Por: Luis Pellegrini
Fonte: www.luispellegrini.com.br
A tradição das pinturas rupestres – obras de arte que utilizam as paredes de cavernas e de rochedos como suporte – existe desde que o homem surgiu na face da Terra. Os sítios onde elas podem ser admiradas estão espalhados por todos os continentes, e certamente constituem a prova mais evidente e tangível de que o ser humano, desde as origens, não pode prescindir da criatividade artística como uma das suas prerrogativas mais importantes.
Alguns desses sítios, como os da Serra da Capivara, no Brasil, Lascaux e Chauvet na França, Altamira na Espanha, e tantos outros, são verdadeiras galerias de arte de surpreendente alta qualidade capazes de deixar não apenas os turistas visitantes, mas também os grandes especialistas literalmente de queixo caído quando as contemplam. Há obras cuja qualidade técnica rivaliza e até mesmo supera as capacidades dos melhores artistas contemporâneos.
Apesar do seu inigualável valor artístico, histórico e cultural, no Brasil, nossas autoridades dedicam pouca ou nenhuma atenção a tais sítios. No que diz respeito ao maior e mais importante deles, o Sítio da Pedra Furada, na Serra da Capivara, sul do Piauí, o descaso chegou a tal ponto que a arqueóloga Niède Guidon, diretora e mentora do parque preferiu recentemente, em desespero de causa, fechar suas portas e parar todas as atividades. As verbas federais foram cortadas e os funcionários da fundação que controla o parque da Serra da Capivara sequer tinham dinheiro para comer!
Enquanto isso, no resto do mundo, os governos zelam por esses patrimônios culturais da humanidade localizados em seus territórios. Eles são protegidos e amparados, e a população local é educada para não cometer atos de vandalismo, roubos ou depredações…
Aqui vão alguns exemplos de arte rupestre provenientes de vários sítios ao redor do mundo. Começando com o fascinante O Beijo, uma das pinturas emblemáticas da nossa Serra da Capivara.
1 Pedra Furada, Serra da Capivara, Piauí, Brasil
Mais de mil pinturas rupestres foram descobertas nas imediações da Pedra Furada, no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Nordeste do Brasil. Esses sítios, de extrema beleza, provocaram uma certa controvérsia quanto à sua exata datação, já que alguns especialistas acreditam que os primeiros homens que viveram na área ali chegaram antes da assim chamada “Tribo de Clóvis”. Outros estudiosos da pré-história afirmam os membros dessa “tribo” foram os primeiros humanos a se estabelecer nas Américas.
No Parque da Serra da Capivara existem centenas de sítios arqueológicos, o que faz dele uma das mais ricas e importantes zonas pré-históricas do mundo. Mais de 150, incluindo vários repletos de obras de arte rupestre, estão abertos ao público. Informe-se contudo antes de visitar o parque, pois sua diretora e mentora, a arqueóloga franco-brasileira Niède Guidon, fechou os portões recentemente devido ao quase total desemparo financeiro por parte das autoridades brasileiras.
2 Cavernas de Lascaux, França
As pinturas rupestres das cavernas de Lascaux, no sudoeste da França, não figuram entre os mais antigos exemplos dessa arte no mundo, mas são consideradas dentre as mais surpreendentes pela sua qualidade e riqueza. Tais pinturas, realizadas aproximadamente há 17 mil anos, mostram grandes animais, tais como touros e cavalos, abundantes nessa região da Europa durante a era Paleolítica. As imagens foram descobertas em 1940 por um grupo de adolescentes, e a caverna foi designada Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 1979.
Infelizmente, Lascaux está agora fechada à visitação pública porque as pinturas começaram a se deteriorar e no seu interior foram descobertos fungos e mofos. Mas os turistas curiosos podem visitar uma réplica das partes principais da caverna original, denominada “Lascaux II”, localizada a cerca de 200 metros da caverna real. Intensos trabalhos são realizados no momento para proteger as pinturas originais de ulteriores deteriorações.
3 Caverna dos Nadadores (Cave of Swimmers), Egito
Turistas podem ver pinturas originais em outro sítio famoso: a Caverna dos Nadadores. Tais pinturas retratam pessoas nadando, embora a caverna esteja localizada num dos últimos lugares da face da Terra que poderíamos associar a atividades baseadas na presença de água: o deserto do Saara, no Egito. Alguns cientistas defendem a hipótese de que um grande lago ou rio existia naquela área em tempos pre-históricos, anteriores à sua desertificação.
Muitas pessoas podem reconhecer essa caverna porque ela foi mostrada no filme “The English Patient” (O Paciente Inglês). Partes do seu interior foram danificadas por visitantes, mas as autoridades locais têm desenvolvido esforços para treinar guias de modo a impedir que os turistas cometam mais danos. Por causa da localização remota, relativamente poucos turistas visitam a caverna na atualidade. Ela é, na verdade, apenas a mais importante das muitas cavernas da área que contêm pinturas rupestres.
4 A Caverna de Altamira, Espanha
Pinturas rupestres foram encontradas em toda a extensão desta grande caverna situadas no norte da Espanha, a cerca de 40 quilômetros da cidade de Santander. Cientistas acreditam que as pinturas que se sucedem ao longo de um quilômetro de corredores, foram feitas no decurso dos últimos 20 mil anos, com alguns pesquisadores sugerindo que as mais antigas foram produzidas por neandertais.
A caverna foi aparentemente selada pela queda de uma grande rocha, e graças a isso as pinturas permaneceram muito bem conservadas até a data da sua descoberta, nos anos 1880. Foram necessárias décadas para que os céticos se convencessem da sua autenticidade, já que muitos achavam que as obras eram sofisticadas demais para serem feitas por homens tão primitivos. As pinturas de Altamira infelizmente começaram a se deteriorar por causa do CO2 produzido pela respiração dos visitantes. Hoje, estuda-se a possibilidade de criação de uma réplica da caverna. Enquanto isso, os administradores desse extraordinário patrimônio reduziram a uma cifra muito pequena o número de visitantes na caverna original, apesar do receio de alguns expertos de que até mesmo um número limitado de visitantes poderá arruinar as pinturas.
5 Parque Nacional Kakadu, na Austrália.
O Parque Nacional Kakadu, situado na região escassamente povoada do norte da Austrália, contem alguns dos mais importantes exemplos da “arte sobre pedra” criada pelos nativos australianos. As pinturas foram feitas em paredões sob os quais os aborígenes se abrigavam para se proteger dos elementos. Acredita-se que algumas dessas imagens tenham cerca de 20 mil anos de idade.
Essas pinturas contam a história da presença humana na Austrália, desde os tempos pré-históricos até os primeiros contatos com exploradores e colonizadores vindos de outros continentes. Para esses antigos artistas, o ato de pintar era considerado mais importante que a própria imagem resultante desse trabalho.
6 A caverna Magura, Bulgária
Situada na Bulgária, a Caverna Magura contem pinturas rupestres que datam entre 8 mil a 10 mil anos. Acredita-se que as imagens retratem festivais, eventos importantes e as divindades específicas da cultura dos antigos habitantes balcânicos. Nela existem também evidências de um calendário solar, um dos mais antigos jamais descobertos. Depois de estudar essas imagens, cientistas descobriram que elas foram feitas usando-se guano (fezes) de morcego.
Visitantes podem atualmente apreciar algumas dessas pinturas durante uma visita à caverna. Mas essas visitas exigem a presença de um guia treinado, e o pagamento de uma taxa extra se o visitante quiser visitar as câmeras onde as pinturas foram feitas.
7 Caverna das Mãos (Cueva de las Manos), Argentina
Um dos mais interessantes exemplos de arte pré-histórica pode ser apreciado na Patagônia argentina. Adequadamente chamada de Caverna das Mãos, ela mostra o contorno de um grande número de mãos humanas, pintadas com uma técnica similar à do estêncil sobre uma parede rochoso. A caverna contem outros tipos de pinturas também, quase todas mostrando cenas de caça a animais selvagens.
Tais impressões de mãos e outras imagens foram feitas a cerca de 9 mil anos. Muitos desses estênceis são de mãos esquerdas, o que sugere que o pintor segurava o recipiente com tinta na outra mão. A tinta era espirrada provavelmente com a boca sobre e ao redor da mão esquerda. Visitas guiadas dessa caverna são possíveis a todos que se dispuserem a viajar para essa região remota.
8 Abrigos de pedra em Bhimbetka (Bhimbetka Rock Shelters), Índia
Situado no estado indiano de Madhya Pradesh, esse sítios arqueológico contem algumas das pinturas rupestres mais antigas da Ásia do Sul. As imagens permaneceram extraordinariamente bem conservadas ao longo dos anos. Cientistas estimam que os exemplos mais antigos foram pintados aproximadamente há 30 mil anos.
Algumas imagens no entanto são muito mais recentes, existindo inclusive algumas que datam da Idade Média. Possuir num único lugar obras de arte que datam desde a pré-história até a Idade Média é coisa muito rara. Os abrigos, que fazem parte do acervo do Patrimônio da Humanidade da Unesco estão diariamente abertos à visitação pública.
9 Caverna Pettakere, Indonésia
Esta caverna, situada na ilha de Sulawesi, na Indonésia, tem atraído a atenção porque datações recentes efetuadas com carbono 14 remontam a idade das primeiras obras nela contidas a até 40 mil anos. Se esses cálculos estiverem corretos, significa que os artistas que pintaram Pettakere viveram muito antes do aparecimento daqueles que trabalharam nas cavernas europeias.
Pettakere contem muitos estênceis de mãos, como aqueles da Argentina. Aparecem também pinturas de animais. Turistas podem visitá-la como parte de um tour que inclui também uma parada para se visitar interessantes formações rochosas situadas na mesma área.
11 Caverna Chauvet, França
A Caverna de Chauvet ou Chauvet-Pont-d’Arc está localizada na região de Ardeche, no sul da França. Tornou-se famosa em 1994 quando um trio de espeleólogos a descobriu, verificando-se que além de restos fossilizados de muitos animais, alguns já extintos, ela continha um grande número de obras de arte rupestre de extraordinário nível de beleza e qualidade técnica.
Chauvet contem alguns dos mais extraordinários desenhos e pinturas rupestres pré-históricas jamais encontrados. E, o mais surpreendente, é a antiguidade das obras, que datam de cerca 35 mil anos! Essa caverna está selada desde a sua descoberta para preservar o seu precioso acervo artístico. O local só é aberto de vez em quando, para permitir a entrada de cientistas ou de fotógrafos e jornalistas. Os serviços do patrimônio cultural francês construíram nas imediações um grande museu e centro de estudos, onde os visitantes podem encontrar réplicas muito bem executadas das principais pinturas de Chauvet.
Vídeo: A aurora da arte (The Dawn of Art), Caverna de Chauvet, França