A chantagem como arma política
Dilma não teve alternativa senão prorrogar as emendas
Algumas nocivas práticas políticas brasileiras são tão rotineiras, tão usuais, que acabam sendo consideradas normais por muita gente que nelas não se envolve diretamente. Que os protagonistas dessas práticas achem que é assim que deve ser, tudo bem. Estão ganhando com isso. Mas nada justifica que cientistas políticos e jornalistas, por exemplo, digam e escrevam que política é isso mesmo.
Essas práticas pouco ou nada republicanas são em boa parte exercidas abertamente graças a essa conivência dos que as acham normais. E geralmente são criticadas no varejo, quando o problema e a solução se dão no atacado. O enfrentamento do problema exige mudanças profundas na maneira de se fazer política no Brasil, mas não há nenhuma indicação de que isso possa acontecer nos próximos anos.
Inicialmente a presidente Dilma Rousseff parecia decidida a enfrentar o fisiologismo, o patrimonialismo e a corrupção dos políticos. Deu, nos primeiros meses, alguns indícios de que resistiria a movimentos suspeitos de parlamentares que, a bem da verdade, estão em todos os 15 partidos que apoiam o governo no Congresso Nacional.
Mas veio o episódio que envolveu o então ministro Antonio Palocci e esse quadro começou a mudar. A falta do necessário diálogo e entendimento com as forças políticas, fato real, foi deliberadamente confundida com o não atendimento de pedidos e reivindicações espúrios, como se fossem a mesma coisa. Pressionada, a presidente começou a recuar.
Nos últimos dias, a presidente estava deixando claro que não cederia à pressão dos políticos para prorrogar a liberação de restos a pagar do Orçamento de 2009 no valor de R$ 4,6 bilhões. Vítima de chantagem explícita aplicada até por líderes de seu bloco de apoio, a presidente mostrou-se decidida a defender a austeridade fiscal e o controle da inflação e falou até em interesses nacionais que se oporiam aos interesses clientelísticos dos parlamentares.
Mas a chantagem ficou mais forte, com ameaças de não votar o que interessa ao governo e votar o que não interessa. Sem a menor preocupação com as consequências financeiras do que os chantagistas políticos votariam. O líder do PMDB, Henrique Alves, falou em “mal-estar” da base. O líder do PT, Cândido Vaccarezza, disse que não conseguiria controlar a base. O vice-presidente da Câmara, Eduardo da Fonte, do PP, anunciou a implosão da base.
Sempre a base. O que é essa base? Um aglomerado de parlamentares sem identidade política ou ideológica, espalhados por partidos que têm representatividade e partidos que nada representam. A base está mais preocupada em eleger prefeitos e vereadores em 2012 e assegurar o futuro político de seus integrantes em 2014.
Dilma acabou recuando e prorrogando a execução das emendas parlamentares por três meses, dando assim mais prazo para que prefeitos e governadores iniciem as obras beneficiadas. Não tinha outra saída, pois os deputados insatisfeitos poderiam causar grande prejuízo aos cofres públicos.
No presidencialismo brasileiro o presidente pode muito, mas não pode tudo, o que é muito bom. Mas para que as relações entre o Executivo e o Legislativo se deem de forma correta e elevada e o país não esteja nas mãos de parlamentares mais interessados em seus negócios pessoais e privados do que nos interesses do país, muita coisa tem de mudar no atacado: reforma do Estado, reforma política, reforma eleitoral.
O problema é que como tudo isso depende do Congresso, nada vai acontecer. E a chantagem política continuará sendo uma arma poderosa nas mãos da famosa base.
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