Verba do orçamento secreto do MEC vai para empresa do pai de aliado de Arthur Lira
Vereador que se reuniu com Arthur Lira e ex-ministro da Educação para liberar recursos do FNDE teve campanha bancada pela empresa do pai, que fechou contratos pagos pelo MEC
Por Alice Maciel, Bianca Muniz, Bruno Fonseca, Matheus Santino e Yolanda Pires, Agência Pública - A empresa do pai do vereador de Maceió João Catunda (PP/AL) — aliado político e amigo de Arthur Lira (PP/AL) — recebeu R$ 54,7 milhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) através de emendas do relator de 2021, revela investigação exclusiva da Agência Pública. Essas emendas compõem o que ficou conhecido como orçamento secreto, pois são divulgadas pelo governo sem a informação de qual parlamentar é o autor e quais são as empresas beneficiadas pelo dinheiro público.
Segundo a reportagem apurou, Edmundo e João Catunda (pai e filho) têm um histórico de encontros com Lira. No ano passado, em junho, João esteve com Lira em Brasília e, em novembro, em Maceió — junto ao ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro. Segundo postagem do próprio vereador, o encontro tratou do destravamento de projetos do FNDE para Alagoas. Neste ano, João e Edmundo estiveram com Lira em fevereiro, quando se reuniram em Brasília junto a outros vereadores alagoanos e, em março, ao lado de outras lideranças do Progressistas.
Dirigida por Edmundo Catunda, a Megalic fechou contratos custeados pelas emendas de relator em Alagoas através do programa Educação Conectada, do Ministério da Educação (MEC), criado para ampliar o acesso à internet de alta velocidade e uso de tecnologias digitais na Educação Básica. A reportagem apurou que 22 municípios alagoanos destinaram recursos das emendas de relator para o programa no ano passado. Desse total, ao menos 13 firmaram contratos com a Megalic para distribuição de kits de robótica, incluindo o Consórcio Intermunicipal do Agreste Alagoano (Conagreste) — presidido por um aliado de primeira hora de Arthur Lira, o prefeito de Limoeiro de Anadia, Marlan Ferreira (PP).
Apesar da Megalic ter sido fundada em 2013, Edmundo entrou na empresa apenas em março de 2020, ano das eleições municipais nas quais seu filho foi eleito vereador. Em outubro, ele foi o principal financiador da campanha do filho. O segundo maior doador foi a sua atual esposa e sócia há anos da Megalic, Roberta Lins Costa Melo. Juntos, os donos da Megalic doaram R$ 92 mil para a eleição de João Catunda. Recentemente, o vereador se desfiliou do PSD com pretensão de se candidatar à Câmara dos Deputados pelo Progressistas, de Arthur Lira.
Procurado pela Pública, Edmundo negou que exista influência política na contratação de sua empresa. “Na hora que participamos do pregão, da licitação, ou quando a prefeitura nos procura para contratar através de um registro de preço que a gente fez, não procuramos saber quem é que indicou a emenda. Não sei se é emenda de relator, quem é o autor”, argumentou. Ele afirmou ainda que tem boa relação com todos os campos políticos. “A gente mora num estado muito pequeno que todo mundo se conhece, que é impossível eu ter um contrato que não tenha uma ligação política com alguém que eu conheço”, justificou, acrescentando ainda que a Megalic “é a maior fornecedora de tecnologia educacional do estado”. “A minha relação empresarial eu não deixo misturar com política, se eu tiver essa ligação, eu termino perdendo contrato dos outros”, concluiu.
João, por meio de sua assessoria de imprensa, respondeu que “o vereador nunca atuou em liberações de recursos que foram destinados à Megalic”. “Sua atuação como parlamentar é restrita ao Município de Maceió. Conflito de interesses seria o vereador João Catunda destinar suas emendas ao orçamento de Maceió para essa finalidade, o que nunca ocorreu”, diz a nota. “A empresa Megalic participa de pregões eletrônicos e só é vencedora quando oferece o menor valor. Sendo assim, a tentativa de afirmar que há um suposto direcionamento de recursos, é falsa”. A nota segue: “Não é verdade a afirmação de que existe esse histórico de encontros, muito menos para tratar de assuntos relacionados à liberação de verbas do FNDE. Nenhuma das ações divulgadas pelo vereador tiveram a Megalic como beneficiária”.
Contudo, em suas redes sociais, João Catunda divulga a parceria com Arthur Lira para liberação de recursos do FNDE para os municípios alagoanos, sem mencionar que a empresa de seu pai recebe verbas do fundo através de contratos com prefeituras. “Amanhã o nosso Estado está recebendo o ministro da Educação e o FNDE para ajudar a destravar obras e projetos de ensino nos municípios, iniciativa feita por mim e pelo presidente @oficialarthurlira”, escreveu o vereador em seu Instagram no dia 4 de novembro do ano passado. A postagem afirma: “3 coisas que vocês devem saber sobre a vinda do FNDE a Alagoas. É uma atividade do Ministério da Educação feita a pedido do Arthur Lira e João Catunda”.
Segundo postagem do vice-prefeito de Olivença, Franklin Quintino (PSD), Arthur Lira, João e Edmundo Catunda o convidaram para participar de uma reunião com representantes do FNDE, que ocorreu em fevereiro deste ano no gabinete do deputado federal. Em 2020, o município, de cerca de 40,8 mil habitantes, recebeu R$ 271,2 mil das emendas do relator geridas pelo fundo para aquisição de ônibus escolar.
A reportagem também questionou o presidente da Câmara, Arthur Lira, sobre a relação com João e Edmundo Catunda, a Megalic e a liberação de emendas do FNDE a aliados políticos. A assessoria de Lira respondeu apenas que: “as ilações não são verdadeiras”.
A Pública também pediu esclarecimentos ao FNDE sobre informações das emendas de relator e empresas beneficiadas, que também não foram enviados.
Orçamento secreto da Educação vai para prefeituras de aliados de Arthur Lira
Ao todo, 64 prefeituras de Alagoas receberam R$ 123,6 milhões de recursos do orçamento secreto gerido pelo FNDE em 2020 e 2021, de acordo com uma planilha à qual a Pública teve acesso com exclusividade. O fundo está sob o comando de Marcelo Ponte, ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira (PP). Isso significa que, apesar da queda de Milton Ribeiro do Ministério da Educação, o maior fundo controlado pela pasta continua sob o comando do PP.
O município que recebeu mais recursos das emendas de relator no FNDE em 2021 foi União dos Palmares: R$ 8,3 milhões. O valor é praticamente o mesmo do contrato homologado pela prefeitura com a Megalic, em junho: foram R$ 8 milhões para a compra de kits de robótica.
A verba da Educação foi anunciada pelo prefeito de União, Areski Freitas (MDB), que afirmou que Arthur Lira confirmou o repasse quando se encontraram em Brasília, em julho do ano passado. O encontro foi registrado em suas redes sociais, onde Kil, como o prefeito é conhecido, afirmou se tratar de “reforço importante na educação dos nossos alunos da rede pública com instrumentos de robótica”.
Arthur Lira colhe frutos eleitorais de municípios alagoanos que receberam recursos das emendas. No dia 4 de abril, o prefeito de União dos Palmares divulgou um vídeo em apoio à reeleição do deputado à Câmara. “A gente vem aqui de pronto dizer ao Arthur Lira que conte comigo na sua eleição, eu sei que você é muito importante para o nosso estado e principalmente para a minha cidade, tamo junto aí”, afirmou.
Em março, Kil reuniu em União dos Palmares lideranças da região em um grande evento para receber o líder do Centrão. O prefeito de Santana do Mundaú, Arthur Freitas (MDB), marcou presença e registrou o encontro em suas redes sociais. “Momento importante de prestação de contas e também de apresentação das ações desse parceiro que tanto tem trabalhado pelo nosso município e por toda Alagoas. Conte comigo, deputado @oficialarthurlira”, escreveu em publicação no Instagram.
Santana do Mundaú, com pouco mais de 10 mil habitantes, recebeu R$ 4,9 milhões do orçamento secreto do MEC no ano passado, aplicados no programa Educação Conectada. Em 21 de fevereiro deste ano, o prefeito assinou um contrato no valor de R$ 4,9 milhões com a Megalic para a compra de “Solução de Robótica Educacional (SRE), kits de peças, acompanhados de software de programação, materiais de apoio para os alunos, material de apoio para professores e capacitação e treinamento de professores”.
“O Arthur Lira tem 50% dos prefeitos de Alagoas que votam nele. A chance de eu ter contrato com uma prefeitura que seja do Arthur é de 50%, mas em nenhum momento eu misturo política com negócio, de jeito nenhum”, justificou Edmundo Catunda à reportagem. No dia 9 de abril, segundo ele, a Megalic irá promover uma Olimpíada de Robótica em Canapi, que também é apontada como reduto eleitoral do líder do Centrão.
Comandada pelo prefeito do Progressistas, Vinicius José Mariano de Lima, mais conhecido como Vinícius Filho de Zé de Hermes, Canapi recebeu R$ 7 milhões das emendas de 2021 do orçamento secreto gerido pelo FNDE. Desse montante, R$ 5,8 milhões foram para o programa Educação Conectada. O contrato firmado com a Megalic foi de R$ 5,7 milhões, conforme o Diário Oficial municipal.
Outro município alagoano dirigido pelo PP que recebeu recursos das emendas de relator e contratou a Megalic foi São José da Laje. A prefeitura, comandada por Ângela Vanessa, firmou um contrato de R$ 6,9 milhões com a empresa de Edmundo Catunda. O Secretário de Assuntos Institucionais da cidade é o ex-prefeito Paulo Roberto de Araújo, o Neno da Laje, que esteve reunido em Brasília com Arthur Lira, João e Edmundo Catunda, em março.
Segundo Edmundo, a reunião “com pretensos candidatos para formar a chapa” à Câmara dos Deputados de Alagoas foi convocada pelo próprio deputado federal. Também estava presente nesse encontro Marlan Ferreira, aliado de Lira e presidente do Conagreste. O consórcio firmou contratos que somam R$ 37,4 milhões com a Megalic.
Entre os municípios do Conagreste que contrataram a Megalic está Girau do Ponciano, que firmou contrato de R$ 175 mil para compra de 50 kits de robótica para a cidade, e Coité do Nóia, com R$ 875 mil contratados com a empresa. Em março, Lira divulgou em seu instagram um vídeo do prefeito de Coité do Nóia, Bueno Higino (PP) agradecendo o deputado pelos recursos enviados para a cidade, “promovendo a revolução na educação”.
A história política dos Catunda em Alagoas
Situada em uma casa residencial no bairro de Jatiúca, a Megalic tem capital de R$ 1 milhão e um objeto social extenso: a empresa está registrada na Junta de Alagoas sob a rubrica de comércio atacadista de máquinas, peças, equipamentos, roupas, materiais de uso médico e hospitalar, livros, equipamentos eletrônicos, dentre outros. No último balanço comercial, a empresa apresentou uma receita líquida de mais de R$ 17 milhões e um patrimônio líquido de R$ 7 milhões.
Antes de entrar como sócio e administrador na Megalic, em março de 2020, Edmundo Catunda chegou a se candidatar a vereador duas vezes em Maceió: uma pelo antigo PFL, em 2004, e outra pelo PR, em 2012, mas perdeu em ambas as eleições. Edmundo também foi assessor comissionado na Câmara dos Deputados até 2007.
A família Catunda tem histórico político: o avô, também chamado Edmundo, foi candidato a vereador pelo PTC em 2012. Por sua vez, o irmão do vereador João Catunda — que também se chama João — foi nomeado em 2021 no gabinete do segundo vice-presidente da Câmara dos Deputados, André de Paula, do PSD de Pernambuco. João Pedro Loureiro Pessoa Catunda recebe cerca de R$ 3,6 mil mensais. O PSD é o partido pelo qual o vereador João se elegeu.
Antes de se chamar Megalic, a empresa tinha o nome do seu antigo dono, Denilson de Araujo Silva: ela se chamava D de Araujo Silva. A reportagem encontrou contratos da D de Araujo Silva com prefeituras alagoanas para fornecimento de papel higiênico e itens de papelaria. Atualmente, Denilson Silva é titular da Star Medicamentos e Material Hospitalar, registrada em Pernambuco.
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