Aos 100 anos de Leonel Brizola, país ainda tenta resgatar a democracia e a legalidade
Socióloga e historiador falam da importância do legado do homem que liderou a Campanha da Legalidade pela posse de João Goulart em 1961
Por Eduardo Maretti, da Rede Brasil Atual - Neste sábado completam-se 100 anos do nascimento de Leonel de Moura Brizola, um dos mais importantes líderes da história da esquerda brasileira. Nascido no povoado de Cruzinha (RS), ele morreu no Rio de Janeiro, em 21 de junho de 2004. Foi deputado estadual (RS) e federal, prefeito de Porto Alegre, governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. Não conseguiu chegar ao Palácio do Planalto, que disputou como candidato a presidente (em 1989 e 1994) e como vice na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva (em 1998).
Exilado por 15 anos no Uruguai durante o período da ditadura (1964-1985), voltou ao Brasil em 1979. Depois de perder a histórica legenda do PTB getulista para a deputada Ivete Vargas, sobrinha-neta de Getúlio Vargas, que “roubou” a sigla num golpe judicial, fundou o Partido Democrático Trabalhista (PDT), que hoje tem Ciro Gomes como pré-candidato à presidência.
Herdeiro do trabalhismo de Getúlio Vargas, Brizola liderou, em 1961, a histórica Campanha da Legalidade, mobilização civil e militar deflagrada para garantir a posse de João Goulart como presidente do país, após a renúncia de Jânio Quadros. Jango não era aceito por parcela importante das Forças Armadas.
Para comentar o centenário, a RBA ouviu a socióloga Maria Victoria Benevides e o historiador Chico Alencar, ex-deputado federal pelo Psol do Rio de Janeiro. Brizola é classificado como “o último getulista” pela socióloga da Universidade de São Paulo. Para o historiador, o legado talvez mais importante de Brizola “é a política com valores, a partir de princípios, de concepções, de afirmação, de convicções e da preocupação com a nossa gente”.
Leia os depoimentos de Maria Victoria Benevides e Chico Alencar sobre os 100 anos de Leonel Brizola
“A força de Brizola pela educação pública” (Maria Victoria Benevides)
“Eu o considerava o último getulista. Mas o que mais me impressionava nele era o patriotismo, muito diferente de patriotadas, no sentido da defesa radical da soberania nacional, desde o governo estadual no Rio Grande do Sul. Dois tópicos importantes na biografia política de Brizola são a soberania nacional e o impulso que ele deu, no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro, na sua vida parlamentar, à educação pública. Mesmo as pessoas que não gostam das posições políticas dele são obrigadas a reconhecer isso.
Ele sofreu uma oposição muito pesada, e acho que uma das maiores tristezas de Brizola foi perder a sigla PTB, que identificava o trabalhismo fortemente ao nacionalismo desenvolvimentista, que ele enfatizava. Nunca se conformou de perder o PTB para Ivete Vargas, que destruiu o PTB. E o PDT, até hoje, custa a identificar Brizola nas suas origens.
A história foi injusta com ele. Não se reconhece nele as características que eu aponto. Ele sofreu uma oposição muito grande também porque, em termos externos, foi ligado à Internacional Socialista, ao socialismo da social-democracia, não ao comunismo. É um erro grave identificar Brizola com o pensamento e doutrina comunista. Podia até fazer alianças eleitorais, não iria recusar apoio dos comunistas, mas era ligado à internacional socialista, que o apoiou no tempo do exílio.
Uma ligação política muito importante dele foi com Darcy Ribeiro. A força de Brizola pela educação pública deve muito a Darcy Ribeiro. Defendia, sempre defendeu, algo hoje considerado uma meta a se alcançar: o ensino integral na escola pública. Defendia também as escolas técnicas. Achava importante que os mais pobres chegassem ao ensino superior, mas muito importante também que o Brasil, a exemplo dos europeus, desse impulso às escolas técnicas, exigência para o desenvolvimento nacional.
Na época das ‘Diretas Já’, a presença de Brizola era muito importante. Ulysses, Brizola, Montoro e Tancredo, que estava longe de ser brizolista, mas achava que Brizola tinha que fazer parte daquela frente. E é importante dizer isso para lembrar a necessidade de uma frente antibolsonaro hoje. Uma frente ampla. Não a gente ficar só nós, e não sair da nossa bolha. Brizola faz muita falta.”
“O Brizola incandescente agitador popular” (Chico Alencar)
“Impossível, para mim, falar de Brizola sem misturar saudavelmente a memória de ordem pessoal com a memória política. Brizola e política formam uma identidade, uma unidade inquebrantável.
Jovem professor de história nas lutas pela redemocratização e lutas contra a ditadura, eu sabia de Brizola, das reformas de base, do Brizola governador do Rio Grande do Sul, deputado mais votado pela Guanabara, do Brizola dito radical, à esquerda de Jango. Do Brizola da reforma agrária “na lei ou na marra” (lema da época de João Goulart), do Brizola incandescente agitador popular, grande tribuno. E eis que, com a anistia, que não foi tão ampla como queríamos, nem tão geral como devia ser, acabou sendo irrestrita para perdoar torturadores, elogiados por Bolsonaro.
Mas, de alguma maneira a anistia nos traz de volta muitos companheiros. Estavam no exílio e Brizola falava com aquele sotaque inconfundível: “Estar no exílio, não é verdade, é como uma árvore com as raízes arrancadas de ponta cabeça. Fenece, com o tempo.”
Pois bem. Então encontrei Brizola, ao vivo, em cores e verve, na campanha de 1982 para o governo do estado do Rio. Ele tinha então 3% de intenção de voto. Disse uma vez, para espanto geral, na UFRJ: “sinto que vou vencer”. Houve um misto de aplauso e riso com aquela ousadia de apostas. Pois não é que deu Brizola na cabeça?! Uma beleza! Me lembro de um comício na minha Tijuca, na (Praça) Saens Peña, no finalzinho da campanha: Brizola, Darcy, Saturnino (Braga), que euforia, que bonito! E Brizola com suas falas longas, sempre magnetizando e atraindo a atenção.
Depois o Brizola governador, o programa Mãos à obra na escola, uma nova concepção de polícia… Tentativas difíceis – o governador promete, mas o sistema diz “não”.
As sinuosidades de Brizola, as dificuldades aqui e ali não tiram a grandeza histórica da sua figura, do seu partido trabalhista de verdade, cuja legenda, PTB, foi tomada por um golpe judicial e eleitoreiro. E o PTB hoje é de Roberto Jefferson. Uma vergonha.
Talvez o que Brizola tenha deixado de legado mais importante, não como um ser infalível – ninguém é –, com suas contradições, que todos temos, é a política com valores, a partir de princípios, de concepções e afirmação, de convicções e da preocupação com a nossa gente.
O Niemeyer na arquitetura com seu traço ousado, futurista, sempre pensando no povo, na amplitude; Darcy com sua verve antropológica, preocupado com os brasileiros afundados na “ninguendade”, como ele dizia, lembrando que somos um povo feito de povos desfeitos. Isso tudo é somatório de uma ambiência, de uma cultura, que nos deu como liderança política essa figura ímpar de Leonel Brizola. Cem anos de nascimento! Perenidade na vida política do Brasil.”
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