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    "Não há como concordar", diz Celso Amorim sobre guerra entre Rússia e Ucrânia

    "Não é coerente você condenar a invasão do Iraque e achar que a Rússia invade a Ucrânia e isso está bem", afirmou à TV 247 o assessor de Lula para assuntos internacionais

    Ex-chanceler Celso Amorim dá entrevista à Reuters em São Paulo 18/10/2022 (Foto: REUTERS/Carla Carniel)
    Guilherme Levorato avatar
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    247 - Assessor especial do presidente Lula (PT) para assuntos internacionais, o ex-chanceler Celso Amorim concedeu entrevista à TV 247 nesta quarta-feira (1) e falou sobre a posição de "duas lógicas" do Brasil em relação à guerra entre Rússia e Ucrânia.

    "Uma lógica é, naturalmente, condenar a invasão de um território de um país soberano. A Ucrânia é um país independente. Usar a força sem a autorização da ONU é algo que não há como concordar. Não é coerente você condenar a invasão do Iraque porque usou a força sem autorização da ONU e achar que a Rússia invade a Ucrânia e isso está bem. Não está bem. A outra parte da lógica é não ficar olhando eternamente para o passado e saber quem você condena e quem não condena e tentar uma solução pacífica. E a solução pacífica tem que ser pela negociação. Acho que é isso que o Lula tem procurado fazer", explicou.

    Amorim concordou com a avaliação de que a expansão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) contribuiu para o início da guerra, mas ainda sim condenou a invasão russa. "Nós podemos analisar que a expansão da Otan tenha sido um erro, muitos pensadores já disseram isso, mas o fato é que hoje é essa a situação: houve uma quebra de uma regra da ONU. A Ucrânia é um país membro das Nações Unidas. Se você chega em determinado momento, ainda que você tenha temores que sejam compreensíveis, quando você invade o território de um país soberano, usa a força sem autorização da ONU, está errado, tem que ser condenado". O ex-ministro também condenou as sanções impostas contra a Rússia: "o outro lado da coisa é você ficar aplicando sanções e não procurar uma posição pacífica. Por isso que a posição do presidente Lula talvez não satisfaça nenhum dos lados". 

    "O que o presidente Lula quer é olhar para o futuro e procurar ajudar na negociação. E nesse processo, ele tem enfatizado que é preciso que outros atores participem, não pode ser aqueles que já estão diretamente envolvidos no conflito. Ele tem mencionado a importância que tem a China nesse processo. Alguém tem que falar com os russos, não adianta ter só gente que fala com o Zelensky. Tem que ter alguém que tenha a capacidade de influência e persuasão. Obviamente a China aparece como país de maior capacidade, mas também não pode ser a China sozinha. Então acho que aí poderiam entrar países como o Brasil, Turquia, Índia. Países que ou por seu tamanho ou por sua importância estratégica possam também ter uma influência efetiva. É preciso jogar ar fresco sobre essa situação. Não pode ficar só Estados Unidos e União Europeia de um lado e Rússia do outro", concluiu.

    Estados Unidos

    Sobre a declaração da nova embaixadora dos Estados Unidos no Brasil,  Elizabeth Bagley, de que 'não tem país melhor para o Brasil do que os Estados Unidos', Amorim exaltou a importância do país norte-americano para a economia brasileira e para a manutenção da democracia, mas destacou que a relação Brasil-EUA já não é como antes. "Os Estados Unidos são um parceiro importante. Não são mais como foram no passado, nossos maiores parceiros comerciais, mas evidentemente têm uma grande influência na região, não só econômica. Há muitas questões com as quais nós lidamos hoje cuja origem política ocorreu nos Estados Unidos, a questão da igualdade dos negros - não estou dizendo que ela seja praticada, mas ela surgiu lá de maneira muito forte. Para nós, nesse momento dramático que vivemos há pouco, o apoio dos Estados Unidos às eleições foi muito importante, até pelo impacto que isso tem no meio militar aqui no Brasil, sobre a elite econômica brasileira, sobre a grande mídia brasileira".

    "O presidente Lula tem uma política plural. Ele já falou com o Putin, há uma viagem programada para a China, a conversa com Macron no telefone outro dia - eu tenho muitos anos vivendo essas coisas e nunca vi uma conversa tão longa ao telefone. Durou uma hora e meia, foi quase que uma reunião presencial, em termos de conteúdo. Agora veio o chanceler da Alemanha. Enfim, temos uma política plural, que nos permite falar com todos", resumiu.

    Perguntado sobre como projeta a relação Brasil-EUA ao longo dos próximos anos do governo Lula, o ex-chanceler respondeu: "os Estados Unidos não são um monolito. Você pode ao mesmo tempo ter uma boa relação com o presidente e certos setores do Estado profundo, que estão vendo a coisa de uma outra maneira, agindo de outra forma. Acho que nós temos que defender nossa soberania, tratar da proteção das nossas redes digitais. Não é só o território hoje, há esse território digital que também está sujeito a invasões".

    Forças Armadas

    Ex-ministro da Defesa, Amorim foi questionado sobre o relacionamento do governo Lula com os militares, que em maioria são simpáticos a Jair Bolsonaro (PL) e teriam até mesmo apoiado os atentatos terroristas promovidos por bolsonaristas no último dia 8 em Brasília.

    Amorim afirmou que a pacificação "é um processo". "Acho que está encaminhada e bem encaminhada. Eu conheço o general Tomás, acho que é um democrata, deu uma demonstração eloquente disso naquele pronunciamento quando as coisas não estavam ainda totalmente definidas. Mas acho também que falou aquilo porque sentiu uma receptividade. Muitos setores das Forças Armadas estão cansados de ver esse constante desgaste na imagem. Isso eu tenho ouvido de vários. Nunca esteve tão desgastada a imagem das Forças Armadas. As Forças Armadas não podem ser identificadas como bolsonarismo. Não acho que elas sejam. Houve uma série de circustâncias que acabaram levando a uma aproximação ou quase a uma fusão, mas acho que isso tem que estar separado, Acho que o respeito à lei, à democracia e ao resultado eleitoral é fundamental. Acho que vamos caminhar para um período de normalidade e de tranquilidade. Claro que pode haver algum problema, mas ele será tratado com respeito às Forças Armadas, porque nós precisamos das Forças Armadas. Essa ideia de que tem que acabar com as Forças Armadas não tem cabimento".

    Ainda na esteira dos atentados de 8 de janeiro, Celso Amorim falou sobre a necessidade de combater a extrema direita a nível global. "A luta contra a extrema direita internacional é algo fundamental e é certamente algo que está presente no interesse grande norte-americano de que o Brasil e o presidente Lula vá lá. Acho que isso tem a ver com essa defesa da democracia. Eu disse, e não estava exagerando, que o futuro da democracia estava em jogo no Brasil, e o futuro não só para o Brasil. É paradoxal. Pela primeira vez uma eleição no Brasil poderia influenciar nos Estados Unidos, porque uma vitória do bolsonarismo aqui significaria um reforço do trumpismo. Então isso é uma coisa internacional, e eles estão combinados. Esse não é um problema nacional. As ideias não têm fronteira".

    China

    Sobre a visita que o presidente Lula pretende fazer à China nos próximos meses, Amorim justificou: "a China é nossa principal parceira comercial. Nós exportamos para a China três vezes o que exportamos para os Estados Unidos. É uma importantíssima parceira comercial para a América do Sul. Isso também é importante, porque pode ter um impacto na própria integridade do Mercosul. Mas a China também é absolutamente fundamental para a paz, para algo que o presidente Lula sempre tem falado, que é a reforma da governança global, que tem vários aspectos. Sempre há uma queixa contra a falta de autoridade das instituições internacionais, mas para ter autoridade tem que ter representatividade, legitimidade. Então é preciso compreender isso também para a organização inclusive do Conselho de Segurança da ONU".

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