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    O duplo discurso na controversa política dos Estados Unidos sobre o TikTok

    Posição americana contraria as narrativas de livre mercado e democracia

    Logotipo do TikTok nos EUA (Foto: REUTERS/Mike Blake)

    Xinhua - A recente aprovação pela Câmara dos Representantes dos Estados Unidos de um projeto de lei que visa forçar o TikTok a se separar de sua empresa controladora chinesa, a ByteDance, ou enfrentar uma proibição em todo o país, gerou uma forte controvérsia internacional. Analistas de vários países sul-americanos coincidiram em que a medida reflete uma postura intervencionista e iliberal do Congresso dos Estados Unidos, contrária às suas próprias narrativas de livre mercado e democracia.

    As críticas se concentram na contradição entre as políticas econômicas promovidas pelos Estados Unidos para outros países e sua intervenção direta em questões tecnológicas e de segurança nacional, e questionam especialmente a ameaça que essa medida representa para a liberdade de expressão e o livre fluxo de informações na esfera digital, não apenas para a sociedade americana, mas para o mundo.

    A decisão da Câmara, que ainda não foi ratificada pelo Senado, recebeu uma resposta firme do governo chinês, que pediu aos Estados Unidos que "respeitem sinceramente a economia de mercado e o princípio da concorrência leal" e forneçam um "ambiente aberto, justo e não discriminatório para empresas de todos os países". Alertou também que a China tomará "todas as medidas necessárias para proteger resolutamente seus direitos e interesses legítimos".

    De acordo com o professor Gilson Schwarz, da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), os Estados Unidos aplicam uma lógica de dois pesos e duas medidas que prevalece desde o pós-guerra, evidenciando uma tendência iliberal e anticompetitiva. Os Estados Unidos promovem o liberalismo econômico para outros países, mas internamente agem de forma intervencionista, especialmente em questões relacionadas à segurança nacional e à tecnologia, seguindo a lógica do "faça o que eu digo, mas não o que eu faço". 

    "É uma estratégia que temos há muitos anos, desde o pós-guerra, em que predominou um discurso liberal, inclusive na definição de políticas industriais e políticas tecnológicas nos Estados Unidos. Em outras palavras, todos devem abrir sua economia, aceitar o investimento estrangeiro, é uma visão muito liberal da economia, para todos os outros. Mas, internamente, o governo dos Estados Unidos age, sempre agiu fortemente, no financiamento, mesmo em gastos diretos, na área militar, em tecnologias militares", disse ele.

    A ação no Congresso dos Estados Unidos está na perspectiva de que "o liberalismo é bom para os outros, mas para nós, temos a segurança nacional como prioridade", algo que não é novidade, nem surgiu agora com o Tik Tok, mas vem acontecendo há "décadas e décadas". "É anticoncorrência, anti-liberdade de expressão e anti-mercado. Ela se encaixa em uma tendência no próprio Congresso, ou seja, o órgão democrático, de votar em sanções que implicam em uma redução da liberdade. Ou seja, é a democracia votando contra a democracia. É uma radicalização que reflete uma espécie de nova Guerra Fria, com os Estados Unidos, de um lado, e outros grandes potências, de outro", explicou Schwarz.

    Uma avaliação semelhante é feita pelo comunicólogo uruguaio Aram Aharonian, presidente do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE), que também enfatiza que a escalada dos Estados Unidos contra a liberdade de expressão não é novidade. Aharonian criticou a tentativa de manipular informações por meio da sanção contra o Tik Tok, chamando-a de medida "anti-liberdade de expressão" e parte de uma estratégia para promover uma narrativa favorável aos interesses americanos.

    "É uma ação muito grosseira, muito desajeitada. É simplesmente o que os governos supostamente democráticos do mundo tentam fazer, silenciar vozes dissidentes, qualquer interpretação do que está acontecendo no mundo que não seja a interpretação oficial de seus governos. É um ataque permanente à liberdade de expressão, que também vemos no caso Assange, que ousou denunciar as atrocidades cometidas pelos Estados Unidos no Oriente Médio", enfatizou.

    Essa atitude leva à aniquilação da informação livre e da liberdade de expressão, que é a base do que é tão frequentemente proclamado como democracia. "Obviamente, as grandes empresas internacionais de mídia, as redes, a Amazon, Meta e outras nos Estados Unidos manipulam as informações de acordo com as necessidades políticas e econômicas de suas empresas. Não acho que isso deva surpreender ninguém. O único problema é que o que está acontecendo nos Estados Unidos pode se refletir em nossos países também", alertou.

    Gonzalo Abascal, secretário editorial do jornal Clarín, em um artigo publicado a meados de março, alguns dias após a decisão da Câmara de Representantes, chamou a atenção sobre a complexidade do problema e previu que a manobra não será ratificada. Ele destacou que, embora o presidente Biden tenha garantido que promulgaria a lei se ela fosse aprovada, em fevereiro passado ele mesmo abriu uma conta no Tik Tok com vistas às próximas eleições presidenciais. Para Abascal, essa é a "síntese perfeita das contradições que as novas plataformas geram nos políticos tradicionais".

    O jornalista argentino considerou que o problema do Tik Tok parece ser difícil de resolver por dois motivos. "Primeiro, porque a sanção não teria o mesmo consenso no Senado. Mas muito mais porque uma possível proibição entraria em conflito com o direito à liberdade de expressão garantido na primeira emenda da Constituição dos Estados Unidos. Qualquer sanção, então, certamente seria anulada pela Suprema Corte", escreveu. Abascal concluiu que, se o Tik Tok fosse proibido nos Estados Unidos, "estaríamos testemunhando o fim de uma das ideias fundamentais do país mais poderoso, e que se irradiava para grande parte do mundo: a do livre fluxo de informações e ideias, mesmo aquelas vindas do exterior".

    Em uma carta endereçada a vários jornais chilenos, o professor Sebastián Zárate R., especialista em Direito Constitucional e Direito da Informação da Universidade Autônoma, também enfatizou os riscos de uma possível venda forçada do Tik Tok. Zárate alertou sobre a importância de proteger o direito à liberdade de expressão e criticou a falta de transparência nas políticas de privacidade das redes sociais.

    "A tentativa do Congresso dos Estados Unidos de exigir a transferência da propriedade da rede social para um novo proprietário, e assim controlar o algoritmo, não contribuirá para diversificar o ecossistema da rede social. Tampouco ajudará os usuários. Nos últimos anos, testemunhamos plataformas envolvidas em casos de violação de privacidade, opacidade de suas políticas de dados e gerenciamento algorítmico, o que sugere que a solução proposta se deve principalmente a uma estratégia política internacional", disse ele.

    A visão sul-americana do caso Tik Tok reafirma a importância de uma economia de mercado honesta e de um ambiente de negócios justo e não discriminatório, e destaca a necessidade de um diálogo transparente e de uma cooperação internacional baseada em princípios de igualdade e reciprocidade diante dos desafios apresentados pelas novas tecnologias. Essa situação ressalta a urgência de tratar as tensões geopolíticas e comerciais com uma abordagem de respeito mútuo e colaboração construtiva para o benefício de todos os povos. 

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