Extrema-direita explorou vácuo deixado pela esquerda nas eleições, diz analista
"O que oferecemos é um reflexo pálido, uma sombra conformada", critica o economista David Deccache
Por David Deccache, no X - Independentemente dos resultados das urnas, essas eleições foram uma encenação cínica, uma coreografia patética para provar que a esquerda também sabe se curvar ao sistema.
Enquanto o ódio pelo estado de coisas cresce nas ruas — esse ódio puro, genuíno, que não cabe em discursos reciclados — a extrema direita se apodera dele com brutalidade. Ela se alimenta desse rancor, o molda, o expande, brutalizando ainda mais o sistema, acentuando a perversidade já instalada. E a esquerda? A esquerda, em vez de incendiar o descontentamento, faz reverência ao velho, vendendo-se em promessas mornas de "boa gestão" e "honestidade", como se fosse isso que o povo espera enquanto vê o mundo desmoronar ao seu redor.
E não só isso: ao nos colocarmos como a solução para corrigir as falhas do sistema e fazê-lo "funcionar", deixamos o vácuo do radicalismo. Ao nos oferecermos como gestores mais eficientes e "honestos", alimentamos a força da extrema direita e reforçamos a farsa de que é ela quem está ao lado do ódio, da mudança radical, da destruição do sistema que está aí.
É um oportunismo burro e covarde enfrentar as eleições achando que um suposto programa eleitoral bem estruturado, como um manual de instruções de gestão do sistema "baseado em evidências", vai nos dar qualquer espaço. Aliás, sejamos francos: nem somos tão bons assim nessa gestão. Não conseguimos nem apresentar um currículo convincente de "gerentes do caos". Para isso, já existem Eduardo Paes, João Campos, Tábata Amaral e Cia., amparados por organizações como PSD, MDB, PSB e, no limite, o próprio PT.
Alguém poderia argumentar que minha crítica tem um furo, e com toda razão, dizendo que essa esquerda morta ainda existe como um zumbi, oferecendo ao sistema seu diferencial: a capacidade de gerir e aprofundar o projeto neoliberal sem gerar revoltas, anulando forças capazes de mobilizar as ruas. Mesmo morta como esquerda, ainda persiste como zumbi para conter e se alimentar do sangue das organizações e das lutas da classe trabalhadora. E ninguém aguenta mais, a natureza não aguenta mais; o abismo está logo ali, e em breve nem o sangue do povo nem o da natureza estarão disponíveis para saciar o capital.
Transformação? Rasgar o sistema? Inspirar a construção de um novo mundo? Não, o que oferecemos é um reflexo pálido, uma sombra conformada, um aceno de quem pede permissão para existir ao capital e seus aparelhos ideológicos. Perdemos a ousadia e entregamos a rebeldia de bandeja àqueles que não têm vergonha de brandir o caos.
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