O relato angustiado de uma professora em SP: “se eu morrer amanhã, para a Prefeitura é fácil, basta me substituir”
Sob anonimato, professora da rede pública de São Paulo denuncia ao Brasil 247 que o governo Bruno Covas (PSDB-SP) promove um “darwinismo social” ao não proporcionar aos profissionais da educação garantias mínimas de segurança para o retorno presencial das aulas. Já são 1137 profissionais da educação da rede pública do estado de SP contaminados e 23 óbitos
Por Laís Gouveia, 247 - “Se eu morrer de Covid, a Prefeitura nem liga”. Assim definiu uma professora sobre o cenário da volta às aulas na rede municipal de ensino de São Paulo, que falou ao 247 sob condição de anonimato, com receio de algum tipo de represália.
“O que está acontecendo com a volta às aulas na rede pública de São Paulo é uma grande tragédia anunciada, mas a prefeitura nem liga. Isso se chama darwinismo social. Se eu morrer de Covid, basta remanejar outro professor, de outro colégio, e colocar em meu lugar. Eles não ligam para nossas vidas, simples assim”, detalhou Lucíola (nome fictício).
Ela trabalha em uma escola municipal na zona sul da capital paulista e atendeu a uma solicitação de entrevista do Brasil 247 para apurar os abusos contra os educadores, após o retorno às aulas presenciais desde o dia 8 de fevereiro, no momento em que o estado de São Paulo enfrenta um dos piores cenários da pandemia, com projeção de UTIs com 100% de ocupação.
A educadora, que está em greve contra a retomada das aulas presenciais, mas que mesmo assim vai ao colégio sem assinar o ponto para prestar apoio à comunidade escolar, relembra que o processo de aulas, remotas ou não, foi feito de forma atropelada pelo prefeito Bruno Covas (PSDB-SP) durante todo o período de pandemia. “O Padula (Fernando Padula, secretário municipal de Educação) governa para suas redes, um blogueirinho, adora mídia. Ficamos sabendo de tudo pela TV Globo, não pelo Diário Oficial da Cidade de São Paulo, ou em algum comunicado. Então os pais ligam para a escola e não podemos dar informações completas”, diz.
Além das falhas de comunicação, outro problema central atinge os educadores na maior cidade do Brasil: a infraestrutura sucateada ou praticamente inexistente para ministrar as aulas, descumprindo os padrões de segurança estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Lucíola explica que, apesar de cumprirem a padronização de 35% dos alunos presenciais, não há material para atendê-los.
“A Prefeitura prometeu salas de aula equipadas com transmissão on-line, além disso, as famílias receberiam tablets com chips, no chamado ensino híbrido, mas a realidade é oposta. Dos 347 alunos matriculados na escola que trabalho, apenas seis tablets chegaram. Dessesseis, três são para alunos do nono ano que já saíram do colégio e a diretoria regional de ensino nada fez a respeito, poderiam servir para outros estudantes”, recorda a professora.
Outro fator que é motivo de pânico, aponta a professora, é a péssima infraestrutura ofertada para receber profissionais e estudantes. Lucíola denuncia que, no seu local de trabalho, não houve reforma estrutural. “As janelas estão fechadas e estragadas, sem ventilação natural nas salas de aula. Há janelas travadas também no refeitório, o que é mais grave, pois é o local que os alunos tiram suas máscaras para comer”, relata.
Ela também aponta a falta de profissionais para estabelecer medidas de higiene como um fator “gravíssimo”. “Temos apenas três inspetores para atender a escola das 7h às 18h30, a conta não fecha, não conseguimos garantir que um aluno por vez use o banheiro, ou que mantenha o distanciamento correto fora da sala de aula, mesmo com 35% do número total de alunos frequentando as aulas, não temos funcionários para garantir a estrutura necessária para conter o vírus”.
A ideia da volta às aulas nas sucateadas escolas de São Paulo já gera consequências. No colégio em que Lucíola trabalha, alunos apresentam sintomas da Covid e nada pode ser feito a respeito, pois não há testagem em massa, apenas medição da temperatura na entrada da escola. A profissional disse à reportagem que apenas nesta semana uma família inteira de irmãos foi às aulas com sintomas de Covid e que dois professores estão afastados após contrair o vírus. “Estamos falando de seis professores que tiveram contato com esses alunos e com as outras turmas. Agora, multiplica isso em todo o estado, nós estamos sob um risco intenso”.
A escola da zona sul é um reflexo que ilustra a situação grave de periculosidade que profissionais da educação e estudantes da rede pública de ensino enfrentam em todo o Brasil com a proposta de retomada às aulas sem vacina e infraestrutura adequada.
Desde o final de janeiro, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) vem registrando casos confirmados de Covid-19 entre professores e outros trabalhadores da educação na rede pública. Segundo a entidade, já são 1137 profissionais da educação da rede pública do estado de SP contaminados e 23 óbitos. E as aulas começaram apenas há duas semanas.
A professora Maria Tereza Miguel Couto de Lourenço, de 32 anos, (foto acima) que dava aulas na escola estadual de tempo integral Ministro José de Moura Rezende, em Caçapava (SP) morreu neste sábado (20) em decorrência da Covid-19. Já na cidade de Campinas, Ana Clara Macedo dos Santos, do 8° Ano, morreu com apenas 13 anos, nesta quinta-feira (25), ao contrair o vírus no colegio Raquel de Queiroz.
“Na escola tem comida”
Além do não acesso à internet em casa, a fome pode estar levando muitos estudantes voltarem para sala de aula. No ambiente escolar, além do acesso à educação, eles também se alimentam.
Para Luciola, que trabalha numa comunidade empobrecida, alguns pais estão enviando seus filhos às escolas por uma questão de miserabilidade. “As famílias que estão mandando seus filhos para as escolas estão com grave crise de segurança alimentar, estão desesperadas, a prefeitura dá um vale merenda 55 reais por mês. O que dá para comer com esse valor no Brasil?”, indaga.
Apenas em janeiro de 2021, dois milhões de famílias voltaram para linha de miséria no Brasil com o fim do auxílio emergencial, medida essencial para sobrevivência dos mais vulneráveis ou que perderam seus empregos na durante a pandemia.
Em contraponto ao descaso, o apoio
A professora conta que, ao contrário do descaso da Prefeitura de Covas, os movimentos sociais e sindicais promovem apoio e luta em defesa dos profissionais da educação. “Sindicatos como o Aprofem, Sedin, SindSep, Sinesp e Sinpeem estão engajados e unidos contra a proposta de genocido do governo”, ressalta. Questionada sobre como ela enxerga o futuro dos educadores, Lucíola diz que sente muito medo. “Queremos estar vivos para continuarmos a dar aulas. Queremos seguir com ensino remoto seguros. A responsabilidade da falta de infraestrutura para os estudantes não pode ser jogada no colo dos professores e diretores dos colégios, que é o que está ocorrendo”, conclui.
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