Gleisi Hoffmann ao 247: neoliberalismo não combina com democracia
Em entrevista à jornalista Tereza Cruvinel, a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann, afirma que o partido agora está mais preparado para enfrentar os desafios que tem pela frente, entre eles o combate ao governo Bolsonaro e ao projeto neoliberal executado por Paulo Guedes. E anuncia um reposicionamento da campanha Lula Livre: "a luta continua. Ele está solto, mas não está livre"
Por Tereza Cruvinel - A deputada federal Gleisi Hoffman (PR) foi reeleita como presidente do PT em novembro mas só na última sexta-feira, 17, os novos integrantes da Comissão Executiva foram escolhidos e empossados. E com isso, o partido concluiu a renovação de seu comando, depois de sofrer suas mais avassaladoras derrotas, com a deposição de Dilma Rousseff pelo golpe de 2016 e a prisão de Lula em 2018. Na eleição municipal de 2016, perdeu metade de suas prefeituras e na de 2018 viu sua bancada federal encolher. Nesta entrevista ao Brasil 247, Gleisi Hoffmann diz que o partido agora está mais preparado para enfrentar os desafios que tem pela frente: o combate ao governo Bolsonaro e ao projeto neoliberal executado por Paulo Guedes, as eleições municipais e reconexão do PT com suas bases, os movimentos sociais e a sociedade. As eleições, diz ela, serão também uma oportunidade para o partido e Lula falarem diretamente ao povo, quebrando a invisibilidade imposta pela mídia corporativa. Ela anuncia um reposicionamento da campanha Lula Livre, agora pela reconquista dos direitos políticos do ex-presidente, reafirma a opção por candidaturas próprios onde for possível, sem descartar alianças onde aliados de esquerda estiverem melhor posicionados. “O novo normal do governo é o desemprego, a fome voltando e a renda caindo”, diz ela, defendendo também uma oposição parlamentar mais agressiva das oposições no Congresso. Confira.
247 – Agora que a nova executiva foi composta e empossada, a senhora considera o PT melhor armado para enfrentar a conjuntura em curso, com governo autoritário, projeto neoliberal e eleições municipais à vista?
Gleisi – A recomposição do comando partidário é resultado de um processo de oito meses de discussões internas. Em abril do ano passado começamos a preparar o Congresso do partido, com a eleição dos delegados, por voto direto dos filiados. E assim foram eleitos os diretórios municipais, as direções estaduais e em novembro a direção nacional. Houve muito debate e muita participação, e isso foi muito importante, pois temos agora uma direção muito afinada com as bases partidárias. Finalmente agora em janeiro fizemos a composição do diretório e da executiva. São 94 membros do diretório e 26 da executiva. Considero que no final chegamos a uma composição muito positiva para o PT e para os desafios que precisamos enfrentar. Uma novidade que eu gostaria de destacar é o novo protagonismo das mulheres nessa nova gestão. Não que elas antes estivessem sub representadas. O estatuto do PT garante uma cota de 50% para a mulheres em seus organismos de direção. Mas agora temos um diferencial. Além de eu continuar na presidência do partido, temos mulheres em postos muito relevantes. Temos Gleide Andrade na secretaria de finanças, Maria do Rosário na de formação política, e Sonia Braga, do Ceará, na secretaria de organização. E ainda a Lucinha, da Bahia, na secretaria de movimentos populares, e a Laura Sitto na de mobilização. Agora seremos maioria. Serão 13 homens e 13 mulheres na executiva, mas contando com a presidente, as mulheres serão 14. Acho que o PT é o único partido com tal prevalência feminina. O PCdoB tem uma presidente mulher, a Luciana, mas não tem as cotas, assim como o PSOL.
247 – Ouvi críticas do gênero: a nova executiva foi renovada, está mais à esquerda que a anterior mas boa parte de seus integrantes carecem de maior experiência política para o enfrentamento da situação política atual. Isso procede?
Gleisi – Vamos lá. Estamos enfrentando uma situação difícil há pelo menos dois anos. E neste período, muitos disseram também que a direção carecia de experiência política. Com tudo o que enfrentamos, o PT era para estar destruído. E no entanto está vivo e ativo, sobreviveu a um massacre e aqui estamos polarizando com o Bolsonaro, na condição de partido que tem 30% de preferência dos brasileiros, segundo as pesquisas. O PT continua sendo o partido com mais força e protagonismo no campo da oposição ao governo que está aí. Tínhamos o Lula preso, interditado em sua ação política. Puxamos o Movimento Lula Livre, que encontrou eco na sociedade, para além do PT, e conseguimos a libertação do Lula. Daqui para a frente teremos outros desafios, mas a direção não é desprovida de experiência. Senão vejamos. Estou na presidência acompanhada, na executiva, de figuras como o José Guimarães, parlamentar experiente, ex-líder do partido na Câmara. Ninguém pode considerar inexperientes figuras como a deputada Maria do Rosário, o ex-ministro Luiz Dulci, o deputado Paulo Teixeira, que é o secretário-geral, o vereador Jilmar Tatto e outros mais. Todos são quadros provados no partido. O que buscamos foi combinar a renovação e a ampliação do espaço das mulheres com a escolha de quadros mais vividos e mais conhecidos. E isso resultará numa oxigenação do partido, num aumento de sua energia política.
247 – Qual é o plano de ação agora? Como superar a invisibilidade que a grande mídia impõe a Lula e ao próprio PT?
Gleisi – Nós temos pela frente dois grandes desafios. Um, naturalmente, é o eleitoral. Nas eleições de 2020 o PT precisa estar presente em todo o país, representado por seus candidatos ou candidatas, e valendo-se do processo eleitoral para falar com a sociedade. Isso que você disse é verdade, a mídia tradicional nos ignora. Não procura nos ouvir nem divulgar nada que se relacione com o PT. A não ser quando se trata de notícia negativa. Na televisão então, nem pensar. Então, é muito difícil quebrar essa barreira barreira, enfrentando também o poder econômico e o poder político instalado no Planalto, com uma atuação antipetista indiscutível. Hoje só podemos nos manifestar através das mídias independentes de esquerda, através da nossa militância e de nossos próprios canais digitais. Não temos mais os programas e as inserções partidária semestrais. Acabaram com isso alegando que só beneficiaria o PT. Afinal, os outros têm mídia. Em condições tão adversas, as eleições são uma oportunidade muito importante para nos comunicarmos com a sociedade. Assim, vamos disputá-las e também nos utilizar das campanhas para falar com o povo, para defender o legado dos governos do PT, para defender o Lula, para explicar o que estão fazendo contra o país, despertando a consciência crítica das pessoas, e também para apontar alternativas, reafirmando nosso projeto de país, com mais justiça, mais igualdade e soberania.
247 – E qual é o segundo?
Gleisi – O outro desafio é avançar na organização social. O PT precisa fortalecer suas instâncias de base, sua militância e seus núcleos, fortalecer as direções municipais e estaduais e a nossa relação com a sociedade. Ou seja, intensificar a militância e a proximidade com o povo. Já resgatamos muito de nossos vínculos com os movimentos sociais mas isso também é prioridade. Sem conscientizar e organizar a população, não avançaremos, e este foi um dos erros que cometemos quando estávamos no governo. Descuidamos da politização, no sentido de formar consciência crítica, explicando as escolhas feitas. Por exemplo, entre um programa que beneficiasse a maioria do povo, especialmente os mais pobres, ou um programa que alcançasse apenas um setor empresarial ou um segmento social. Governar é sempre fazer escolhas, mas elas precisam ser explicadas. Agora temos que falar muito do que nos diferencia deste projeto de extrema direita que está aí, e temos que fazer isso o tempo todo, sistematicamente, não apenas no processo eleitoral. Este é um desafio maior que o eleitoral, embora o eleitoral também não vá ser fácil.
247 - Mais do que em 2016, quando o PT perdeu mais da metade de suas prefeituras?
Gleisi – Em 2016 estávamos no auge do bombardeio e da demonização. Acabávamos de ser apeados do governo por um golpe. Foi horrível. As coisas melhoraram um pouco mas ainda enfrentamos as consequências de tudo aquilo, como a redução da disponibilidade de quadros para concorrer no maior número possível de municípios.
247 – Antes de entrarmos na estratégia eleitoral do PT, que tipo de julgamento você acha que a população fará do governo Bolsonaro? Acha que a eleição terá este componente nacional ou será mais pautada pelas tais questões locais?
Gleisi – Espero que as eleições deste ano sejam uma prévia da eleição presidencial de 2022, no sentido de que a população vai avaliar a destruição que estão causando ao país. É claro que vamos discutir as questões locais mas nem será preciso fazer um grande esforço para politizar o debate, vinculando a eleição à questão nacional. Como é que vamos discutir o problema de moradia se hoje, com a destruição do Minha Casa, Minha Vida, o país não tem mais uma política habitacional? Os municípios não têm dinheiro, e se não houver financiamento federal, não dá para falar de habitação. Como é que se vai falar de saneamento, que é um problema municipal, sem falar de financiamento para tais obras? E de saúde, com o SUS desestruturado, sendo destruído, perdendo recursos. Eles acabaram com o Mais Médicos, expulsaram os cubanos e não colocaram nada no lugar. O SUS tem hoje R$ 15 bilhões a menos do que tinha em 2014. E a demanda aumentou. Como é que um candidato poderá dizer que vai melhorar o atendimento das pessoas sem contar com o SUS? Mesmo que a gente não quisesse nacionalizar a eleição, não seria possível, porque está tudo muito relacionado. Candidatos a prefeito não podem discutir os problemas municipais quando não existem políticas nacionais. Vamos confrontar quem fizer promessas assegurando que terá apoio federal. Como, se estão cortando tudo, tirando os pobres do orçamento?
247 – Como acha que Bolsonaro vai participar da eleição?
Gleisi – Ontem me mandaram um vídeo em que o Weintraub diz: “por isso, presidente, é importante eleger este ano pessoas que apoiam o senhor”. Até mandei examinarem se isso não constitui campanha antecipada. Acho que o Bolsonaro vai para a campanha com a mesma lenga-lenga de que é uma vítima, de que está tentando fazer as coisas mas não deixam, de que é anti-establishment. E acho que vai seguir na mesma toada de 2018, focando na agenda de valores e costumes e na questão de segurança. Eles não têm o que falar sobre geração de emprego, aumento da renda ou melhora dos serviços públicos. Então, voltarão com a pauta de valores e dizendo que a política de seguranças deles, de atirar para matar, está dando certo, reduzindo índices de criminalidade. Na verdade os índices estão caindo especialmente no Nordeste, graças a medidas tomadas anteriormente pelos governadores da região. Só no Ceará o número de homicídios caiu 50%. As medidas anteriores estão dando frutos agora e o Moro está tentando faturar isso.
E acho também que virão com candidatos com o mesmo perfil dos que lançaram para a Câmara em 2018: Major, capitão, nomes ligados a órgãos de segurança.
247 – E as Fake News, acha que eles vão se valer delas também este ano, como em 2018?
Gleisi – Acho que sim, mas agora com um pouco mais de dificuldade, porque as plataformas vão ter mais cuidado. Mas não tenho esperança de que joguem limpo, sem recorrer ao jogo sujo das fake-news.
247 – Em 2018 o partido não estava preparado para aquele massacre de fake-news. E agora, está se preparando?
Gleisi – Estamos tentando nos estruturar para isso. Primeiro com uma rede de comunicação digital mais robusta e organizada. Mas devo dizer que nós não temos os recursos que eles têm, porque os disparos de 2018 foram financiados a partir do exterior e bancados também por algumas empresas nacionais. Foi um caixa dois deslavado. E, segundo, as plataformas que foram utilizadas não são neutras. Não se pode dizer que Facebook, Whatsapp e Instagram são neutros. Eles têm lado na disputa. Então, estaremos lutando no território do inimigo. Vamos nos preparar mas sabendo que eles farão uso de um arsenal poderoso. Por isso acho que precisamos falar muito diretamente ao povo. Por isso o Lula será muito importante neste processo. O povo confia muito no que Lula diz. Teremos também que advertir o eleitorado sobre as fake-news, embora agora exista um pouco mais de informação e de consciência sobre o uso delas. Temos que responder com prontidão quando uma notícia falsa começar a circular. Aquele negócio da mamadeira de piroca, por exemplo, era uma coisa tão absurda, tão descabida, que a gente a achava que não colava. Mas colou, para muita gente. Este tipo de coisa, agora, terá que ser respondida nas redes com vigor, imediatamente. Teremos inclusive que repetir as vulgaridades empregadas por eles. Não é fácil, mas hoje estamos bem mais preparados para enfrentar este problema.
247 – Falando de Lula. Ouço pessoas dizerem que esperavam uma atividade mais intensa dele, depois de ter sido solto. Concorda com isso, e quais seriam as causas?
Gleisi – Veja, não fazem dois meses que o Lula saiu da prisão. Atribuo tais cobranças à compreensível angústia das pessoas. Ele saiu em 7 de novembro, participou de alguns atos e depois veio o final de ano, que impõe uma pausa de uns 15 dias à atividade política. Neste período ele participou de um ato grande em São Bernardo do Campo, do Festival Lula Livre em Recife, do Congresso do PT e do Encontro com a Cultura, no Rio de Janeiro. Tem dado uma média de duas entrevistas por semana e cumprido intensa agenda de encontros e de participação em debates, já conversou com quase todos os governadores do Nordeste, já falou por telefone com o presidente da Argentina. E quantas matérias a TV Globo já deu com ele, depois do ato de São Bernardo? Nenhuma, exceto registros sobre processos judiciais. Agora em fevereiro, por ocasião da celebração dos 40 anos do PT, ele terá encontro com o ex-presidente uruguaio José Mujica e também o Carlos Lupi, do PDT, que vai participar de uma das mesas. Esta semana ele vai a Belo Horizonte, onde terá alguns encontros e participará de um ato de solidariedade às vítimas da tragédia de Brumadinho. A partir de 15 de fevereiro, ele terá uma movimentação política mais intensa, seguindo uma agenda que está sendo preparada.
No último sábado houve uma reunião dos comitês Lula Livre, em que decidimos reposicionar a campanha em defesa de Lula. Ele está solto, mas não está livre, porque não recuperou seus direitos políticos, está com seus bens bloqueados, enfrenta várias restrições. Temos que explicar isso para as pessoas que se mobilizaram por sua soltura. A campanha precisa continuar, mantendo o slogan Lula Livre mas tratando agora de qualificá-lo. Vamos pedir que o STF julgue logo a ação que sustenta a parcialidade do Sergio Moro e sua suspeição como juiz que condenou Lula. Só a anulação da sentença pode trazer a reabilitação política de Lula.
247 – Mesmo com uma agenda intensa, se depender da grande mídia as pessoas não terão notícia do Lula… Mas quero reproduzir outra crítica que tenho ouvido, a de que, depois de solto, ele se deixou envolver muito pelas questões do PT, quando deveria estar atuando como líder maior da oposição.
Gleisi – Lula é presidente de honra do PT, e é natural que ele se envolva, como sempre se envolveu, com as questões partidárias. Mas não está focado só nisso. Ele sai da prisão fazendo um discurso para o povo brasileiro, não falando para o PT. Já em São Bernardo ele afirmou que precisávamos voltar a cuidar do povo, especialmente dos mais pobres. E radicalizou na pauta econômica. Até então, a pauta econômica não era o ponto central de combate da esquerda e da oposição. Vínhamos fazendo a discussão da reforma previdência e criticando os retrocessos impostos pelo governo mas nosso discurso estava disperso. Lula centrou na política econômica do Guedes e foi criticado por isso, foi chamado de radical. Pois se há algo que unifica a mídia, a elite econômica e o capital financeiro é a política neoliberal do Guedes. Por mais que não gostem do Bolsonaro, estes grupos estão unidos no apoio à política econômica do Guedes. Nos debates da reforma da previdência era muito engraçado. As TVs chamavam sempre um parlamentar a favor e um técnico. Nunca alguém da oposição, com visão diferente. Todos diziam que, passando a reforma, a economia iria reagir. Então, antes de Lula ser solto, a pauta que sustenta o nazi-fascismo deste governo, que é a pauta neoliberal, não vinha sendo enfrentada com vigor. Lula fez isso. Tanto é que o próprio Guedes saiu de seu bunker para criticar o Lula, acusando-o de querer tocar fogo no país com manifestações como as do Chile. E ai se queimou ao defender a volta do AI-5. Então é falso que Lula esteja se ocupando apenas das questões internas do PT.
247 – Guedes disse hoje que o novo normal do país é juros altos com dólar alto...
Gleisi – Nada disso. O novo normal do país é o desemprego, a fome voltando e a renda caindo. Sem falar nos arreganhos fascistas. Por falar em renda caindo, ele agora está dando outra garfada nos mais pobres. Corrigiu o salário-mínimo abaixo da inflação, houve a grita e agora vai recompor o reajuste, mas só a partir de fevereiro. Então em janeiro o salário será de R$ 1.039,00, e só em fevereiro será reajustado para R$ 1.045,00. Estão garfando, em janeiro, R$ 6,00 de cada trabalhador ou aposentado que ganha salário-mínimo. São 25 milhões de aposentados, dos quais o governo vai confiscar R$ 150 milhões em janeiro. Entre aposentados e trabalhadores ativos, hoje 49 milhões de pessoas vivem com o salário-mínimo, Ou seja, a tunga de Guedes e Bolsonaro será de R$ 294 milhões. Estão fazendo caixa à custa dos mais pobres. E fora isso, deixaram de dar aumento real, suprimindo a política criada por Lula, pela qual a correção se baseava na inflação mais o crescimento do PIB no ano anterior. Se fosse dado este aumento real, o salário-mínimo teria que ser de R$ 1.058,00. O que está sendo retirado é bem mais do que o que foi dado com liberação do FGTS e 13º para o Bolsa-família.
247 – Neste início do ano há um foguetório dizendo que “agora vai”, que a economia vai decolar. Que resultados o PT espera?
Gleisi – Acho que no máximo podem conseguir é alguma coisa do gênero “voo de galinha”, não um crescimento sustentável. Eles injetaram o que puderam na economia, com a 13ª parcela do Bolsa-família e a liberação do FGTS, mas estão retirando muito mais dinheiro da economia com a tunga do salário-mínimo. Cortam recursos do orçamento, sacrificando programas sociais. Não têm projeto para geração de emprego. Não têm um programa de crédito sequer para a renegociação das dívidas das família. Comprimem ao máximo o gasto público e o investimento público é o mais baixo da história recente. Como a economia pode crescer neste quadro? Não tem como. Hoje (segunda-feira, 20) o FMI projetou um crescimento de 2,2% este ano, para o Brasil. Nossos economistas dizem que será preciso um crescimento contínuo de 2,5% durante 12 anos para voltarmos aos indicadores de emprego e renda que tínhamos em 2014. É mais do que uma década perdida. Não se trata de torcer contra. A receita que eles aplicam é que não tem como dar certo. Marcio Pochman me apresentou recentemente um dado que muito me impactou: 89,6% das pessoas no Brasil têm renda familiar per capita de até um salário-mínimo. Essa é uma realidade muito dura. E se não bastasse, agora eles deixaram a inflação furar o centro da meta, os preços dos alimentos continuam subindo, castigando os mais pobres. Por isso acho que a eleição terá forte componente nacional. As pessoas estão sentindo tudo isso no bolso e vão dar seu recado.
247 – Então vamos falar de eleição. Persiste no PT a orientação de ter candidatos próprios na maioria dos municípios, em detrimento de alianças?
Gleisi – Persiste. Onde pudermos, teremos candidatos petistas. E onde for possível e conveniente fazer alianças, vamos fazer. Essa orientação não é só do PT. Todos querem ter o maior número possível de candidatos próprios. Só não externam isso. E se externam, não causam o mesmo impacto. O que estão fazendo o PDT, o PSB, e o PSOL? Estão articulando candidaturas próprias onde conseguem. Isso é da natureza dos partidos. Principalmente em capitais e cidades grandes, onde haverá dois turnos, a tendência é que todos apresentem seu programa e seu candidato. E depois, no segundo turno, as forças progressistas vão se articular. Onde houve um candidato de outro partido com mais clara viabilidade, poderemos fazer aliança já no primeiro turno. E o PT está com boa vontade para fazer isso, por exemplo, em Porto Alegre, em Belém, no Rio e em Florianópolis. Não vejo que mal existe no fato de o PT ter uma orientação no sentido de ter candidatos onde for possível. Um partido nasce para disputar o apoio da sociedade, sem prejuízo de alianças. Óbvio que onde houver uma candidatura de esquerda melhor posicionada temos que discutir e conversar. E depois, o PT precisa se renovar e as eleições municipais são uma oportunidade para isso. Surgem novos quadros, que podem até não ganhar, mas vão acumular força.
247 – O Ciro estaria estimulando o PDT a fazer alianças no Nordeste com o PFL...
Gleisi – O Ciro está onde sempre esteve. Sua origem é a Arena. Então, não me surpreende.
247 – São Paulo é crucial para o PT, e lá o partido tem muitos candidatos, embora nenhum forte. O Suplicy defendeu a realização de prévias mas a proposta não foi bem recebida. Como vão resolver este imbróglio?
Gleisi – Eu não falei contra prévias, porque elas estão até previstas no estatuto partidário. Eu apenas disse que em São Paulo devemos fazer um esforço grande para construir uma unidade, saindo com um candidato fortalecido para a disputa, já que não vamos sair com um nome de forte referência, como seria o Haddad.
247 – O nome dele já está mesmo descartado?
Gleisi – Sim, não tenho bola de cristal mas por ora está. Ele declarou que não tinha disposição e o partido também avaliou que ele é quadro importante para a política nacional, para a organização do partido e a formulação de suas propostas.
247 – Talvez para ser candidato a presidente em 2022...
Gleisi – Isso também. Nada está definido para 2022 mas obviamente ele é um dos nomes fortes que nós teremos, caso o Lula não possa ser o candidato.
247 – Mas haverá prévias ou não em São Paulo?
Gleisi – Por ora existe um indicativo de prévias. As pessoas estão se preparando para uma eventual disputa mas vamos fazer um esforço de conversação para evitá-la.
247 – Você considera que seriam nefastas, trariam desgaste ou quebra de unidade?
Gleisi – Não sou contra prévias. Como disse, estão previstas nos Estatutos, são um instrumento democrático e já foram muito utilizadas. É que neste momento não vejo divergências políticas significativas, que justifiquem a realização de uma prévia, discutindo a condução do processo e o posicionamento do PT. Temo que fique uma prévia mais personalista, baseada nos desejos pessoais. E isso realmente não é bom.
247 – Quais são mesmo os candidatos?
Gleisi – Suplicy, Zarattini, Paulo Teixeira, Jilmar Tatto, Alexandre Padilha e mais uns dois nomes, menos conhecidos.
247 – Aquele aceno à Marta Suplicy não produziu efeitos. Ela será candidata pelo MDB?
Gleisi – Acho que pelo MDB não. Quando conversamos, ela me disse isso. Ela está procurando um partido. Ela quer contribuir de qualquer forma para o enfrentamento da direita em São Paulo, seja como vice, seja como apoiadora.
247 – Em que momento as candidaturas e as alianças começarão a ser definidas?
Gleisi – Acho que só depois do carnaval. Agora os partidos estão conversando, avaliando candidatos, definindo programas. O prazo legal para definição de candidaturas é abril, então ainda há tempo. Na política nada se define muito antes do início do jogo. As conversas estão acontecendo. No Rio estamos conversando com Freixo, em Porto Alegre com o PC d B e a Manuela D’Ávila, mas obviamente o martelo ainda não foi batido.
247 – E a oposição parlamentar ao governo Bolsonaro, este ano será mais agressiva? Apesar da dificuldade numérica, algo pode melhorar?
Gleisi – Ainda não houve conversas entre os partidos, pois o Congresso ainda está em recesso mas eu defendo maior agressividade. Em postura, na forma de enfrentar, fazendo com que a população compreenda o que está acontecendo aqui. O Congresso está sendo o verdadeiro condutor da agenda econômica neoliberal. Esta é a realidade. Em algumas votações, a oposição conseguiu se articular com outros setores e impor derrotas ao governo mas a agenda de retirada de direitos do povo está sendo tocada pelo Congresso, com Rodrigo Maia e David Alcolumbre dando sustentação às propostas de Paulo Guedes. Foi assim na reforma da Previdência e na votação das medidas provisórias. O Congresso não se posicionou sobre a privatização da Petrobrás, que está acontecendo por fora, estão vendendo nossa maior empresa aos pedaços. Agora querem aprovar o projeto do Serra, que está no Senado, retirando a preferência para a Petrobrás nos leilões do pré-sal. Esta é uma pauta importante, que a oposição terá de fazer o que puder para não deixar passar. Ela desestrutura qualquer projeto de desenvolvimento, entrega nossa maior riqueza ao capital estrangeiro. Então, precisamos nos organizar para uma resistência parlamentar mais aguerrida. O Supremo aprovou aquela dispensa de aprovação parlamentar para a venda de empresas subsidiárias da Petrobrás e de outras estatais. E o Congresso não deu um pio, calou-se diante desta retirada de sua prerrogativa.
247 – Sempre que o governo explicita sua natureza autoritária, como no arreganho nazista do ex-secretário de cultura, vem aquela grita sobre a necessidade de uma frente ampla para enfrentar o perigo do nazi-fascismo. Esta frente é necessária e é viável?
Gleisi – Eu li um excelente artigo do Marcelo Zero, logo depois deste episódio, em que ele diz que “nosso Hitler é o Guedes”. E é isso mesmo. A pauta neoliberal pressupõe a destruição da democracia, não tem como se retirar direitos da maioria dentro do processo democrático. Se houver manifestações de rua haverá porrada. Eles já avisaram, se acontecer aqui o que aconteceu no Chile, haverá repressão. Democracia e neoliberalismo não combinam. Então, como formar uma frente ampla com aqueles que estão apoiando o projeto neoliberal? Como se aliar com aqueles que apoiaram a Lava Jato e executaram o impeachment da Dilma? Para eles fazerem discursos, posarem de democratas e depois continuarem apoiando os projetos do Guedes? Não podemos passar um pano nisso. A democracia formal, com eleições, com liberdade, é importante mas democracia não é só isso.
247 – Você acha que as elites econômicas, que viabilizaram a eleição do Bolsonaro, agora estão procurando um candidato que seja neoliberal mas não autoritário, alguém como o Luciano Huck?
Gleisi – Certamente, estão procurando um neoliberal limpinho, não fascista, mas isso é difícil. Como lhe disse no começo, a receita econômica deles não vai trazer crescimento nem gerar emprego para os 12 milhões de desempregados brasileiros. E milhões estão trabalhando em condições precárias, sem direitos e sem garantias. Mas sair disso vai depender de nossa capacidade de fazer o contraponto e de apresentar alternativas, não permitindo que a velha direita se articule para substituir Bolsonaro. É difícil, porque ela não polariza, como faz o PSDB, cada vez mais fora do jogo.
247 – Além de defender o legado de seus governos, que políticas alternativas o PT vem propondo.
Gleisi – Por exemplo, nosso programa de geração de empregos e nossa proposta de reforma tributária. As duas propostas estão numa cartilha que o PT está começando a distribuir e Gleisi nos apresenta.
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