Pessimistas, jornais criticam discurso do Velho do Restelo
Estadão, Folha, Globo e Zero Hora não se consideram comparáveis ao personagem de Luís de Camões, que dizia que nada poderia dar certo nas navegações de Portugal; em vários editoriais, eles afirmam haver razões para o pessimismo
247 - Os donos dos grandes jornais brasileiros não gostaram de ser comparados pela presidente Dilma Rousseff ao Velho do Restelo, personagem de Luís de Camões, que dizia que nada daria certo nas navegações de Portugal.
Leia abaixo editoriais da Zero Hora, de Nelson Sirotksy:
O Velho do Restelo - EDITORIAL ZERO HORA
Combater o pessimismo é uma atitude correta da presidente. Só não dá para mudar a realidade da ameaça inflacionária e do PIB insignificante.
Sinônimo de pessimismo e conservadorismo, o personagem de Luís de Camões conhecido como Velho do Restelo foi evocado pela presidente Dilma Rousseff na última quarta-feira para assegurar que a turbulência econômica pela qual passa o país está sob controle _ embora, na sua visão, alguns negativistas estejam agourando o pior. "Hoje o Velho do Restelo não pode, não deve e, eu asseguro, não terá a última palavra no Brasil."
da Folha, de Otávio Frias Filho:
Aviso aos navegantes - EDITORIAL FOLHA DE SP
Mais uma vez a presidente Dilma Rousseff dirigiu críticas à oposição e atacou o suposto pessimismo de quem manifesta apreensões com os rumos de seu governo. Desta feita, em discurso no Planalto, a mandatária apelou a um personagem de "Os Lusíadas", de Luís de Camões --o velho do Restelo.
Na epopeia escrita no século 16, o ancião entra em cena quando as embarcações de Vasco da Gama estão por partir em busca das Índias.
Parentes e amigos despedem-se dos marujos na praia do Restelo, quando a "voz pesada" do velho se faz ouvir num discurso de condenação à empresa: movido pela cobiça, o navegador expunha-se a perigos e corria o risco de fracassar, num momento em que o país ainda se via ameaçado pelos mouros.
O personagem é associado a uma visão conservadora, feudal, contrária à expansão mercantil ligada às navegações. "O velho do Restelo", disse Dilma, "não pode, não deve e, asseguro a vocês, não terá a última palavra no Brasil."
Espera-se que não, mas não há dúvida de que a governante navega por mares agitados e enfrenta, em seu périplo, percalços que justificam a opinião dos críticos.
A política econômica atual pauta-se por decisões ao sabor dos ventos que produziram efeitos medíocres. Diferentemente do navegador lusitano, que desbravava o desconhecido, o governo ignora caminhos já testados e retoma a temerária rota intervencionista.
Nas contas públicas a gestão é frouxa, e observa-se mal disfarçada leniência com a escalada da inflação. O índice chegou ao teto de tolerância da meta, obrigando o Banco Central a reassumir o leme e providenciar às pressas uma correção na política monetária.
Também na Fazenda, capitaneada por Guido Mantega, o comportamento é errático. Aumentos e cortes de tributos ocorrem de acordo com as intempéries da hora.
O caso mais recente é o do câmbio. Após dizer que não alteraria a alíquota de 1% do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) que incide sobre transações em dólar no mercado futuro, o ministro, dois dias depois, mudou de opinião.
Por sua vez, as projeções de crescimento do PIB se estreitam, reforçando a desconfiança de investidores e analistas internacionais.
A culpa decerto não é de velhos do Restelo --ou "fracossomaníacos", na expressão usada em casos análogos pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Para que a última palavra não fique com "pessimistas", como quer Dilma Rousseff, seu governo precisará demonstrar com resultados que é capaz de levar o país a bom porto.
do Estadão, de Francisco Mesquita Neto:
Condição da volta da confiança na economia - EDITORIAL O GLOBO
É bom que o governo esteja mesmo atento a essas críticas, pois ainda há tempo hábil e condições para se corrigir a rota, evitando-se que o arranhão infeccione e se transforme em grave ferida, de cura bem mais difícil. Ao pisar no acelerador das despesas de custeio, o governo comprometeu as condições que possibilitaram uma considerável redução nas taxas básicas de juros, não só uma aspiração como uma necessidade para o bom desempenho da economia brasileira no futuro. O superávit primário encolheu e, pior, a sua fórmula de cálculo passou a ser feita por meio de uma "contabilidade criativa", para inflar artificialmente o resultado.
O governo abusou de emissões de títulos, basicamente para capitalizar instituições financeiras públicas, o que tem elevado progressivamente a dívida bruta, próxima dos 60% do PIB, índice preocupante, e em alta constante. Tal iniciativa vinha sendo considerada inofensiva pelas autoridades fazendárias porque a contabilidade permite que tais emissões sejam registradas também como crédito, de modo que pouco alterariam o endividamento líquido federal. Porém, parte do dinheiro tem voltado ao Tesouro em manobras contábeis, para embonecar o superávit primário. Na prática, o que se viu é que essa política enfraquece a qualidade das finanças públicas, o que se reflete nas apostas quanto à trajetória do câmbio, da inflação, das taxas de juros e do Produto Interno Bruto. O câmbio, em fase de desvalorização do real, é mais uma ajuda à inflação, o que também obriga o Planalto a rever a política econômica.
O professor Delfim Netto, em entrevista ao "O Estado de S. Paulo", recomendou que, nesse quadro, o governo se comprometa com a eliminação do déficit público nominal - já proposta por Antonio Palocci, na Fazenda, e considerada uma ideia "rudimentar" pela então chefe da Casa Civil Dilma Rousseff. Tal ajuste terá de vir de uma recuperação do superávit primário, sem "contabilidade criativa". E sem aumento da já elevada carga tributária. O equilíbrio precisará ser obtido pelo corte de despesas. Politicamente, essa opção era considerada inviável, porque ameaçaria a reeleição da presidente Dilma. Mas hoje não deve haver ameaça maior do que a manutenção de uma política econômica que deu errado.
e do Globo, de João Roberto Marinho:
Condição da volta da confiança na economia - EDITORIAL O GLOBO
É bom que o governo esteja mesmo atento a essas críticas, pois ainda há tempo hábil e condições para se corrigir a rota, evitando-se que o arranhão infeccione e se transforme em grave ferida, de cura bem mais difícil. Ao pisar no acelerador das despesas de custeio, o governo comprometeu as condições que possibilitaram uma considerável redução nas taxas básicas de juros, não só uma aspiração como uma necessidade para o bom desempenho da economia brasileira no futuro. O superávit primário encolheu e, pior, a sua fórmula de cálculo passou a ser feita por meio de uma "contabilidade criativa", para inflar artificialmente o resultado.
O governo abusou de emissões de títulos, basicamente para capitalizar instituições financeiras públicas, o que tem elevado progressivamente a dívida bruta, próxima dos 60% do PIB, índice preocupante, e em alta constante. Tal iniciativa vinha sendo considerada inofensiva pelas autoridades fazendárias porque a contabilidade permite que tais emissões sejam registradas também como crédito, de modo que pouco alterariam o endividamento líquido federal. Porém, parte do dinheiro tem voltado ao Tesouro em manobras contábeis, para embonecar o superávit primário. Na prática, o que se viu é que essa política enfraquece a qualidade das finanças públicas, o que se reflete nas apostas quanto à trajetória do câmbio, da inflação, das taxas de juros e do Produto Interno Bruto. O câmbio, em fase de desvalorização do real, é mais uma ajuda à inflação, o que também obriga o Planalto a rever a política econômica.
O professor Delfim Netto, em entrevista ao "O Estado de S. Paulo", recomendou que, nesse quadro, o governo se comprometa com a eliminação do déficit público nominal - já proposta por Antonio Palocci, na Fazenda, e considerada uma ideia "rudimentar" pela então chefe da Casa Civil Dilma Rousseff. Tal ajuste terá de vir de uma recuperação do superávit primário, sem "contabilidade criativa". E sem aumento da já elevada carga tributária. O equilíbrio precisará ser obtido pelo corte de despesas. Politicamente, essa opção era considerada inviável, porque ameaçaria a reeleição da presidente Dilma. Mas hoje não deve haver ameaça maior do que a manutenção de uma política econômica que deu errado.
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