Sob protesto, Alesp discute a privatização da Sabesp. Oposicionistas tentam adiar votação
Sindicatos de trabalhadores e representantes de movimentos populares tentam pressionar os parlamentares a barrar a venda da estatal defendida pelo governo Tarcísio de Freitas
Gabriela Moncau, Brasil de Fato | São Paulo (SP) - Com um carro de som na porta, manifestantes na rua e lotando o plenário, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) retomou nesta terça-feira (5), sob protesto, a discussão do projeto de lei (PL) do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) que autoriza a privatização da Sabesp. Sindicatos de trabalhadores da própria companhia, do Metrô, da CPTM e da educação, além de representantes de movimentos populares e estudantis, tentam pressionar os parlamentares – cuja maioria compõe a base do governo – a barrar a venda da estatal.
Das seis horas de debate previstas e iniciadas na segunda-feira (4), faltam ainda 2h16, que serão retomadas, segundo convocação do presidente da casa, André do Prado (PL), às 19h desta terça (5). Só depois de encerradas as discussões a pauta pode ir para votação. A oposição deve fazer o possível para adiar a matéria para esta quarta-feira (6), quando o plenário costuma estar mais esvaziado. Para ser aprovado, o PL precisa de maioria simples de votos favoráveis, o que significa 48 deputados.
Depois de entregar o projeto para a Alesp, em 17 de outubro, Tarcísio de Freitas liberou R$ 73,3 milhões em emendas extras para os deputados estaduais. O montante é 64% de todas as emendas voluntárias distribuídas neste ano. Nos bastidores da Assembleia, circula a informação que cada parlamentar que votar favorável a privatização poderá mais R$ 20 milhões em emendas.
Trabalhador da Sabesp há 31 anos, Paulo César de Moraes participou da manifestação desta terça e considera "imoral" a liberação de emendas com este fim. "Esse dinheiro faz diferença no bolso dos parlamentares, muitos com os olhos nas eleições do ano que vem", afirma Moraes, que é também dirigente sindical.
Para a codeputada estadual da Bancada Feminista Paula Nunes (PSOL), o governador quer "rifar um dos maiores patrimônios públicos que nós temos". "A Sabesp é uma das melhores empresas de saneamento básico da América Latina e é também uma empresa que é superavitária, então não existe justificativa para que o governo queira deixar de ser o acionista majoritário", disse.
"A oposição está mobilizada e unida para obstruir a privatização no plenário e confiamos muito que a mobilização popular é fundamental", afirma Nunes.
Caso aprovado PL, o caso será judicializado. "Este projeto é inconstitucional, vamos entrar com uma ação questionando a regulamentação por projeto de lei e não por proposta de emenda à Constituição (PEC)", explica a deputada.
"A Constituição de São Paulo diz expressamente que é responsabilidade do Estado lidar com a distribuição de água e saneamento básico", ressalta Nunes. Diferentemente de um PL que precisa de maioria simples, para que uma PEC seja aprovada na Alesp, são necessários dois terços dos votos do plenário.
'A tarifa aumenta e a qualidade do serviço piora'
Na visão de José Faggian, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema), a privatização da empresa será um "prejuízo muito grande para o povo de São Paulo".
"A Sabesp trata de água e saneamento, serviços que são essenciais e têm uma relação direta com a saúde da população. E uma empresa privada, diferente do que acontece hoje, colocará o lucro em primeiro lugar. E a gente tem visto pela experiência do que tem acontecido no mundo, onde o serviço de saneamento é privatizado que a tarifa aumenta e a qualidade do serviço piora", destaca.
"Infelizmente o governo do estado, o governador e a Alesp estão sendo participantes nesse processo de entregar pra iniciativa privada uma empresa. O que está em jogo nessa votação na Assembleia Legislativa de São Paulo é exatamente isso, a saúde da população de São Paulo e a entrega de um patrimônio que é um patrimônio construído ao longo de 50 anos pelo povo de São Paulo", afirmou Faggian.
Também presente ao protesto, Manoel Santos, dirigente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp), também adverte para o risco de piora dos serviços e aumento dos preços caso uma empresa privada assuma a tarefa de levar água e esgoto para a população.
"Seria inocente qualquer pessoa que tem uma residência e que tem ligações de água com a Sabesp achar que uma empresa que vai virar uma indústria privada não vai querer o lucro", alerta.
"Como é que ficam as pequenas cidades dentro dessa nova visão da Sabesp? Porque uma coisa você falar de uma cidade de São Paulo, que é extremamente lucrativa. Agora, na hora que o Tarcísio ou a Sabesp vão para as pequenas cidades, você vai ver que existe prejuízo", afirma, lembrando ainda dos riscos de sucateamento da empresa e demissões entre os trabalhadores. "Basta ver a Enel agora aqui na cidade de São Paulo."
A deputada federal Juliana Cardoso (PT-SP) considera que a venda da "maior companhia de setor de água e esgoto da América Latina é um absurdo".
"É uma empresa pública, que pertence ao povo. Primeiro, a gente vive uma emergência climática que assola todo o país, como as estiagens, seca no Norte, enchentes no Sul, milhares de família sofrem com a falta de acesso a água e saneamento. Quando dizemos que a água não é mercadoria, é porque nós estamos falando sobre água, é direito e é vida", defende.
Enquanto o debate acontece, a oposição, dentro e fora da Alesp, promete lutar contra a privatização da estatal. Veterano da Sabesp, Paulo César de Moraes garante: "nós vamos permanecer mobilizados. Nós não vamos desistir nunca enquanto não tiver o martelo batido. Por enquanto existe capacidade de luta e a gente vai até o fim".
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