/04/714010/Palestine-Israeli-war-crimes-Gaza-Strip-massacre-Palestinians-Oman-Foreign-ministry-urge-ICC-probe-
[17] “Top US commanders in Tel Aviv directing Israeli genocidal war; Israel’s defeat ‘definite’: Iranian general”. Press TV, 31 de outubro de 2023. In: https://www.presstv.ir/Detail/2023/10/31/713758/Top-US-commanders-Tel-Aviv-direct-Israeli-war-Gaza
[18] Ahmed Gouda, Hamdi Yildiz. “Israel has dropped 18,000 tons of bombs on Gaza, 1.5 times more than bomb dropped on Hiroshima”. Anadolu, 1 de novembro de 2023. In: https://www.aa.com.tr/en/middle-east/israel-has-dropped-18-000-tons-of-bombs-on-gaza-15-times-more-than-bomb-dropped-on-hiroshima/3039805
[19] Sheena Goodyear. “More kids killed in Gaza in 3 weeks than all global conflict annually since 2019, Save the Children says”. CBC Radio, 30 de outubro de 2023. In: https://www.cbc.ca/radio/asithappens/gaza-child-death-toll-1.7012927
[20] “UN rights office says Israeli airstrikes on Jabalia refugee camp could amount to ‘war crime’”. Press TV, 2 de novembro de 2023. In: https://www.presstv.ir/Detail/2023/11/02/713868/Palestine-Gaza-Israel-airstrikes-Jabalia-UN
[21] “UN committee condemns Israeli killing of Gaza children, says child killers cannot win”. Press TV, 2 de novembro de 2023. In: https://www.presstv.ir/Detail/2023/11/01/713855/UN-committee-condemn-Israeli-killing-Gaza-children-child-killers-
[22] Türkiye crossed out Netanyahu, will bring Israel’s war crimes to ICC: President Erdogan”. Anadolu, 4 de novembro de 2023. In: https://www.aa.com.tr/en/middle-east/turkiye-crossed-out-netanyahu-will-bring-israel-s-war-crimes-to-icc-president-erdogan/3043485
[23] Leila Sackur. “At least 41 children have been killed in the West Bank, Save the Children says”. NBC News, 4 de novembro de 2023. In: https://www.nbcnews.com/news/world/live-blog/israel-hamas-war-live-updates-blinken-travels-jordan-talks-ambulances-rcna123650/rcrd24366?canonicalCard=true
[24] “2.3m Ganzas unable to access emergency medical services amidst intensified Israeli strikes: PRCS”. Dawn, 6 de novembro de 2023. In: https://www.dawn.com/news/1786736/23m-gazans-unable-to-access-emergency-medical-services-amidst-intensified-israeli-strikes-prcs
[25] UNRWA, X. 7 de novembro de 2023. In: https://twitter.com/UNRWA/status/1721802988841226333
[26] “Palestinian ambassador to UN: 70% of 7,000 civilian deaths are women and children”. Press TV, 27 de outubro de 2023. In: https://www.presstv.ir/Detail/2023/10/27/713479/%E2%80%9870--of-7,000-Palestinian-civilian-deaths-are-women-and-children%E2%80%99
[27] Abdel Jabbar Abu Ras. “54 mosques destroyed in Israeli airstrikes on Gaza since Oct. 7: Gaza Media Office”. Anadolu, 4 de novembro de 2023. In: https://www.aa.com.tr/en/middle-east/54-mosques-destroyed-in-israeli-airstrikes-on-gaza-since-oct-7-gaza-media-office/3043118
[28] “Israel strikes hit areas near three Gaza hospitals, Palestinian media report”. Reuters, 22 de outubro de 2023. In: https://www.reuters.com/world/middle-east/israel-strikes-hit-areas-near-three-gaza-hospitals-palestinian-media-2023-10-23/
[29] David Gritten. “Gaza strikes: Hamas-run health ministry says 700 killed in 24 hours”. BBC, 24 de outubro de 2023. In: https://www.bbc.com/news/world-middle-east-67204951
[30] “Israel bombardea alojamiento de desplazados gazatíes; hay 63 muertos”. Hispan TV, 3 de novembro de 2023. In: https://www.hispantv.com/noticias/palestina/574525/israel-bombardea-alojamiento-muertos
[31] “Israeli army strikes entrance of Al-Nasr Children’s Hospital in Gaza”. Anadolu, 4 de novembro de 2023. In: https://www.aa.com.tr/en/middle-east/israeli-army-strikes-entrance-of-al-nasr-children-s-hospital-in-gaza/3043178
[32] Qais Omar Darwesh Omar, Mustafa Haboush. “Israeli airstrike hits Al-Wafa Hospital’s power generator in Gaza City”. Anadolu, 4 de novembro de 2023. In: https://www.aa.com.tr/en/middle-east/israeli-airstrike-hits-al-wafaa-hospitals-power-generator-in-gaza-city/3043196
[33] “Israel flattens Al Azhar University in Gaza”. Jordan News, 4 de novembro de 2023. In: https://www.jordannews.jo/Section-126/All/Israel-flattens-Al-Azhar-University-in-Gaza-32042
[34] “Israel ataca tres hospitales de Gaza, asesinando a decenas de palestinos”. Hispan TV, 3 de novembro de 2023. In: https://www.hispantv.com/noticias/palestina/574517/israel-ataque-hospitales-gaza-mata
[35] “Israel bombs al-Maghazi refugee camp, killing dozens, Gaza officials say”. Al Jazeera, 5 de novembro de 2023. In: https://www.aljazeera.com/news/2023/11/5/israel-bombs-al-maghazi-refugee-camp-killing-dozens-gaza-officials-say
[36] “Hezbollah says Israel to ‘pay price’ after strike kills 3 children in Lebanon”. Reuters, 6 de novembro de 2023. In: https://www.reuters.com/world/middle-east/israeli-army-says-it-intercepted-drone-approaching-over-lebanon-2023-11-05/
[37] “Al menos 150 trabajadores sanitarios mueren en los ataques israelíes contra Gaza”. Sputnik News, 4 de novembro de 2023. In: https://sputniknews.lat/20231104/al-menos-150-trabajadores-sanitarios-mueren-en-los-ataques-israelies-contra-gaza-1145422171.html
[38] “Nearly two dozen Palestinians killed in Israeli airstrikes on Khan Yunis, Rafah”. Press TV, 7 de novembro de 2023. In: https://www.presstv.ir/Detail/2023/11/07/714176/-We-are-waiting-for-death,--says-Khan-Younis-resident-after-Israeli-airstrike
[39] “Varios muertos por ataque aéreo israelí a un hospital palestino”. Sputnik News, 7 de novembro de 2023. In: https://sputniknews.lat/20231107/varios-muertos-por-ataque-aereo-israeli-a-un-hospital-palestino-1145490178.html
[40] PRCS, X. 7 de novembro de 2023. In: https://twitter.com/PalestineRCS/status/1721996098531647782
[41] Google, Airbnb, McDonald’s e outros patrocinadores da TV Globo estão na lista de parceiros de Israel elaborada pelo movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções, que pode ser acessada por aqui: https://bdsmovement.net/pt/news/atue-agora-contra-essas-empresas-que-lucram-com-o-genoc%C3%ADdio-do-povo-palestino
[42] HERZ, Daniel. A história secreta da Rede Globo. Tchê!, 1988.
[43] Os mais fortes repúdios diplomáticos a Israel, como o rompimento de relações por parte da Bolívia e o recolhimento dos diplomatas da Colômbia, Chile, Honduras, Jordânia, Barém, Turquia, África do Sul e Chade, foram todos silenciados pelo Jornal Nacional, para aparentar um apoio quase uníssono a Israel, quando a realidade é o oposto, conforme visto nas votações da Assembleia Geral das Nações Unidas.
(*) Eduardo Vasco é jornalista especializado em Política Internacional.
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