Espanha dá exemplo e propõe taxar ricos para enfrentar o pós-pandemia
“Deixamos para trás a etapa dos ajustes”, disse o presidente do governo (primeiro-ministro), o socialista Pedro Sánchez. “Hoje inauguramos uma nova etapa que deixa para trás o caminho neoliberal”, disse o segundo vice-presidente Pablo Iglesias, do Podemos
247 - Os partidos PSOE e Unidas Podemos, aliados na coalizão de esquerda que governa a Espanha, pactuaram finalmente o aumento de impostos para os mais ricos e grandes empresas, como forma de fechar a conta da crise provocada pelo coronavírus: será uma tributação menor do que previa o acordo de governo entre os dois partidos, mas mesmo assim relevante para garantir o Orçamento, que abandonou os períodos de cortes e a austeridade. “Deixamos para trás a etapa dos ajustes”, disse o presidente do Governo (primeiro-ministro), o socialista Pedro Sánchez. “Hoje inauguramos uma nova etapa que deixa para trás o caminho neoliberal”, disse o segundo vice-presidente Pablo Iglesias, do Podemos.
Sánchez afirma que depois do “duríssimo golpe da pandemia”, o governo espanhol podia se recolher em cortes e seguir em frente. Mas as mudanças vão garantir que o Orçamento tenha 10,3% mais de investimento que os anteriores, incluindo o adiantamento dos 27 bilhões de euros [181 bilhões de reais] do plano europeu. A estratégia adotada pela Espanha é defendida inclusive pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que se distancia cada vez mais da ortodoxia pela qual se destacou nos anos mais difíceis do chamado consenso de Washington. O órgão multilateral, que começou a crise sanitária exortando os países a “gastar o máximo que pudessem”, também recomenda a criação de impostos para os mais ricos.
O acordo anunciado nesta terça-feira prevê um aumento do imposto de renda para os grandes grupos empresariais, ao limitar as isenções por dividendos e lucros gerados por sua participação em filiais. Além disso o governo eleva em três pontos percentuais o imposto de renda de pessoa física (IRPF) sobre ganhos de capital superiores a 200.000 euros (1,34 milhão de reais), o que atinge um número muito pequeno de contribuintes ― poupando a classe média e os mais pobres―, mas com valor político e simbólico em plena crise. O acordo também aumenta em dois pontos o IRPF para a renda do trabalho superior a 300.000 euros (dois milhões de reais), o que abrange um número menor de contribuintes do que o Governo propunha inicialmente, que eram 130.000 (871.000 reais). A elevação do imposto de renda para quem ganha mais de 300.000 euros afetará 16.740 contribuintes, segundo fontes governamentais, ou 0,08% do total de declarantes. Somando-se a elevação na alíquota sobre ganhos de capital, o aumento no IRPF pode afetar 36.200 contribuintes, ou 0,17% do conjunto, segundo a Fazenda espanhola.
O acordo também estabelece uma tributação mínima de 15% para as empresas cotadas de investimento imobiliário (Socimis, na sigla em espanhol) ― sociedades anônimas que têm como atividade principal a aquisição, promoção e reabilitação de imóveis ―, um tipo de empresa que os grandes capitais utilizam para economizar impostos. Também serão reduzidas as deduções relativas a planos privados de aposentadoria, mas só para as contribuições mais altas. Membros do Governo ainda pactuaram uma elevação de um ponto percentual no imposto patrimonial para que disponha de mais de 10 milhões de euros (cerca de 67 milhões de reais). A aplicação destes recursos, no entanto, ficará a cargo dos Governos regionais. Por outro lado foi eliminada do projeto, em virtude da situação econômica, a alíquota mínima efetiva de 15% no imposto de renda de pessoa jurídica, que estava previsto no acordo de formação do Governo. O Executivo já havia anunciado que a grande reforma fiscal que estava prevista ficará para um momento mais propício de recuperação econômica, como explicou a ministra da Fazenda, María Jesús Montero.
A coalizão de esquerda Unidas Podemos também conseguiu aumentar em 5% o IPREM, índice que determina boa parte dos subsídios e ajudas públicas. O governo também vai aumentar o salário aos funcionários públicos e as pensões segundo a inflação oficial estimada.
Pedro Sánchez detalhou que o novo Orçamento resultará em um investimento público recorde de 239,76 bilhões de euros. Concretamente, antecipou que o investimento em educação aumentará 70%, com um acréscimo de 514 milhões de euros nas bolsas de estudos e 1,5 bilhão em quatro anos para a modernização da formação profissional. Do mesmo modo, haverá uma injeção de mais de 5 bilhões de euros adicionais em pesquisa e desenvolvimento, um aumento de 80%. O investimento em infraestrutura ganhará 6,16 bilhões de euros adicionais, uma alta de 115%; e as verbas destinadas à indústria e energia aumentarão em 5,7 bilhões de euros. Sánchez também anunciou, entre outras medidas, que as ajudas a setores especialmente afetados pela pandemia, como o comércio, o turismo e as pequenas e médias empresas, crescerão 150%, com 1,3 bilhão a mais; para a cultura, se prevê uma alta de 25,6%; e a agroindústria contará com recursos adicionais de quase 790 milhões de euros.
Os dois políticos pareciam eufóricos ao anunciar o acordo nesta terça-feira, mas agora será preciso incorporar outros sócios da coalizão parlamentar para aprová-lo. O Governo trabalhou a alternativa de um pacto com o partido centrista Cidadãos, mas nas últimas semanas foi se afastando dessa possibilidade, que o Unidas Podemos nunca viu com bons olhos. Ainda assim, tudo continua em aberto, e ainda haverá muita negociação com as bancadas. “É um Orçamento progressista, excepcional pela situação e pelo volume de investimento público que mobiliza. Seu primeiro objetivo é reconstruir o que a crise pela pandemia nos tirou. O segundo, modernizar nosso modelo produtivo. E o terceiro, fortalecer nosso Estado do bem-estar”, proclamou Sánchez.
Uma das grandes apostas do Orçamento é a decisão de reforçar a saúde pública, que a pandemia colocou em primeiro plano. “Destinaremos 3,064 bilhões de euros (20,54 bilhões de reais) a mais à saúde, 151,4% a mais. Uma das lições que devemos tirar é o fortalecimento da saúde pública”, afirmou o presidente.
No acordo orçamentário, embora não esteja nas contas, o PSOE e Unidas Podemos incluíram um pacto para regular o controle dos preços dos aluguéis, um tema sobre o qual o grupo de Iglesias, que inclui muitos dirigentes egressos da Plataforma de Afetados pela Hipoteca (PAH), está há anos pressionando. “Devemos acelerar o objetivo que estabelecemos de intervir no mercado da moradia para regular os preços do aluguel. Nós nos comprometemos a levar ao Congresso dentro de quatro meses uma lei que permita estabelecer mecanismos de limitação ou redução dos preços do aluguel em zonas de mercado tensionado, tanto nos novos contratos como nos existentes. A Espanha terá a lei nacional de moradia com o maior grau de intervenção pública no mercado de aluguel na Europa”, afirmou Iglesias. Essa reforma chegará, portanto, dentro de alguns meses, mas as pressões de diferentes grupos econômicos são muito fortes, e há no Governo uma importante divisão sobre este assunto, de modo que ainda resta muita negociação para ver como ficará, finalmente, a regulação.
Sánchez e Iglesias apresentaram as propostas para o Orçamento nesta terça-feira, em um ato sem perguntas nem presença da imprensa, no palácio de La Moncloa. Mas será María Jesus Montero, a ministra de Fazenda, que explicará as contas perante os jornalistas depois que elas forem aprovadas no Conselho de ministros.
As novas contas oferecerão uma antecipação de 27 bilhões de euros dos recursos europeus e incluirão outras mudanças tributárias: IVA (imposto sobre consumo) de 21% sobre bebidas açucaradas e adoçadas; a criação de um novo tributo sobre embalagens plásticas descartáveis; políticas fiscais verdes e modificações na tributação direta e indireta. Nesta segunda-feira, o PSOE e o Unidas Podemos aprovaram a regulação dos preços do aluguel e alcançaram um acordo para melhorar a regulação da renda mínima vital, os dois últimos cabos soltos antes de poder concretizar o rascunho do Orçamento. Uma vez remetido o anteprojeto das novas contas ao Congresso, calcula-se que sua primeira votação no plenário será na semana de 11 e 12 de novembro.
Informações do El Pais
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