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    British cocaína: Pó branco é o assunto do momento no reino de Elizabeth

    No Brasil, a apreensão de quase meia tonelada de cocaína pura no helicóptero de dois deputados mineiros, os Perrella, pai e filho, trouxe o tema mais uma vez à ribalta. No Império Britânico notícias sensacionalistas sobre o banqueiro Paul Flowers, o prefeito de Toronto Rob Ford, e agora a chef Nigella Lawson, fazem furor. Por que o consumo da cocaína é tão difuso no mundo de hoje?

    No Brasil, a apreensão de quase meia tonelada de cocaína pura no helicóptero de dois deputados mineiros, os Perrella, pai e filho, trouxe o tema mais uma vez à ribalta. No Império Britânico notícias sensacionalistas sobre o banqueiro Paul Flowers, o prefeito de Toronto Rob Ford, e agora a chef Nigella Lawson, fazem furor. Por que o consumo da cocaína é tão difuso no mundo de hoje? (Foto: Gisele Federicce)
    Gisele Federicce avatar
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    Por Andrew Anthony. Fonte: The Guardian

    "A cocaína faz com que um bom homem fique ainda melhor", disse Tim Bell, magnata da publicidade e membro do Parlamento britânico. Isso aconteceu na década de 1980 quando, na Inglaterra, essa droga desfrutava de uma imagem elegante e era frequentemente associada a atividades dinâmicas como a publicidade e os serviços financeiros.

    Histórias de excessos movidos a poder de coca corriam soltas, mas, apesar de serem quase sempre exprimidas em linguagem de indignação moral, tais relatos ostentavam também um ar de hedonismo chique. Como disse na época, fazendo piada, o ator Robin Williams, "a cocaína foi a melhor forma encontrada por Deus para lhe dizer que você tem muita grana para gastar".

    Na parede do quiosque, o jornal The Evening Star anuncia grande reportagem sobre o consumo da cocaína na Inglaterra

    Três décadas depois, na atualidade, a cocaína faz mais uma das suas periódicas reivindicações de uso das manchetes nos jornais, mas desta vez nem mesmo a interpretação mais generosa dos fatos poderia encontrar nessas notícias alguma sugestão de glamour. A primeira celebridade a aparecer foi Rob Ford, o prefeito de Toronto, homem morbidamente robusto, que admitiu ter fumado crack durante uma farra regada a álcool. Como se isso não fosse suficientemente pouco edificante, um de seus assessores disse à polícia que Ford tinha "cheirado cocaína em companhia de uma prostituta durante uma festa no Dia de São Patrício".

    Logo depois, chegaram alegações de que o Reverendo Paul Flowers, pastor metodista britânico, ex-presidente do Banco Co-operative, fora preso após ser flagrado comprando cocaína e contratando os serviços de garotos de programa. Além desses interesses, soube-se depois que o pastor também gostava dos efeitos de certos tranquilizantes veterinários usados para acalmar cavalos e outros produtos do gênero. Claro, pode-se discutir se Ford e Flowers são bons grandes homens, mas certamente não há nada de grande no efeito que a cocaína exerceu em suas vidas públicas.

    Reverendo Paul Flowers, pastor metodista, político e diretor de banco

    Como já foi observado, Flowers (que foi apelidado de "metodista cristalino" por gostar também dos cristais de metadona, uma anfetamina), apresenta uma certa semelhança com o Tio Monty, o personagem excêntrico e lascivo do filme Withnail and I (Os Desajustados, no Brasil). Juntos, ele e Ford fizeram mais para tirar o glamour da cocaína do que todas as campanhas de saúde pública juntas.

    É verdade que há poucos dias a figura muito mais fotogênica de Nigella Lawson – célebre chef de cozinha, jornalista e apresentadora de televisão foi objeto de pesadas acusações num tribunal londrino relacionadas com o uso e o abuso de cocaína. Mas como o pano de fundo dessas acusações era um divórcio amargo e a disputa de um gordo patrimônio, a história de Nigella não teve o mesmo efeito sedutor das anteriores.

    Nigella Lawson, jornalista, apresentadora e chef-de-cuisine

    Como diz um ex- usuário, a droga que há algumas décadas se podia encontrar no comércio tinha um perfil cultural mais elitista. "Quando comecei a cheirar cocaína", lembra Zac (nome fictício), importante personagem no setor da gastronomia em Londres, "toda a oferta se limitava ao balcão do Studio 54 para os que queriam ficar ligados a noite toda. A cocaína não era fácil de encontrar. Agora você pode comprá-la no pub da esquina da sua casa".

    Mas se é verdade que a Grã-Bretanha tem os mais altos índices de consumo de cocaína em toda a Europa, essa droga foi a única no país cujo uso aumentou desde 1996. É também verdade que seu consumo caiu a partir de 2008, sobretudo entre os jovens, por causa, provavelmente, da crise econômica.

    O uso de cocaína aparentemente caiu pela metade para os jovens na faixa entre os 16 e os 24 anos. Em 2008, pouco antes da crise econômica, estimava-se que cerca de 6% dos jovens dessa faixa etária consumissem cocaína habitualmente. Mas entre as pessoas mais velhas o declínio do consumo é muito menor. Há uma ligeira tendência de queda que pode, sem dúvida, ser atribuída a fatores como o aumento da instabilidade do emprego e a diminuição da renda disponível, mas estudiosos do comportamento social dizem que a queda de consumo entre os jovens aponta na verdade para um aprofundamento cada vez maior do fosso existente entre os padrões de atitudes geracionais.

    Para as pessoas mais jovens, que nasceram e cresceram num ambiente mais permissivo e relaxado em relação ao uso de drogas, é como se a disponibilidade mais fácil da cocaína tivesse diminuído o seu apelo subversivo. Para os mais velhos, essa droga ainda conserva o seu perfume de mistério formalizado nos seus rituais de inalação: o aceno furtivo, a nota enrolada, o convite para visitar o banheiro.

    "É ridículo", diz Mateus, 49 anos, advogado de uma empresa. "Estive em festas onde havia mais gente aglomerada no banheiro do que fora dele. Mas essa estranha etiqueta (cheirar no banheiro da casa) ainda é mantida. Acho que ela tem a ver com exclusão e inclusão. Quem está dentro do banheiro, quem está fora, quem é legal, quem é careta. É uma coisa realmente infantil, mas se você é um profissional de meia-idade que não sai muito da própria casa, nesse caso o banheiro cheio na casa de alguém pode parecer o ponto mais quente da cidade".

    Rob Ford, o prefeito da cidade de Toronto

    A droga funciona ao amplificar o neurotransmissor chamado dopamina (uma substância química que o cérebro produz naturalmente). A acumulação de dopamina no processo das sinapses provoca uma sensação de euforia. O efeito, no entanto, diminui com a repetição, e a alegria inicial é muitas vezes seguida de uma depressão. As primeiras vezes que a droga "bate" podem ser, no entanto, intensamente prazerosas. Já em 1884, Sigmund Freud escreveu para sua noiva descrevendo sua experiência de uso de uma "substância mágica". Ele disse: "uma pequena dose me levou às alturas de uma forma maravilhosa". Nos 12 anos que seguiram, Freud foi um usuário regular da droga. Usou cocaína e, ao que parece, também abusou dela. Isso aconteceu antes que ele começasse a desenhar a sua teoria da psicanálise, mas alguns biógrafos acreditam que tais experiências desempenharam um papel importante na formação dos seus conceitos sobre o funcionamento da mente humana .

    A ironia é que, agora, os herdeiros psicoterapêuticos de Freud estão tendo de tratar muitas vítimas da droga que inspirou o criador da "cura pela fala" a escrever "Über Coca", o ensaio que escreveu em louvor da cocaína.
    Nicholas King, que assiste drogados na região norte de Londres, diz que seus clientes vêm de todas as idades e classes sociais. "É a droga ilícita mais importante de toda a minha experiência de aconselhamento", ele diz. "Eles muitas vezes a usam com álcool, dizendo que o álcool é o táxi da cocaína".

    Este foi o caso de Zac , antes dele finalmente conseguir abandonar o vício, há nove anos, depois que sua esposa, de quem ele agora está divorciado, chamou a polícia no meio de uma violenta discussão. "Era uma máscara para o álcool. Eu podia beber muito mais quando estava sob o efeito da coca. A coca está sempre relacionada com o excesso. O usuário fica fora de controle muito rapidamente. Há um ciclo ligado à vergonha. O usuário toma a droga, comporta-se vergonhosamente e, em seguida, toma mais uma dose para parar de sentir vergonha".

    Além dos problemas psicológicos que muitas vezes resultam do uso prolongado ou excessivo de cocaína , também existem perigos físicos. Estima-se que o risco de ataque cardíaco pode aumentar em até 20 vezes e há maior chance de se sofrer um acidente vascular cerebral.

    Usuários de longo prazo parecem ignorar os riscos à saúde, diz Nicholas King. Há vários estudos sobre a correlação entre o uso da cocaína e paradas cardíacas. "Apesar de serem cidadãos e profissionais bem formados, os usuários em geral não têm conhecimento das consequências que o uso regular da cocaína representa para a saúde", diz a médica Gemma Figtree , professora associada de medicina na Faculdade de Medicina de Sydney, Austrália. "É a droga perfeita para levar ao ataque cardíaco".

    Há cinco anos, uma pesquisa encomendada pelo jornal Observer descobriu que na Inglaterra quase a metade das pessoas na faixa etária entre 16 e 34 anos havia consumido drogas ilegais. Se essas estatísticas são razoavelmente precisas, elas nos fazem pensar no que essas manchetes alarmistas e histórias indecentes realmente objetivam. E, dado que elas são produzidas por uma indústria – a da mídia – que não é exatamente imune ao consumo de cocaína, talvez uma análise mais séria e sóbria da questão faria lucrar a todos os interessados.

    De modo geral, as pessoas não usam cocaína com o propósito de arruinar suas vidas. Ao contrário, sua intenção é que ela melhore a sua experiência de vida. O problema é que uma experiência que no início pode ser definida como viva, excitante, social, pode rapidamente deteriorar e se transformar em algo sórdido, aborrecido e alienante.

    Como diz Mateus: "Quando você não é capaz de dormir porque está com a cabeça cheia de negatividade, quando você começa a ficar egoísta, escondendo a droga de seu parceiro, quando o mau humor aparece no dia seguinte, e então você começa a comprar quantidades maiores para evitar ter de sair por aí nas madrugadas, pode estar certo que você está apenas adiando a sua queda do penhasco. Mas tudo isso pode ser evitado, essa droga pode ser um prazer civilizado, desde que se use moderação".

    Embora reconhecendo a legitimidade desse apelo, Zac diz que não existe isso que chamamos de moderação. "Olho para as pessoas que cheiram coca e parece que estou vendo aqueles desenhos animados do Gerald Scarfe, de pessoas com rostos de lagarto. A realidade é realmente horrível".

    Com seus picos de arrogância e suas fossas punitivas, suas narrativas de pecado e redenção, a cocaína age como uma pedra-de-toque moral – ou imoral. Mas ela é apenas capaz de produzir alguns efeitos fisiológicos. Infelizmente, nenhum deles faz com que um bom homem fique ainda melhor. Isso é apenas uma desculpa para que esse homem comece a agir mal.

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