Onde estão os nossos Obamas?
O Brasil tem um ministério da inclusão racial, mas faltam incluídos até mesmo no setor público
(este artigo foi publicado originalmente em 2008, na revista Istoé, antes da eleição de Barack Obama, mas, a nosso ver, continua atual e decidimos republicá-lo por ocasião da viagem da presidente Dilma Rousseff aos Estados Unidos)
Ao que tudo indica, 2008 ficará marcado como o ano da afirmação definitiva da raça negra. Barack Obama será eleito presidente da maior potência econômico-militar do planeta, Lewis Hamilton vencerá o campeonato mundial de Fórmula 1 e o torneio de tênis mais tradicional do mundo, o de Wimbledon, já foi decidido pelas irmãs Venus e Serena Williams. Além disso, a sensação da música pop, a britânica Amy Winehouse, faz sucesso como uma “branca de alma negra”, exatamente o oposto do rótulo que se atribuiu no passado ao compositor brasileiro Pixinguinha.
Essa apoteose não é obra do acaso, mas sim a conseqüência direta de um processo que se iniciou em 1961 nos Estados Unidos. Naquele ano, o então presidente John Kennedy, a quem Barack Obama já é comparado, colocou em prática uma política de ação afirmativa, instituindo cotas nas escolas, nas universidades e nas contratações do setor público. Hoje, quando se analisa o quadro racial dos Estados Unidos, 40 anos após o “sonho” e a morte de Martin Luther King, percebe-se que o esforço valeu a pena. Mesmo no governo republicano de George W. Bush, o cargo mais alto da burocracia estatal americana, no poderoso Departamento de Estado, é ocupado por Condoleezza Rice. Seu antecessor, Colin Powell, também era negro. E o atleta mais rico do esporte mais elitista do mundo é o golfista Tiger Woods.
Nos Estados Unidos, os afrodescendentes representam 14% do melting pot americano e chegaram ao poder. No Brasil, onde se cultua o mito da democracia racial, negros e pardos compõem 46% da população, mas ainda ocupam uma posição subalterna na sociedade. Embora desde 2003 exista um ministério para promover políticas de inclusão racial, faltam incluídos no próprio setor público. À parte o ministro Gilberto Gil, já de saída, onde estão os negros do primeiro escalão, na Fazenda, no Banco Central e na área social? No Brasil, não há sequer concursos públicos com reservas de vagas para negros e pardos. Enquanto isso, as agências federais do governo americano realizaram quase 50 mil contratações de minorias étnicas nos últimos cinco anos.
Hoje, é muito reconfortante olhar para cima e aderir à “obamania”. Mas é uma situação parecida com a dos fazendeiros brasileiros que admiravam Abraham Lincoln no século XIX e continuavam sendo servidos por seus escravos. Se o Brasil quiser mesmo ter os seus próprios Obamas, o único caminho é enfrentar os conservadores e abraçar de vez as políticas de ação afirmativa. E assim recordar a canção Black is beautiful, imortalizada na voz de Elis Regina. Aquela que dizia: “Hoje cedo, na Rua do Ouvidor, quantos brancos horríveis eu vi, eu quero um homem de cor”.
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