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    'Lula saiu da cadeia um anti-imperialista', afirma Fernando Morais

    Biógrafo analisa como a perseguição judicial e o tempo de cativeiro levaram a mudanças no pensamento do ex-presidente

    Ex-presidente Lula e o escritor Fernando Morais (Foto: Ricardo Stuckert)
    Guilherme Levorato avatar
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    Opera Mundi - No programa 20 MINUTOS ENTREVISTAS desta quarta-feira (24/11), o fundador de Opera Mundi, Breno Altman, entrevistou o jornalista Fernando Morais, que recentemente lançou o primeiro volume da biografia de Lula pela Companhia das Letras (Lula, Volume 1 - R$ 74,90).

    “Lula não é um revolucionário, nunca fez questão de parecer um revolucionário. É um homem comprometido com o destino dos pobres, que resolveu dedicar sua vida a tirar os pobres da miséria”, definiu o autor, que passou os últimos dez anos “colado” no ex-presidente.

    Ele acrescentou que o Lula que saiu da cadeia de Curitiba é “infinitamente melhor” do que o que entrou. Durante o período que passou preso, Morais contou que o petista teve tempo de refletir e ler, sobretudo. Porém, mais do que a pilha cada vez maior, e sempre diferente, de livros que ele tinha em sua cela, ao lado do guarda roupa, chamou a atenção do jornalista o fato de Lula ter pedido um dicionário e um mapa mundi a seus advogados, para ter em sua cela e auxiliá-lo em suas leituras.

    “São os símbolos da internalização do que ele leu. Ele saiu da cadeia um anti-imperialista, com maior entendimento sobre soberania e riqueza nacional. Saiu da cadeia um antirracista maior e mais sólido do que era, com a certeza de que a dívida que o Brasil tem com a África é impagável. É por esse tipo de coisa que eu vou votar nele ano que vem com uma convicção e uma esperança de transformação do Brasil infinitamente maiores das que eu tive nas últimas duas vezes que votei nele”, defendeu. 

    A admiração de Morais por Lula não começou com o projeto de escrever uma biografia sobre o petista. Os dois sempre tiveram uma relação relativamente próxima, que nasceu em meio às greves do período ditatorial, quando Lula era um sindicalista e o jornalista era deputado do MDB.

    O biógrafo revelou que passou 20 anos tentando convencer o líder popular a deixá-lo escrever uma biografia sua, mas nunca conseguiu convencê-lo até que, cinco meses após sua reeleição, quando Morais estava de férias na Europa, recebeu um convite para tomar café da manhã com o ex-presidente. “Acertamos os detalhes sobre o livro, que inicialmente ia ser totalmente diferente daquele que foi publicado”, contou.

    “Nenhum de nós imaginou que o Brasil fosse escancarar as portas do inferno, que a Dilma ia sofrer um golpe, que o Lula seria perseguido e preso, e que a alcateia de Bolsonaro seria levada para o governo. Ia ser uma biografia estritamente política, mas, depois de ter o privilégio de assistir tudo o que assisti ao lado de Lula, se me limitasse a isso, seria apedrejado nas ruas. Então propus terminar o livro só quando essa crise toda terminasse e continuei colado a ele enquanto isso”, justificou.

    Apesar disso, Morais ressaltou que conseguiu evitar se envolver excessivamente com o biografado, diferentemente do que aconteceu, por exemplo, com a obra que escreveu sobre o escritor Paulo Coelho.

    “Eu fiquei quatro anos grudado no Paulo e isso cria laços afetivos. Agora imagina dez anos, somado ao passado que tenho com Lula. Combinamos que ele não leria nada antes da publicação e ele aceitou. Com todo o respeito, eu não escrevi esse livro para Lula. Não o fiz para que ele gostasse, o fiz para os leitores. Não vou ter o cinismo de dizer que tanto faz a opinião do Lula, mas que fique claro que não o escrevi para ele. Não tem o objetivo de crucificar nem de canonizar Lula. É jornalismo”, enfatizou.

    Lula, Prestes e Brizola

    Antes de Lula, apenas outras duas lideranças de esquerda provenientes do proletariado tiveram envergadura nacional: Luís Carlos Prestes e Leonel Brizola. Morais recordou que Prestes era “um homem duro, reto como uma espada e às vezes cabeça dura”, mas que com ele teve a esperança de que pudesse ter conduzido o Brasil a um processo socialista se tivesse aceitado o convite de Getúlio Vargas de se tornar o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas. 

    Ao lado de Brizola, “por quem tenho enorme admiração”, o jornalista carregou o caixão de Prestes até o cemitério no Rio de Janeiro quando o líder morreu. 

    “E Lula dá muita importância aos dois em sua formação. Aliás, a três, porque existe uma terceira figura, Miguel Arraes [ex-governador de Pernambuco]. Quando houve o golpe de 1964, Lula era um garoto de 17 anos que trabalhava numa fábrica e tinha a maior esperança nos militares, porque era o que via no jornal e na TV. Só que, ao mesmo tempo, ele tinha escondidinho uma enorme admiração por dois inimigos jurados da ditadura, que eram Brizola e Arraes”, expôs.

    Com Prestes, por outro lado, Lula era mais crítico, pois Prestes exigia que, antes de se fazer o movimento social, os militantes tivessem uma formação teórica sólida, pré-requisitos que o petista entendia que nem todos tinham.

    “Acho complicado comparar Lula com Brizola e Prestes, porque Lula foi Presidente da República durante oito anos. Ele fez um monte de besteira, mas fez um negócio que vai ficar para a história mundial: tirou da miséria 40 milhões de pessoas sem dar um tiro, sem mandar um adversário para a cadeia. Ele conseguiu um milagre. Sem sangue e revolução, esse tipo de coisa nunca aconteceu na história do mundo”, frisou o biógrafo.

    Lula e a esquerda internacional

    Morais também abordou em seu livro a projeção internacional do ex-presidente, destacando a importância da relação do petista com Fidel Castro. No último capítulo do primeiro volume, o jornalista conta como Fidel convence o líder petista a não desistir da luta eleitoral, após ser derrotado nas eleições a governador do Estado de São Paulo em 1982.

    O autor narrou como, durante a campanha eleitoral, os comícios de Lula — aos quais Morais compareceu — atraíam mais de 100 mil pessoas, mais até do que os de Franco Montoro (então no PMDB), que foi quem acabou se elegendo, de modo que o petista estava confiante e que ganharia as eleições, já que não tinha dinheiro para encomendar pesquisas de intenção de voto.

    “Lula acabou ficando em quarto lugar e esse foi provavelmente o maior choque que teve. Perdeu os eixos, entrou em desespero e decidiu que iria voltar para a vida sindical, deixando a carreira política. Nesse período foi para Cuba e voltou a avisar que colocaria um fim a sua vida institucional. Fidel escutou tudo e disse: ‘Quantos votos você teve? Um milhão e 200? Você tem notícia na história de algum operário analfabeto, de mão calejada, sem um dedo receber um milhão e 200 mil votos? Então saiba que você não tem o direito de fazer isso com a classe trabalhadora brasileira, com os pobres do Brasil’”, relatou.

    Dois anos depois, nas eleições para a Assembleia Constituinte, Lula seguiu o conselho de Fidel e teve a maior votação parlamentar da história até aquele momento. Segundo Morais, esse fato pode acabar surpreendendo até os próprios cubanos. “É bom dar furo 30 anos depois”, brincou, citando o jargão jornalístico correspondente a dar uma notícia exclusiva antes da concorrência.

    Outro destaque feito pelo autor é a relação de Lula com Hugo Chávez, ex-presidente venezuelano, que será abordada em detalhe no segundo volume da biografia, previsto para ser publicado em meados de 2023. Segundo o biógrafo, os dois tinham uma relação fraternal forte, que ia além da política e de eventuais críticas que o petista tinha ao líder bolivariano, “até com episódios de Lula amansando Chávez e George Bush [ex-presidente dos EUA], por exemplo, para evitar que eles se atracassem fisicamente”.

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