Tragédia em Brumadinho revela omissão do Brasil com direitos humanos em empresas
Ruptura de barragem, trabalho escravo e adoecimento eram sintomas frequentes dentro da Vale, mineradora responsável por dois grandes desastres ambientais e humanos em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais
Por Darlan Helder, participante de Jornalismo e do Curso de Jornalismo e Direitos Humanos da Oboré/Abraji
Três anos depois do rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (MG), o município de Brumadinho (MG) se viu debaixo de lama no dia 25 de janeiro de 2019. Entre dor e revolta, sobreviventes e ex-funcionários da Vale relatam sobre abusos constantes nas estruturas da mineradora, muito antes da ruptura da Barragem 1, do Córrego do Feijão. Abusos estes que violam as orientações de Direitos Humanos em Empresas, estabelecidas pela ONU (Organização das Nações Unidas).
“A maior parte dos meus pacientes da Vale tinha quadro de ansiedade, de depressão, de insônia, transtorno do sono, ou estresse. Era típico dos funcionários da Vale”, diz Cândida Viana, psicóloga há 24 anos e moradora de Brumadinho (MG), que hoje vem atendendo as vítimas da maior tragédia ambiental e humana do Brasil, deixando 252 mortos e 18 desaparecidos até o momento.
Durante uma palestra do professor francês Christian du Tertre, na Câmara Municipal de Brumadinho, Viana, que se sentia intrigada com os sintomas recorrentes entre os colaboradores da mineradora brasileira, ficou sabendo de uma pesquisa na qual revela que o território degradado pela mineração no Norte da França nos anos 90 apontou forte adoecimento da população oriundo de doenças psíquicas. O principal motivo está relacionado à desmotivação dos funcionários, bem como à pressão no ambiente de trabalho.
“Os funcionários, meus pacientes, sempre queixavam de uma cobrança muito grande, um nível de tensão muito alto, uma exigência imensa com a questão da segurança”, ressalta a psicóloga. Submetidos a diversos riscos, muitos ali zelavam pela segurança. No entanto, hoje se sentem traídos pela companhia que exigia tanto e falhou justamente na segurança. O padecimento no ambiente profissional revela a omissão das empresas em zelar pelos Direitos Humanos em suas estruturas, deixando seus funcionários em vulnerabilidade.
Em Brumadinho, um terceirizado confirmou a pressão da Vale com relação à segurança. Não usar luvas, por exemplo, poderia acarretar suspensão, e o colaborador era obrigado a perder um dia de trabalho. Um motorista da Uber, ex-funcionário da Mina Córrego do Feijão, afirmou que circulava com caminhão em estrada de terra estreita, correndo risco de vida.
A negligência da Vale com relação aos Direitos Humanos não é novidade. Em fevereiro de 2015, a empresa chegou a ser autuada por mais de 30 infrações, incluindo trabalho escravo, em Itabirito, também em Minas Gerais. Segundo mostrou a revista Exame, foram constatados que motoristas carregavam o minério de ferro em situações precárias, cumpriam jornadas exaustivas e, assim como Brumadinho, eram ameaçados. Na época, a Vale havia negado as acusações. Todavia, a Ouro Verde, terceirizada da mineradora, divulgou nota afirmando que iria resolver os problemas identificados.
A ONG Business & Human Rights Resource Centre revela que ainda há muito a ser feito para reverter esse cenário nas companhias. Em seu portal, onde há o artigo “Empresas e direitos humanos - Uma breve introdução”, a instituição elucida que iniciativas pautadas pela Responsabilidade Social Corporativa (RSC) são realizadas parcialmente, com base no que a empresa voluntariamente opta. A Business & Human Rights Resource Centre ainda explica que, antes de falar em Direitos Humanos, as empresas precisam sobretudo respeitar todos os direitos, e que elas devem fornecer uma abordagem universal e reconhecida.
Lançado oficialmente em 26 de julho de 2000, pelo então Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, a Responsabilidade Social Corporativa é derivada do Pacto Global das Nações Unidas. Ela é de suma importância, uma vez que estimula empresas a se comprometer com os direitos humanos no âmbito social e ambiental.
Há oito anos, o Conselho de Direitos Humanos da ONU estabeleceu os “Princípios Orientadores sobre Negócios e Direitos Humanos: Implementando os Parâmetros da ONU para proteger, respeitar e reparar”. As três iniciativas apresentadas (Proteger, Respeitar, Reparar) servem de base para estimular o poder público e privado a zelarem pelos Direitos Humanos.
No mesmo ano foi criado o Grupo de Trabalho sobre Empresas e Direitos Humanos (GT). O objetivo dele consiste em monitorar e garantir que o Estado proteja seus cidadãos contra abusos, e que haja afeição aos direitos humanos. Além disso, o GT também realiza visitas aos países.
No Brasil, o Grupo realizou uma vistoria em 2015, visitando cidades em quatro Estados e mais no Distrito Federal. O GT dialogou com o poder público, empresas, representantes da sociedade civil e vítimas de desastres socioambientais. Em pós-visita, com relatório apresentado em maio de 2018, o Grupo de Trabalho reportou que, no país sul-americano, as empresas dão baixa prioridade quando o assunto é impacto em direitos humanos de suas atividades; comunidades atingidas (como Mariana e Brumadinho) são ignoradas; ainda há riscos de retrocessos legislativos, dentre outras situações.
“O documento trazia, ainda, um conjunto de 32 recomendações, sendo 21 ao Estado brasileiro, sete a empresas públicas e privadas com atuação no Brasil, e quatro à sociedade civil brasileira”, explica Jefferson Nascimento, advogado, doutor em Direito Internacional e assessor do programa de Desenvolvimento e Direitos Socioambientais da Conectas Direitos Humanos. Segundo a Conectas, no Brasil, mais de 60% das orientações do Grupo de Trabalho sobre Empresas e Direitos Humanos não foram executadas de maneira eficaz pelo governo.
Fontes: Conectas Direitos Humanos; Business & Human Rights Resource Centre; Exame.
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