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    Contrabando de armas dos EUA criou paraíso para pistoleiros no Brasil

    Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, existem no Brasil cerca de oito milhões de armas ilegais, mais da metade contrabandeada dos EUA

    (Foto: REUTERS/Lucas Jackson)

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    Jonathan Alpeyrie, Carta Maior - Milhares de armas fabricadas nos EUA são despejadas diariamente no Brasil e vão direto para as mãos de criminosos, e Washington nada tem feito para efetivamente conter a enxurrada.

    Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês), existem no Brasil cerca de oito milhões de armas ilegais, mais da metade contrabandeada dos EUA. O último relatório da ONU aponta que pouco menos de 20 mil armas estadunidenses entram anualmente no Brasil.

    No Rio de Janeiro, autoridades locais acreditam que cerca de 4 mil novas armas ilegais chegam à cidade todos os dias. Cerca de 25% delas são fuzis, de acordo Christiano, um comandante da Polícia Militar do Rio que lidera operações para apreender armas ilegais.

    “Uma vez que essas armas cruzam nossas fronteiras, praticamente não temos como apreendê-las antes de elas caíram nas mãos das pessoas erradas”, explicou Christiano para The Daily Beast.

    Autoridades responsáveis por conter a chegada dessas armas nos dois principais portos do Rio de Janeiro e São Paulo carecem de recursos. Enquanto isso, ao invés de coibir o fluxo de perigosas armas para o País, os EUA preferem pressionar o Brasil a combater o tráfico de drogas, forçando autoridades brasileiras a realocar seus parcos recursos na guerra contra as drogas e deixando uma via aberta para os contrabandistas de armas se infiltrarem nos principais portos comerciais. “O governo dos EUA está preocupado com seus problemas internos de consumo de drogas, então ele pressiona o governo do meu País para se concentrar principalmente no tráfico de drogas em vez de no negócio ilegal de armas”, explicou um funcionário da Secretaria Estadual de Policia Civil.

    As consequências dessa crise são dramáticas. No Rio de Janeiro, uma das cidades mais perigosas do planeta, os índices de homicídio não param de crescer, de 925 em 2016 para 1.814 em 2019, como noticiou a AP. A maioria desses assassinatos envolve o uso de armas contrabandeadas. Na verdade, a corrupção é tão rampante na cidade que gangues conseguem subornar funcionários para deixarem as cargas entrarem tranquilamente no Brasil. Uma vez que as armas são descarregadas, elas são distribuídas para áreas controladas por essas gangues, principalmente em São Paulo, Fortaleza e Amazonas, contou Christiano.

    Para entender como funciona o comércio ilegal de armas é preciso perceber que se trata de um negócio mundial com diferentes atores e consumidores, espalhando seus tentáculos a partir de vários pontos, a maioria dentro das fronteiras estadunidenses, para sua destinação final no México, Paraguai e Brasil. Contrabandistas de armas não poupam esforços para proteger seus macabros negócios, garantindo rotas comerciais que muitas vezes se estendem de um continente para outro, criando constantes fluxos de armas e munição para nossos vizinhos do Sul.

    Existem hoje duas principais rotas comerciais. Ambas se originam em estados sulistas dos EUA, que produzem um impressionante número de armas todos os anos. Hoje, existem cerca de 393 milhões de armas dentro das fronteiras dos EUA. Por seu lado, a ATF (sigla em inglês para Agência de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo) pouco sabe sobre quantas dessas armas deixam o solo estadunidense para serem revendidas ilegalmente no México, América Central e América do Sul. Na verdade, a ATF “não mantém, um registro de armas federal, portanto, não são mantidos dados sobre a venda armas, vendas privadas e portadores individuais”, afirmou um porta-voz à ABC News.

    Apesar de esforços, autoridades dos EUA pouco conseguem contra o comércio ilegal de armas. Estima-se que a cada ano as diversas agências envolvidas são capazes de confiscar apenas 10% a 15% desse comércio mundial, segundo o ex-agente da ATF Joe Anarumo. “Mal arranhamos a superfície”, lamentou ele a The Daily Beast.

    Mas tem havido algumas histórias de sucesso.

    Em março de 2019, a Agência de Investigações de Segurança Interna dos EUA (HSI) recebeu informação de autoridades brasileiras sobre uma rede de contrabando de armas que estava exportando fuzis e munição dos Estados Unidos para São Paulo. Era tão alarmante a eficiência da rede para fazer chegar as armas a diferentes organizações criminosas como o Comando Vermelho ou o Amigos dos Amigos que o governo brasileiro coordenou seus esforços com a agência antinarcóticos estadunidense DEA. Como resultado, foram presos nos EUA membros-chave das organizações, todos brasileiros de posse de passaportes estadunidenses.

    O brasileiro Frederik Barbieri, mais conhecido como Senhor das Armas e um dos maiores contrabandistas de armamentos, foi finalmente preso nos Estados Unidos, onde ainda vive, no começo de 2018. Ele contrabandeava todo tipo de armamento, munição e explosivos para o Rio de Janeiro usando containers para esconder as cargas. As poucas armas apreendidas pelas autoridades estadunidenses foram encontradas em lugares improváveis, como junto a aquecedores de água e de bombas de piscinas. Barbieri lucrava tanto dinheiro que ainda não está claro para o governo dos EUA a dimensão de seu império financeiro. O Senhor das Armas foi condenado a 12 anos de prisão por seus crimes.

    O ex-agente da ATF Anarumo explicou que uma estratégia semelhante à de Barbieri é empregada por cartéis e gangues no México e no Brasil.

    Ela é simples. Primeiro a organização criminosa faz contato com associados já nos EUA que detêm passaporte estadunidense. Uma vez que recebem a ordem, os comparsas vão para Flórida, Arizona, Novo México ou Texas, onde é fácil comprar pistolas e fuzis. Uma vez que a compra é feita nas lojas locais, algumas das armas são desmontadas e escondidas criativamente em containers, como de filtros de geladeira, e levadas para Miami. Então, uma vez que as armas são colocadas em containers e carregadas em navios, algumas vão direto para a América do Sul, enquanto uma pequena quantidade segue para o Haiti e a República Dominicana a fim de atender gangues operando na Ilha de São Domingos, que se tornou um grande centro de distribuição de drogas e armas.

    “Outro grande desafio para nós é conseguir coordenar com nossas contrapartes nesses países latino-americanos”, disse o agente da ATF. “Porque uma vez que essas armas deixam nossa costa, temos pouco poder para forçá-los ou convencê-los a nos ajudar”.

    Falando ao The Daily Beast, um antigo alto oficial da DEA, Paul Campo, classificou a crise de armas como uma “batalha perdida”. Os inimigos, explicou, “são poderosas organizações criminosas em constante mudança que têm a vantagem de não seguir qualquer regra e que se adaptam a qualquer situação a fim de evoluir”.


    *Publicado originalmente em 'Daily Beast' | Tradução de Carlos Alberto Pavam

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