Wilson Ferreira aponta a guerra híbrida na Nicarágua
"O assassinato da estudante brasileira de medicina na Nicarágua, em meio à violência nas manifestações contra o governo Daniel Ortega, é mais uma evidência de que a crise naquele país segue o roteiro já visto das guerras híbridas no Brasil e no mundo. Timing perfeito", aponta o jornalista Wilson Ferreira, editor do blog Cinegnose
Por Wilson Ferreira, do blog Cinegnose – Velhas guerras, novas estratégias. Se pela Convenção de Genebra (tratado de 1949 que define direito e deveres de pessoas e combatentes em tempos de guerra) mulheres e crianças, como de resto a população civil, são protegidos por diversos artigos e protocolos adicionais, com as modernas táticas de guerra híbrida elas se tornam as principais vítimas.
A questão é que a Guerra Híbrida não é uma guerra convencional: é a uma guerra semiótica: uma combinação de operações secretas, pressão diplomática, coerção econômica, ciberataques e muita desinformação – sempre procurando apresentar a ideia de uma confrontação entre um corpo policial repressivo do governo-alvo do momento contra "protestos pacíficos".
Seguindo o roteiro do cientista político Gene Sharp, da chamada "luta não-violenta" implementada pelos manuais de intervenção híbrida dos EUA, "protestos pacíficos" se transformam rapidamente em incêndios, saques, bloqueios, nos quais manifestantes se confundem com milícias armadas. Sempre visando criar eventos para repercutirem midiaticamente como bombas semióticas para opinião pública. E mulheres e crianças são as vítimas exemplares.
A morte da estudante brasileira de medicina Raynéia Lima em Manágua, capital da Nicarágua, soma-se à estatística de centenas de mortos desde que os protestos explodiram no país em outubro. Ela voltava para casa quando seu carro foi alvejado supostamente por paramilitares que tomaram o Campus da Universidade Nacional Autônoma.
O sintomático nesse trágico episódio foi a consonância da narrativa da grande mídia e do governo brasileiro: a condenação imediata do "aprofundamento da repressão" aos protestos na Nicarágua, antes de qualquer investigação ou de declarações "do outro lado". De cara, a execução da estudante brasileira foi colocada na conta do governo Daniel Ortega.
É como se o assassinato fosse uma espécie de "deixa" para colocar no ar uma narrativa já pronta.
Crise "inesperada"
E nem é necessário se aprofundar na diferença de tratamento dada pelo governo do desinterino Temer: enquanto o episódio das 51 crianças brasileiras presas separadas dos pais (imigrantes brasileiros nos EUA sem documentos) foi tratado de forma burocrática e protocolar, no assassinato de Raynéia a diplomacia do governo brasileiro mostrou uma indignação poucas vezes vista: o Itamaraty convocou a embaixadora da Nicarágua para dar explicações, enquanto o embaixador brasileiro naquele país foi chamado de volta a Brasília.
O fato é que desde 18 de abril desse ano começou aquilo que a grande mídia vem descrevendo como "um amplo e popular levante" contra o presidente do país centro-americano Daniel Ortega.
A crise começou de uma forma inesperada: pequenos grupos protestavam contra a reforma do sistema previdenciário quando foram violentamente atacados por supostos grupos pró-governo. Os vídeos da repressão foram amplamente divulgados nas redes sociais – foi o rastilho de pólvora aceso para acabar gerando mais protestos e a espiral da violência e mortes nas ruas.
Desde então a crise nicaraguense segue o mesmo script da crise brasileira a partir das chamadas "jornada de junho" de 2013, marco da guerra híbrida brasileira que culminou com o impeachment de 2016.
Financiamento de grupos capazes de articular protestos nas ruas; pequenos grupos promovendo ações extremamente violentas para repercussão midiática, provocando levantes dos setores médios da sociedade. E o pano de fundo diário é a mídia corporativa, articulada em um discurso unitário de denúncia de "corrupção", críticas ao afastamento do país em relação aos EUA e promoção do ideário neoliberal. E, principalmente, articulação de agentes internos no próprio Estado – judiciário, polícias etc. É um roteiro já assistido nas diversas primaveras que correram o mundo.
Não são mais necessárias bombas e mariners: a Guerra Híbrida encontra aqueles que façam o trabalho internamente em um país.
O elemento feminino de propaganda na Guerra Híbrida
Mas o assassinato brutal da estudante brasileira coloca em evidência um elemento importante na receita de uma Revolução Popular Híbrida (RPH): a vítima feminina como importante peça de propaganda.
O momento certo da vítima feminina aparecer é quando a grande mídia internacional já está retratando a RPH como "popular", "espontânea" e como "o novo" na velha política carcomida pela corrupção.
Há quatro maneiras de produzir essa vítima: encenação (ex: a iraniana Neda Agha-Soltan, o "anjo da liberdade", olhando para a câmera enquanto aplicava sangue falso em si mesma); glamorização (Caetano Veloso tecendo elogios a mulheres black blocs como "os olhos amendoados do anarquismo); dar ampla repercussão midiática e em mídias sociais de mulheres vítimas de ações repressivas; encontrar uma fanática suicida; ou criar uma execução real.
E a RPH nicaraguense optou pela última alternativa.
No caso da RPH brasileira não faltaram bombas semióticas da vítima feminina:
(a) Sob a rubrica diária de "País em Protesto" na grande mídia, foi dado grande destaque a duas manifestantes femininas atropeladas em protestos na cidade de Ribeirão Preto quando a Land Rover de um empresário. Vídeo circulou em redes sociais, dando mais um empurrão simbólico às "jornadas" de junho de 2013 – clique aqui.
(b) O episódio de mulheres salvando cães beagles cobaias em um Instituto farmacêutico em São Roque/SP em 2013: mulheres de classe média salvando animaizinhos em meio a fogo e quebradeira de black blocs. Claro, para jogar a culpa no Governo e Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) – clique aqui.
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