Alessandra Silvestri-Levy ao 247: “Fidel não usava celular”
Casada com Jean Levy, então embaixador francês em Cuba, filha de um industrial paulista e sobrinha de um dos fundadores da Cinecittà, a ítalo-brasileira Alessandra Silvestri-Levy morou em Havana de 2000 a 2004, quando se tornou grande amiga de Fidel, com quem se encontrava com frequência, de quem tinha o e-mail e o número do celular do seu secretário e conversava acerca dos rumos do Brasil. "Ele me disse que não usava celular porque todos os celulares de Havana são grampeados pela CIA"
Por Alex Solnik, do 247 - Casada com Jean Levy, então embaixador francês em Cuba, filha de um industrial paulista e sobrinha de um dos fundadores da Cinecittà, a ítalo-brasileira Alessandra Silvestri-Levy morou em Havana de 2000 a 2004, quando se tornou grande amiga de Fidel, com quem se encontrava com frequência, de quem tinha o e-mail e o número do celular do seu secretário e conversava acerca dos rumos do Brasil.
"Ele me disse que não usava celular porque todos os celulares de Havana são grampeados pela CIA". Nessa entrevista publicada na revista Sras&Srs em 2004, ela conta que viu El Comandante pela primeira vez quando ele apareceu, de surpresa, na festa de fim de ano que ela e o marido organizaram na embaixada.
"Quando eu desço a escada, Fidel já está na porta e me diz: "Es la primera vez que vengo a la casa del embajador y las puertas están cerradas para el comandante y el embajador está dormindo"! A casa da embaixada "não era uma casa, era um palácio, a casa mais bonita de Cuba". Mas era preciso tomar cuidado: "Todas as embaixadas tinham escuta da Inteligência Cubana".
Também conheceu outros revolucionários históricos, tais como Alfredo Guevara que lhe fez uma confidência dos tempos de juventude: "Fidel ia muito no diretório acadêmico da Filosofia, para paquerar as meninas, porque não tinha mulher no Direito, só na Filosofia". Num jantar ciclópico que durou mais de dez horas Alessandra ouviu dele, em silêncio, todos os detalhes de todas as batalhas de Napoleão.
Como era sua vida na embaixada francesa em Havana?
Uma vida ultraprivilegiada. A casa não era uma casa, era um palácio. Quando entrei, falei: como é que eu vou conseguir viver aqui? Um palácio... a casa mais bonita de Cuba...É uma cópia do Ca’Doro em Havana... uma loucura!
Então, você chegou em Cuba e tinha um palácio te esperando...
Foi. Foi uma coisa impressionante. Levei uns três dias pra poder me ajustar à dimensão humana. Porque aquele pé direito de oito metros...Mas o que mais me impressionou foi o nível de educação e cultura do cubano médio...
Melhor que o do brasileiro?
Não é melhor, é tão bom quanto o da elite brasileira. Eles são extremamente cultos em todos os sentidos...Eu nunca fui comunista, nunca pensei que fosse morar em Cuba. Jamais teria ido. Só sabia que existia um cara chamado Fidel que eu achava o máximo. Conhecia pouquíssimo a história do Che Guevara. Antes da gente viajar meu marido me deu uma série de literaturas sobre Cuba. Mas eram livros muito tendenciosos, todos cheios de contra-informação, manipulada pelos norte-americanos que chega no Le Monde, no New York Times. Chegando em Cuba, eu não sabia de nada. Cheguei virgem de Cuba. Tive muita sorte de ser guiada por três líderes da revolução. Eu cheguei no dia 28 de outubro. No dia 29, a gente deu uma recepção em casa para 1800 pessoas. E eu gostei de um senhor que se aproximou de mim, começamos a conversar. Era o Alfredo Guevara, ele que ensinou comunismo pro Fidel. Estudaram juntos, Fidel fazia Direito e ele Filosofia, na Universidade de Havana. E Fidel ia muito no DA , o diretório acadêmico da Filosofia, onde Guevara era o diretor, para paquerar as meninas, porque não tinha mulher no Direito. Só na Filosofia. Ficaram muito amigos. Outro líder que me apresentou Cuba foi Alberto Korda, que fez a foto mítica do Che. Àquela altura eu não conhecia nada. Tanto que o Jean, meu marido ao me ver com Alfredo me avisou: não fica conversando muito com ele porque parece que ele e Fidel não estão se falando...Então, não se marca...
O Alfredo Guevara é o que do Che?
Nada. É nome comum em Cuba. O Alfredo desenhou todo o desenvolvimento da cultura em Cuba. E fundou o Instituto Cubano Cinematográfico, o ICAI. Cuba tem uma produção cinematográfica muito importante. O instituto é de 11 de março de 1959. A ata de constituição é muito atual. Mais atual impossível. Ele já usa a palavra império para os Estados Unidos. E diz que o império invade as casas através do cinema. Então, eles tinham que ter um instrumento de contracultura para poder contrabalançar e fornecer pro povo cubano uma nova visão. Imagina o que foi a revolução! Eles desativaram todas as empresas norte-americanas da noite pro dia. Tirar uma United Fruits que tinha 80% das terras cultivadas! Eu queria saber como é Cuba pelos cubanos. Almoçava, jantava com Alfredo, com Korda, com Pablito Cerdeira, que foi um dos lideres da revolução e diretor da TV cubana durante uns 20 anos. Ele foi da época em que os Beatles eram censurados em Cuba. Imagina! Os filhos dele, de cabelo comprido, ouviam Beatles em casa, mas na televisão não podia passar.
E o Fidel, você conheceu?
Várias vezes. Muito!
Teu marido embaixador e tal...
Ah, sim. A nossa casa tinha buget...
Buget? O que é buget?
Escuta. Todas as embaixadas tinham escuta da Inteligência Cubana. E a gente chegou lá...o Jean chegou em setembro e eu, em 28 de outubro, como já disse. A gente ia passar o Natal e o reveillon lá. Eu falei: Jean, a gente veio de São Paulo, que tem 20 milhões de habitantes e Havana tem 2 milhões. Vamos fazer uma festa que os caras não vêm desde a revolução no reveillon! Demos uma festa com banda, som brasileiro, champagne pra todo mundo, a gente adora receber bem. A gente mandou 1000 convites, inclusive pro Fidel.
Fidel veio?
Espera! O primeiro encontro com Fidel foi quando Putin veio a Cuba. Vladimir Putin. Foi um jantar, aquela coisa super-formal, você vai, imagina, vai lá, cumprimenta, tira foto. A segunda, que eu também não pude aparecer muito foi quando veio o presidente do Senado francês, Michel Poncelet, com sete senadores franceses...E Fidel convidou para jantar. Estava também um jornalista francês, top do top. Aí a gente fez a nossa festa, convidou o Fidel, mas nunca imaginou que o Fidel viria. O Jean tem relação anterior com Cuba. De 1992. Em 92, quando houve o rompimento com a União Soviética, que comprava açúcar cubano pagando trinta vezes o preço do mercado e vendia, na verdade, doava petróleo para Cuba vender no mercado do Caribe...Eles tinham ingresso de quase 1 bi por dia com essa operação açúcar-petróleo. E da noite pro dia... tem uma lei, chamada Lei do Ajuste Cubano, essa lei foi refeita pelo Clinton, porque tem um fenômeno, nos Estados Unidos tem 1 milhão e 400 mil cubanos, dos quais 600 mil eleitores, em Miami. É uma longa história. A dissidência cubana, na verdade, começou na República Dominicana. Quando o Batista, presidente cubano, foi embora expulso pela revolução, em 59. Fidel entrou em Santa Clara a 24 de dezembro e sete dias depois eles estavam em Havana. Batista fugiu dia 1o. de janeiro num avião pequenininho, com mais de 50 milhões de dólares. E foi se refugiar aonde?
Em Miami?
Não, na República Dominicana, onde o ditador era Trujillo, tão mau caráter como ele. E a capital não era San Domingo, era Trujillo. E o Trujillo prendeu o Batista lá dentro. “Você não vai sair enquanto a gente não tirar o Fidel de Cuba. Porque se o Fidel ficar lá, o próximo que vai cair sou eu”. E deixou o Batista lá dentro e assim nasceu a primeira dissidência de Cuba, não em Miami, mas na República Dominicana. Foram para lá alguns empresários cubanos, alguns mafiosos – porque aí tem toda aquela relação de Cuba com a máfia americana – durante a Lei Seca americana começaram a ir para Cuba os primeiros mafiosos e traficantes, como Sam Giancana...de Chicago... o pessoal de Boston... a família de John Kennedy estava envolvida nisso porque a fortuna deles veio do tráfico de álcool... tanto da mãe, que era Fitzgerald, como do pai, que era Kennedy...Aí eles tinham a produção de cana à vontade... no tempo de Batista, é claro.
Como é Havana?
Havana é suntuosa! É uma Buenos Aires misturada com Chicago e Boston. É uma arquitetura que é uma coisa absurda de imponente, de bonita! Tem todos os períodos da evolução da arquitetura presentes na mesma cidade. É a única da América Latina com essa característica. A gente fez a I Bienal de Arquitetura de Havana, a embaixada que montou. Havana é considerada a pérola arquitetônica de todo o continente americano, porque, como não teve demolições, tudo ficou intacto. Você tem 1500, 1700, 1800...
1500 é exagero, né?
Não, a Havana Vieja é toda de 1515, quando os espanhóis chegaram.
Tudo reconstruído, naturalmente...
Não! Ficou. É tudo de pedra. E é muito lindo porque tem muita influência árabe na arquitetura espanhola...Havana Vieja é maravilhosa, com prédios de 1500 a 1700. Centro Havana é de 1700 a 1900. Em Miramar é toda com arquitetura da década de 50, intacta. Antes da revolução triunfar havia um plano do Batista de demolir todos os prédios de 1800 e fazer aqueles prédios enormes. O Fidel chegou e falou: “Não, vamos deixar assim”!
Bem, falando em Fidel... ele foi à tua festa, afinal?
Ele não respondeu ao nosso convite, então a gente não sabia se ele vinha. Quando dá umas sete da noite, eu tinha 22 hóspedes na minha casa – família italiana, família brasileira - e eu falei para todos ficarem descansando e desceram às nove para receber os convidados. Eu estou pronta e arrumada, dou a última olhada na casa e, quando eu vejo, tem uma mordoma preta, Zenaide, que ficou branca, cor-de-leite e me diz: “Señora, el comandante está en la puerta y la puerta no se abre...” Porque era um portão automático... abre o portão, passa o primeiro carro e o portão tem um esquema de segurança que fecha automaticamente. Então, entrou o primeiro carro da segurança e o portão se fechou em cima da Mercedes preta dele. Eu falei: “No se preocupe... ele vai andar cinquenta metros a pie”, do portão até a entrada da casa. Meu marido estava dormindo. Com máscara nos olhos. Fui acordá-lo: “Acorda, ele chegou”! “Me deixa dormir, eu não tenho sossego”! “Ele chegou”! “Quem? Deus”? Eu fui voando até a porta. Quando eu desço a escada, Fidel já está na porta. Os empregados, pálidos! Nunca tinha acontecido isso. Porque, quando Fidel vem, chegam antes os seguranças, passam detectores de metal, examinam o cardápio, houve mais de 750 atentados contra ele! Dessa vez, não teve nada disso. Estava ele lá, na porta, e me disse, bem humorado: “Es la primera vez que vengo a la casa del embajador y las puertas están cerradas para el comandante y el embajador está dormindo”! “Não, por favor, comandante, entre, uma taça de champanhe, por favor”. E foi a primeira visita pessoal que ele fez.
E o que você conversou com ele?
Ele tinha acabado de voltar da casa do Elian, lembra daquele menino, que acabou voltando pra Cuba e ele ficou um pouco de tutor do Elian? Era 31 de dezembro e a festa da revolução é dia 1o. de janeiro...Ele ficou duas horas com a gente. E a minha família inteira começou a descer. Um primo, uma prima, um tio, minha mãe, marido...Foi meu primeiro contacto mais próximo e mais humano com o mito. A gente ainda não sabia direito quais eram as relações de Cuba com a Igreja... teve a visita do papa em 1999 e nada mudou...
Além do Elian, vocês conversaram sobre o que?
Ele falou praticamente só do Elian e também estava sondando a gente... Quem somos...
Falaram em castelhano?
Sim, falamos em espanhol em casa. O engraçado é que começou a descer muita gente, de repente tinha 18 pessoas da sala. Então eu falei: “Comandante, o senhor deve estar muito contente que a primeira vez que você vê uma residência da embaixada francesa socializada”. Porque, geralmente, a embaixada era um casal e um filho, e naquele momento havia 25 pessoas dormindo sob o mesmo teto! E eu já tinha pesquisado que Havana tinha umas mansões que São Paulo, por exemplo, nunca teve. Nem na época do café. E muitas dessas famílias foram embora de Cuba e deixaram as casas. E Fidel deu prazo de dois anos para as famílias voltarem, e se não voltassem as casas ficariam para o estado.
E o que aconteceu com essas mansões vazias?
A maioria dessas mansões viraram escolas para as meninas do campo, porque a gente está falando de um país com seis milhões de habitantes, na época, dos quais 1,5 milhões de analfabetos...Era uma elite que dominava, uma mão de obra baratíssima, ignorante, que vivia no campo...cana de açúcar e níquel. Nessas escolas ensinavam tudo para as meninas, ensinavam até a comer... a situação era tão precária que as meninas não conheciam privadas, estavam acostumadas a fazer em buracos...
O que Fidel respondeu quando você fez aquela observação da embaixada socializada?
Deu risada...simpatizou já, claro... uma casa, uma mansão socializada...
Mas o que ele disse exatamente pra você?
No recuerdo... E meu marido, hipertenso... e a gente tinha feito batismo naquele dia...
De quem?
Dos filhos do meu primo...E a gente fez um cartão do Che e do Fidel pescando pra mandar pra família inteira, o último batismo do século... porque era 31 de dezembro de 2000... a virada de 2000 pra 2001... e quem batizou foi o cardeal de Havana. E o Jean falou pra mim: “Não comenta do batismo”. Porque a gente não sabia em que pé estava a relação Igreja-Estado. Um cara inteligente como ele não pode ter nenhuma crença, por mais que a família dele, as irmãs dele sejam hiper-carolas! Mas isso a gente soube depois. A família do Fidel é hiper-católica! Ele estudou em colégio jesuíta até os 14 anos. A formação dele é católica-jesuíta.
Que impressão você teve dele? Descreve o Fidel...
Uma fortaleza! Ele é uma fortaleza.
Forte? Alto?
Ele é imponente. Fora que ele é de uma bondade intrínseca, de um conhecimento do ser humano que poucas pessoas têm. Ele é um... mais pra frente, num jantar, a gente viu que ele é capaz de ficar sentado numa mesa de jantar por oito horas, sem levantar, e abranger cada tema da conversa... ele desce aos detalhes, conhece números. Quando está falando de um assunto e não tem certeza de um número, ele chama o assessor dele, o Carlito, manda o Carlito buscar na internet. Ele é apaixonado pela história de Napoleão. Ele estudou todas as guerras de Napoleão, porque quando ele estava nas montanhas tinha que conquistar território devagarzinho... Ele e os revolucionários chegaram num barco chamado Gramna... eles chegaram do México, porque o Fidel, quando era líder estudantil na Universidade de Havana tentou atacar um quartel-general em Santiago de Cuba em 26 de julho de 1952... o quartel de Moncada...a data ficou sendo dia de festa nacional, apesar de ter fracassado... alguns foram mortos e os outros, como ele, presos. A frase dele durante a defesa no tribunal, que ele fez sozinho o marcou para sempre: “A história me absolverá”! No que é liberado, tem o movimento estudantil mobilizado contra Fulgêncio Batista, ele vai se refugiar no México e faz uma viagem a Nova York, fazer um up-grading. Ele não queria fazer uma revolução. Ele queria tirar o Fulgêncio Batista e criar alguma coisa nova que não estava definida. E quem financia ele? A comunidade cubana, que já estava morando em Nova York, e não queria o Batista, que era um ditador sangrento. A milícia cubana era sangrenta. Obviamente, ele teve que fazer um pacto com a máfia ítalo-americana que já estava instalada em Cuba... porque Cuba era um cassino...
Quem fez o pacto? Fidel?
Fidel!
Conta a respeito dele... você e ele ao vivo... os banquetes... jantares...
Aí, devagarzinho, foi se estabelecendo uma relação pessoal... ele foi conhecendo nosso trabalho e a gente conhecendo o trabalho dele...participando de tudo o que ele convidava. Me apaixonei pelo povo cubano e pela trajetória desse povo. E isso obviamente se refletiu nos meus atos. Eu era presidente do grupo das esposas de embaixadores. Tinha reuniões mensais para tomar chá. Eu falei: vamos trabalhar e não tomar chá. Nos três anos que passei lá, restaurei três hospitais, construí uma escola numa das cidadezinhas mais pobres do país e me envolvi com a cultura cubana. Comecei a perceber que o que eu sabia de Cuba anteriormente, por meio da imprensa, era contrainformação americana que já estava instalada no Brasil e nos países europeus. A França também fez uma revolução. Se houvesse naquela época uma mídia globalizada, como hoje, a França seria muito criticada, porque a revolução foi sangrenta... E a revolução cubana jamais foi sangrenta... foi uma revolução suave. E eu comecei a me envolver com o ministério da Cultura. Montei o Panorama da Cultura cubana em Paris durante um ano inteiro. Com manifestações culturais, artistas cubanos, música, cinema, literatura, sozinha, sem ajuda nenhuma. Eu não tinha nem secretária.
E o Fidel?
A gente foi se aproximando. O ministro da Cultura falava: “Um despacho com Alessandra es peor que un despacho con El Comandante!” Quando eu montei o projeto foi um projeto gigante, ambicioso, enorme, 350 fotos, 85 filmes cubanos, cinco livros, grupos de música nas praças de Paris durante dois meses no verão...e Fidel sempre pensou grande... ele é um grande internacionalista.,..
Você falou desse projeto diretamente com Fidel?
Claro. Tive que “vender” para ele. Vou fazer um projeto desse, tenho que vender para o comandante, o comandante tem que falar “si”. E ele começou a apreciar esse tipo de trabalho. E eu sendo brasileiro-italiana... ele nunca me considerou francesa... eu era...
O que ele perguntava sobre o Brasil?
O Fidel é chefe de estado desde os 33 anos...ele nasceu dia 13 de agosto de 1926...78 anos... e ele é uma fortaleza... todavia es muy capaz! Quando teve um furacão grande, no mês de agosto... todo ano tem furacão... mas esse ia passar em Havana. Eu passei uma vez por um furacão. É horrível. E a gente fechou as janelas, botou as crianças para dormir na cozinha. Por sorte, duas horas antes ele desviou de rota e não passou por Havana. Quando um furacão começa a chegar a única coisa que eles não querem ter é perdas humanas. Então, eles tiram as pessoas que moram em casas que não têm muita segurança e põem dentro de escolas ou estádios, fazem de tudo. Perda material eles aceitam, mas não pode ter perdas humanas. Uma vez eu passei um furacão em Miami. No hotel eles só colocam um aviso no elevador assim: “Nós vamos desligar a luz geral em duas horas”. Vire-se. Peguei um avião e fui pra Nova York. O estado não fornece nada. Em Cuba, eu fiquei impressionada com a proteção do estado. Aí, durante a noite, de sábado para domingo, meu marido falou: “Fidel deve estar num bunker”! Eu disse: “Por favor, um homem como Fidel não vai estar num bunker”! Ele não só não estava numbunker como foi atrás do olho do furacão! Ele pegou o carrinho dele e foi visitar todas as áreas que estavam recebendo o furacão de 200 quilômetros por hora! Árvore voando...
Você esteve no palácio dele?
No Palácio da Revolução? Várias vezes!
E como ele é?
O Palácio de la Revolución foi erguido no governo Batista. E quando triunfou a revolução...
O Fidel mora lá?
Não, o Fidel...
Onde ele mora?
Ele tem várias casas, ele não tem um lugar fixo, porque ele trabalha muito. Então, um dia ele pode estar recebendo para jantar no Palácio da Revolução...no outro dia, ele recebe num ministério... o primeiro jantar que eu tive com ele começou às 9 da noite e terminou às 7 e meia da manhã...no Palácio da Revolução. Foi quando veio o Michel Poncelet e os senadores franceses, ele convidou para um jantar...
Vocês fizeram o que a noite toda? Ficaram comendo? Conversando?
A gente estava no queijo, eram seis e meia...
O que teve de comida?
Comida criolla cubana. Ele é amante de vinhos bons, conhece vinhos franceses, italianos, australianos, chilenos, americanos... tem uma coleção de vinhos americanos...A conversa girou em torno de Napoleão, porque ele é um grande conhecedor. Ele descreveu as batalhas de Napoleão em cada detalhe... dia tal, ele entrou em tal lugar... E ninguém levanta.
Isso parece filme de Buñuel... Ninguém vai ao banheiro, nada?
Ninguém ousa levantar. Imagina, você está lá, sentado com a história viva diante de você. O nível de fascinação que essas pessoas tinham por Fidel era uma coisa impressionante. Ele estava no poder há 45 anos, ele viu passar 12 presidentes norte-americanos!
Tinha outras mulheres?
Tinha uma senadora... mas a conversa ficou entre Jean, Poncelet e Fidel. O jornalista francês perguntou qual chefe de estado o impressionou mais.
E ele falou em quem?
Falou no Gorbachev, falou do Lech Walesa, que também desviou; começou com trabalho correto, mas depois desviou...
Você ficou acordada a noite toda? Não deu sono, nada?
Eu saí da sala com o Ricardo Alarcón, que é o presidente da Assembléia do Poder Popular...
Deputado?
Não, ele é presidente da Assembleia do Poder Popular. Existe um sistema democrático dentro de Cuba, que é a votação nesses deputados... Ricardo Alarcón comandou o assalto ao maior quartel-general que tinha em Havana... A gente ficou passeando pelo palácio e ele contando isso... Ele e um amigo tinham duas metraillette (duas metralhadoras pequenas) e o próprio general se rendeu...porque Fidel já tinha entrado rm Havana, Batista tinha fugido...e ele foi me explicando que quando Fidel resolveu usar o palácio como escritório oficial do estado, uma revolucionária que participou da revolução, nas montanhas, a Célia Sanches trouxe um pouco da Sierra Maestra, onde eles ficaram por dois anos, para dentro do palácio. Todas as pedras do chão vieram de Sierra Maestra, assim como todas as plantas, que não existem em Havana. Então, você entra, esse palácio amplo, enorme, o pé direito de 12 metros e tudo com essa pedra originária de Sierra Maestra e no meio dessas pedras um jardim suspenso de plantas da Sierra Maestra. Foi “a” revolucionária junto com Fidel.
Alguma vez o Fidel falou sobre o que vai ser depois dele?
Não, isso não se comenta, porque a revolução...
Ele tinha várias mulheres? Uma só? Vários filhos? Netos? Tem aquela filha dele que não gosta dele...
Na verdade, é a filha de um caso que ele teve... a primeira mulher dele foi da época em que ele era estudante de Direito e foi preso, e ele tem um filho com ela chamado Fidelito, que é um super-cientista na área de tecnologia nuclear. Ele é o único que aparece.
Mas o Fidel tinha família, mulher, filho ou...?
O chefe de estado não tem que ter filho. Você não pode ter filho. Você tem o privilégio de ter o sangue, de ter o DNA dele. Não tem que ter o privilégio de ter acesso a ele. Ele é ocupado 24 horas por dia. Então, quem cuidava da família era o Raul, o irmão dele, era quem fazia os almoços de domingo, as festas de aniversário dos filhos...
Quantos filhos?
A gente contava cinco homens e uma mulher. Netos, a gente não sabe. Eu conheci muito a família do irmão dele, o Raul, que tem duas filhas... ele casou com uma mulher que era filha da alta burguesia cubana... então, ele tem duas famílias que podem ser como quaisquer meninas bem-educadas da melhor família de São Paulo. Extremamente bem-educadas, muito finas e que vivem dentro de um sistema comunista. Na verdade, a revolução cubana nunca teve um caráter comunista. O caráter sempre foi humanista. Eles usaram o comunismo, o socialismo para conseguir desenhar parâmetros para chegar num sistema humanista. Eu nunca conheci um povo tão solidário quanto o povo cubano. A solidariedade cubana não existe. Eu jamais questionei a família dele. Aquela filha dele que emigrou para os EUA e está na Espanha escreveu um livro que é sórdido! Você não pode pedir que o seu pai venha no dia do seu aniversário porque ele é um chefe de estado que se ocupa com 11 milhões. Você já deve se dar por satisfeita em ter o DNA dele! Mas não pode exigir a presença dele porque ele tem que se ocupar de 11 milhões de pessoas. Então, é um assunto que a imprensa não utiliza.
Mas tem imprensa lá, tem jornal fora o Gramna?
Tem. Tem o Juventude Rebelde...
Tem quantos jornais?
O de maior circulação é o Gramna, depois o Juventude Rebelde e depois tem os jornais dirigidos e revistas.... tal como a sua revista...
Tem revistas?
Tem revistas de cinema fenomenais, de teatro fenomenais... com conteúdos maravilhosos...
Bem, mas e seu relacionamento com Fidel? Ele notou seus lindos olhos verdes?
Aí, o que aconteceu? A um certo ponto, ele conhecendo o trabalho que eu estava fazendo e eu sendo brasileira... a gente está falando de 2001, 2002... e com potencial de Lula vencedor nas eleições, ele começou a se aproximar mais para entender o que estava acontecendo no Brasil... Tanto que havia jantares em que ele conversava a noite inteira comigo. “Bueno, Alessandra, conta-me ...papapapa...conta-me...”
Conta-me o que?
No puedo contar... O que eu posso dizer é que gerou muita expectativa no Fidel e no povo cubano a eleição de um presidente como Lula num regime democrático... um fenômeno...
O que ele falava do Lula?
Ele achava que o Lula – na última vez que eu conversei com ele – que o Lula podia se tornar um grande líder internacionalista- humanista se ele conseguir gerenciar bem o que ele tem que fazer nesse país. Porque o Brasil tem 44 milhões de analfabetos funcionais...
Fidel conhece bem o Brasil?
Nos mínimos detalhes... E eu mandava muita informação para ele também...
Você ficou amiga dele?
Sim...
Ele sabe quem é Alessandra? Se você ligar, ele vai atender?
Mando e-mail, ele responde...
Você manda e-mail para ele ainda hoje?
Não mando para ele, mando pro Carlito, que é o assessor dele...
Fidel tem celular?
Ele tem celular, mas a gente não usa celular, porque o celular é grampeado pelos americanos...
Ah, é? Lá em Cuba? A CIA escuta as conversas?
Todos os celulares em Cuba são grampeados pelos americanos...
Você tinha o celular dele?
Ele não tinha celular, só o assistente que devia ter cinco celulares...Fidel não usa celular...
Mas o que ele queria saber do Brasil?
Ele queria saber como é que o Lula ia conseguir levar a cabo os projetos que ele tem num país em que é difícil conseguir maioria no Senado...a preocupação dele era essa... ele ganhou, mas como é que ele vai conseguir gerenciar esse poder? A preocupação dele era que a gente conseguisse diminuir as diferenças que existem no país. Ele jamais pensou que o Brasil deveria ter sistema comunista.
Ele não te convidou para morar lá?
Ele sabe que a minha sede de coração é Cuba. E sempre vai ser Cuba.
Cuba é a tua segunda pátria?
A primeira...
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