'JurisRacial' quer ampliar conhecimento jurídico dos negros sobre o racismo: 'passo fundamental contra terríveis estatísticas'
De acordo com o IBGE, pretos e pardos representam 55,5% da população brasileira
247 - O Ministério da Igualdade Racial, comandado por Anielle Franco, anunciou nesta sexta-feira (22) a criação da plataforma JurisRacial, que tem o objetivo de contribuir para o enfrentamento do racismo e a promoção da igualdade racial, com mais acesso a documentos jurídicos e acadêmicos sobre o tema. “Quando o Estado brasileiro reconhece que contribuiu para manter as terríveis estatísticas que temos, estamos dando um passo fundamental para a construção de um país mais justo para todos”, disse a titular da pasta. Os negros, que totalizam pretos e pardos, representam 55,5% da população brasileira – 112,7 milhões de pessoas em um universo 212,6 milhões. De acordo com o Censo 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 20,6 milhões (10,2%) se autodeclaram “pretos” e 92,1 milhões (45,3%), “pardos”.
No site também está disponível a Biblioteca Antirracista com artigos, pesquisas, teses, dissertações e outros materiais. A pasta fez uma parceria com três instituições - Advocacia-Geral da União, Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do DF, e Associação Nacional dos Procuradores Municipais.
A Plataforma JurisRacial é um repositório que compila legislação e decisões judiciais relacionadas ao combate ao racismo e à promoção da igualdade racial. É possível encontrar normas que compõem o ordenamento jurídico brasileiro, decisões judiciais, pareceres jurídicos e outros atos de órgãos públicos que buscam promover a igualdade racial e enfrentar as múltiplas formas de manifestação do racismo.
No site em que fica a biblioteca, existe uma Linha do Tempo, com marcos normativos e marcos históricos que informam e orientam a análise sobre a luta ancestral pela liberdade e igualdade, destacando a conquista de direitos da população negra no Brasil.
A ferramenta foi instituída pela Portaria Interministerial MIR/AGU nº 010, de 21 de novembro de 2023, e se posiciona como fonte indispensável para profissionais do direito, acadêmicos, ativistas e a sociedade em geral. Visa democratizar o acesso às informações jurídicas relacionadas à promoção da igualdade racial e enfrentar múltiplas formas de opressão.
O desenvolvimento da plataforma foi conduzido por equipes técnicas do MIR e da AGU, que desde agosto de 2024 realizaram encontros regulares para validar funcionalidades e aprimorar o layout. A gestão do JurisRacial ficará a cargo do Comitê Gestor da Plataforma JurisRacial (CGJurisRacial), que seguirá monitorando e atualizando o repositório para garantir a eficácia contínua da ferramenta.
Estatísticas: educação, renda e segurança pública
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgou, no contexto de Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado na quarta (20), um estudo sobre vários indicadores que apontamm que, apesar dos avanços, a desigualdade racial de rendimentos persiste no Brasil.
O primeiro deles é que o rendimento médio dos negros é 40% inferior ao dos não negros. Mas o levantamento demonstrou também que os negros com ensino superior ganham até 32% a menos que os demais trabalhadores com o mesmo nível de ensino – a entidade destaca que, mesmo com a adoção da Lei das Cotas, a situação pouco se alterou.
Outro dado significativo é a renda de R$ 899 mil a menos dos trabalhadores negros em relação aos não negros, durante todo o período de sua vida laboral. No caso daqueles com ensino superior, o valor chega a R$ 1,1 milhão.
No que diz respeito aos cargos de liderança, um em cada 48 homens negros está em posições de chefia ou comando. Entre os não negros, a proporção é de um para 18 profissionais. Nas profissões mais bem pagas, os negros são apenas 27% do total, com 70% dos trabalhadores em ocupações com salários mais baixos.
Mulheres negras
O levantamento do Dieese mostra que uma em cada seis mulheres negras trabalha como empregada doméstica. O rendimento médio das profissionais sem carteira é R$ 461 menor do que o salário mínimo.
É o caso da pernambucana Zilma Fontes, de 48 anos, que trabalha em São Paulo e que já foi contratada pelo regime de CLT como doméstica e babá. Em ambos os casos ganhava mais do que no trabalho atual como diarista. “Além de ganhar menos como diarista, é um trabalho muito instável. Com os benefícios de uma carteira assinada, caso o patrão não peça para não ir ao trabalho, você não fica sem receber”, disse.
Segundo a supervisora técnica do escritório do Dieese na Bahia, Ana Georgina Dias, apesar de alguns avanços e, principalmente, com a adoção de políticas reparatórias, como a Lei de Cotas, ainda “há um caminho muito longo a ser trilhado no sentido da diminuição das desigualdades”.
Ana Georgina ressaltou que o estudo do Dieese - do qual foi uma das coordenadoras - chama a atenção pela "permanência dos trabalhadores negros na condição de desigualdade ao longo dos anos, principalmente no caso das mulheres”. Ela disse que, embora tenhamos assistido avanços importantes, inclusive no setor privado, e motivados pelos movimentos negros, “há uma lacuna muito grande, que demanda ainda muito tempo para que, de fato, as desigualdades diminuam”.
O levamento do Dieese é importante, uma vez que 57% da população brasileira é constituída por negros, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Também são os declarados negros ou pardos a maior parcela dos trabalhadores ocupados (55%) no mercado de trabalho.
Os principais dados analisados pelo Dieese foram obtidos junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na pesquisa Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continua (PNAD Contínua), estando disponíveis no boletim De Olho Nas Negociações, de outubro deste ano.
Os negros brasileiros têm menos anos de estudo, maiores taxas de analfabetismo e menor acesso ao ensino superior. Dados de uma publicação especial sobre educação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada nesta sexta-feira (22), mostram que a desigualdade racial persiste no cenário educacional do país.
Entre os dados que mostram as diferenças raciais destaca-se a média de anos de estudo. Enquanto os brancos tinham, em média, 10,8 anos em 2023, os negros tinham 9,2 anos, ou seja, 1,6 ano a menos. Houve uma pequena queda nessa diferença desde 2016, quando era de 2 anos.
A partir dos dados da Pnad Contínua, é possível observar que essa desigualdade começa no ensino médio. Enquanto, no ensino fundamental, o percentual de negros no ciclo escolar adequado à sua faixa etária (6 a 14 anos) era superior (94,7%) ao de brancos (94,5%), no nível médio a situação se invertia.
A parcela de negros de 15 a 17 anos que estudavam ou já tinham concluído o ensino médio, ciclo adequado para essa faixa etária, era de 71,5%, bem abaixo dos 80,5% atingidos pela população branca.
Apenas 48,3% dos negros com mais de 25 anos haviam concluído o ensino médio em 2023. Para os brancos, o percentual era de 61,8%.
A situação de desigualdade se acentua no acesso ao ensino superior. A taxa de negros de 18 a 24 anos que cursavam uma graduação ou já tinham concluído a faculdade era de 19,3%. Já os brancos eram 36%. O atraso escolar atingia 7% dos brancos na faixa de 18 a 24 anos, enquanto que 10,1% dos negros sofriam com esse problema.
Segundo o IBGE, 70,6% dos negros com 18 a 24 anos deixaram os estudos sem concluir o ensino superior. Para os brancos, a taxa era de 57%.
Outro dado que mostra a permanência na desigualdade racial na educação brasileira é a taxa de analfabetismo. Os negros tinham uma taxa de 7,1% em 2023, mais do que o dobro observado na população branca (3,2%). Analisando-se a taxa para pessoas com mais de 60 anos, a diferença é ainda maior: 22,7% para os negros e 8,6% para os brancos.
Outro relatório inédito feito nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro apontou que há diferenças nas abordagens policiais para suspeitos negros e brancos. Segundo o estudo, pessoas negras têm 4,5 vezes mais chances de serem abordadas do que as brancas.
O levantamento foi feito pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), cujos membros são advogados criminais e defensores de direitos humanos, e o Data_Labe, organização social com sede no conjunto de favelas da Maré. Foram ouvidas 1.018 pessoas, sendo 510 no Rio de Janeiro e 508 em São Paulo. Destes, 64% declararam já terem passado por pelo menos uma abordagem policial - 652 pessoas.
O levantamento mostra que 89% das pessoas negras que passaram por abordagem policial relataram terem sofrido algum tipo de violência física, verbal ou psicológica. Para as pessoas brancas, o número é de 66,8%.
Em relação ao assédio moral, 18,9% dos negros foram vítimas da prática, enquanto 13% dos brancos relataram o ocorrido. Embora pequena, a frequência de ameaças também é maior entre os negros: 3,3% contra 2,2% no grupo de pessoas brancas.
Revista íntima e avaliações
O grupo de pessoas negras foi o que relatou maior incidência de contato nas partes íntimas durante abordagens: 42,4% ante 35,6% no outro grupo. Neste número estão homens, mulheres e pessoas que se classificam em outros gêneros.
A grande maioria (74,5%) dos participantes negros que já foram abordados e que responderam ao estudo classificaram suas experiências durante abordagens policiais como “ruins” ou “péssimas”. Já no grupo de pessoas brancas, essa classificação correspondeu a 47,1% do total.
Posicionamentos
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo esclareceu que os procedimentos são revisados quando necessário, tanto na Polícia Militar quanto na Polícia Civil do estado.
“A PM, por exemplo, deu início à atualização de seus procedimentos operacionais padrão (POP), bem como do manual de direitos humanos da instituição. Todos os policiais militares frequentam anualmente o EAP [Estágio de Aperfeiçoamento Profissional]. A Polícia Civil aumentou a carga horária de matérias relacionadas aos direitos humanos em cursos ministrados pela Acadepol”, conclui a nota.
A Polícia Militar do Estado de São Paulo informou, em nota, que "em relação às abordagens policiais, informa que atualiza seus protocolos operacionais (POP) constantemente no processo de excelência pela gestão de melhoria contínua. Os POPs são padronizados de forma a não observarem estereótipos raciais, de gênero, classe social, idade ou religião". A instituição também explicou que as forças policiais têm utilizado armas neuro-incapacitantes (tasers) e câmeras corporais para minimizar o uso da força.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por sua vez, informou que não comentará o estudo, visto que a pesquisa trata da atuação das forças de segurança.
A assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar do Rio de Janeiro informou à Agência Brasil, em nota, que “nos protocolos que norteiam as ações de abordagem da Corporação não há qualquer distinção de contexto social - raça, credo religioso, orientação sexual, entre outros.”
A instituição esclareceu ainda que “em relação à questão racial, um desafio que deve ser enfrentado de forma contundente por toda sociedade brasileira e até mundial, a Polícia Militar do Rio de Janeiro orgulha-se de ter sido a primeira instituição pública a incorporar negros em suas fileiras, mesmo antes da abolição da escravatura. Hoje, 40% dos policiais militares são afrodescendentes. A Polícia Militar do Rio de Janeiro orgulha-se ainda de ter sido uma das primeiras instituições a ser comandada por um negro, o saudoso Comandante-Geral Coronel Carlos Magno Nazareth Cerqueira, que deixou um legado de valor inestimável para a Corporação.”
Até o fechamento da reportagem, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) não havia respondido ao pedido de comentários sobre o estudo (com Agência Brasil).
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