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    Agro disputa mercado bilionário de produtos alternativos a agrotóxicos

    Croplife e associações de produtores rurais divergem sobre o marco regulatório para o uso desses produtos

    Agronegócio (Foto: Reuters/Enrique Marcarian)

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    Brasil de Fato - A disputa por um mercado de R$ 5 bilhões tem dividido o agronegócio brasileiro. De um lado, gigantes dos agrotóxicos e dos insumos agrícolas. Do outro, associações de grandes produtores. Todos interessados em lucrar com a produção dos chamados “bioinsumos”.

    Desenvolvidos a partir de organismos vivos ou ingredientes naturais, como insetos, bactérias, plantas, vírus e fungos, os bioinsumos são, predominantemente, de baixa toxicidade e atuam de forma seletiva, eliminando pragas específicas das lavouras e reduzindo danos ao meio ambiente – uma alternativa mais sustentável em um país como o Brasil, maior consumidor mundial de agrotóxicos.

    Especialistas apontam que o uso desses produtos melhora a qualidade de vida do solo e das culturas, sem prejudicar polinizadores, animais ou insetos que não são alvos do insumo. Além disso, outros grandes benefícios são a redução de custos na produção, uma vez que esses produtos são mais baratos. Eles também têm menos químicos, uma demanda do mercado externo, preocupado com os impactos à saúde dos consumidores e ao meio ambiente.

    O principal ponto de divergência está no processo de registro. A Croplife, associação que representa fabricantes multinacionais como Syngenta, Bayer e Corteva, briga para que o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária” participem do processo de aprovação de novos produtos. Também quer que o controle sobre substâncias já autorizadas pelos órgãos, o que tornaria mais rigorosa a fabricação desses produtos. As empresas representadas pela Croplife detêm 55% do mercado. 

    Já o Grupo Associado de Agricultura Sustentável (GAAS) e a Associação Brasileira de Bioinsumos (Abbins), que atuam como representantes de 50 associações de grandes produtores rurais, defendem que esses três órgãos se manifestem apenas quando consultados pelo Ministério da Agricultura, “para fornecer subsídios técnico-científicos ao processo de registro de novos produtos destinados ao controle fitossanitário, de acordo com seu nível de risco”.

    Fontes ouvidas pela Repórter Brasil apontam uma incoerência no discurso da Croplife. Enquanto na aprovação da nova Lei de Agrotóxicos a associação fez lobby para minimizar o papel da Anvisa e do Ibama no registro e reavaliação de produtos, na de bioinsumos procura uma maior participação dos órgãos. 

    Para além da incoerência, o interesse das gigantes de agrotóxicos é manter também o controle do mercado de bioinsumos. “Se o produtor começar a deixar de usar os agrotóxicos para usar produtos biológicos, elas querem ser as fornecedoras dos produtos biológicos. Elas querem continuar dominando o comércio”, afirma Rogerio Dias, ex-coordenador de agroecologia e produção orgânica do Ministério da Agricultura e presidente do Instituto Brasil Orgânico.

    A Croplife, entretanto, afirma que no caso da Lei de Agrotóxicos, o Mapa não deixa de ouvir os outros órgãos, somente coordena esse processo [leia a resposta na íntegra].

    Corrida contra o tempo

    O uso de bioinsumos não é novidade no campo. Há mais de 50 anos esses produtos são utilizados nas lavouras, especialmente na agricultura orgânica. Nos últimos 15 anos, porém, grandes produtores agrícolas, pecuários, aquícolas e florestais passaram a utilizar com mais frequência esses insumos.

    Aproveitando uma brecha no decreto de orgânicos de 2009, que isenta de registro os bioinsumos aprovados para uso próprio na agricultura orgânica, os próprios produtores rurais passaram a fabricar esses produtos em larga escala em suas fazendas. Isso incomodou gigantes do setor, principalmente as grandes indústrias de pesticidas. Em 2020, as empresas e suas representantes entraram com processos questionando a legalidade da produção “on farm”, como é chamada a fabricação para uso próprio. 

    A aprovação da Lei de Agrotóxicos – que entra em vigor oficialmente em janeiro de 2025 –, fez com que os interessados na fabricação própria de bioinsumos corressem, já que a nova regra classificou bioinsumos dentro do guarda-chuva de pesticidas, o que exigiria registro para sua fabricação. Atualmente, há dois projetos de lei em debate na Câmara dos Deputados, mas nenhum deles é consenso no agro.

    Durante uma reunião na FPA, o secretário de Defesa Agropecuária do Mapa, Carlos Goulart, reforçou que a agricultura orgânica e seus produtos estão em risco. “A agricultura orgânica vai para a ilegalidade em dezembro se não colocarmos em vigor a lei de bioinsumos”, afirma.

    Já para Reginaldo Minaré, diretor executivo da Abbins, a questão é outra. “O produtor terá que pedir o registro ou autorização nos termos da Lei de Agrotóxico. Ou seja, quanto vai custar isso e qual o tempo que ele vai gastar para fazer esse pedido e obter esse registro ou autorização?”, argumenta Minaré.

    A reportagem apurou que existe um acordo para que o deputado e ex-presidente da FPA Sérgio Souza (MDB-PR) assuma a função de relator de um texto alternativo, que deve ser escrito em conjunto com associações, empresas e o governo, para ser votado logo após as eleições. 

    Em 20 de setembro, a Croplife divulgou um comunicado em que reconhece o direito da produção para uso próprio. Porém, deixou a mesa de negociação quando a Abbins e o Gaas, representantes dos produtores rurais, apresentaram um texto que limita a participação da Anvisa e do Ibama a consultas eventuais.

    A associação de agrotóxicos queria colocar na lei que todos os produtos destinados ao controle de pragas e doenças passem pelos três órgãos, inclusive aqueles produzidos com ingredientes já registrados no Brasil. “Aí ninguém concordou”, relata o diretor executivo da Abbins Reginaldo Minaré, que lidera as tratativas de acordo ao lado dos produtores rurais. “Todo mundo entendeu que isso criaria uma barreira e prejudicaria as pequenas e novas indústrias que pretendem participar desse mercado”.

    Lobby intenso

    Um levantamento exclusivo realizado pela Repórter Brasil mostra que o governo federal se reuniu 27 vezes com empresas e associações do setor para debater “bioinsumos” em 2024 – a consulta foi feita por meio do Agenda Transparente, ferramenta da Fiquem Sabendo.

    Enquanto a Croplife e a sua associada Corteva Agriscience, fabricante de agrotóxicos e bioinsumos, tiveram seis encontros no total em órgãos do governo, as representantes dos grandes produtores rurais tiveram dez reuniões. 

    O mês mais movimentado foi junho, com seis reuniões. Naquele período, havia a expectativa de que uma regulamentação sobre o tema fosse aprovada na Câmara. 

    Nessa mesma época, a Corteva organizou uma viagem de parlamentares aos Estados Unidos. Um dos tópicos da agenda da visita era a apresentação de suas fábricas e plantações que utilizavam soluções biotecnológicas – os bioinsumos – aos convidados brasileiros.

    Além do atual presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Pedro Lupion (PP-PR), a empresa levou a senadora Tereza Cristina (PP-MS) e os deputados Alceu Moreira (MDB-RS) ao país. Também viajaram representantes da Aprosoja, CNA, Abramilho e Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão).

    Segundo dados obtidos pela Repórter Brasil em parceria com a Fiquem Sabendo via Lei de Acesso à Informação, a empresa afirmou ao governo brasileiro ter investido R$ 800 milhões no no país nos últimos anos e que o Brasil é o seu segundo maior mercado.

    A Corteva nega que a viagem esteja relacionada à tramitação do projeto e frisa o interesse do grupo em “entender as melhores práticas agrícolas nos EUA”. Apesar de o encontro ter acontecido em junho, a assessoria de imprensa citou os incêndios florestais como um dos motivos da viagem, em que, segundo a empresa, teriam sido tratadas questões relacionadas ao seguro agrícola. Leia a resposta na íntegra.

    Bioinsumo é aposta para transição sustentável

    Embora o agronegócio apresente os bioinsumos como um passo para a transição sustentável, engana-se quem pensa que o setor vai abandonar o uso de agrotóxicos. “Eles não têm a menor intenção de abolir totalmente o uso dos químicos”, afirma Rogério Dias, presidente do Instituto Brasil Orgânico. Segundo ele, a proposta desses produtores é fazer o manejo integrado, ou seja, uma combinação do uso de químicos, biológicos, maquinários e de manejo cultural.

    “Cada vez mais, você tem pressão no mundo inteiro com relação a você adquirir alimentos sem contaminação, sem impactos ambientais, [diminuição] do uso de químicos. Então, [com os bioinsumos] você ajuda também nesse processo de melhorar a imagem”, aponta Dias.

    Devido às desavenças nos bastidores de Brasília, tanto as grandes empresas de insumos agropecuários quanto os produtores, que historicamente contaram com o apoio da FPA, composta por 290 deputados, agora se veem obrigados a dialogar com grupos de interesses opostos, como ambientalistas e ministros de estado, para viabilizar a aprovação da lei.

    O deputado Nilto Tatto (PT-SP), que tem atuado como mediador no tema pela bancada de seu partido, afirma que este é um momento raro em que é possível debater propostas com o agronegócio. “É o momento em que abre a possibilidade de a gente dialogar com os setores do agro. Se a lei vai sair num desenho a partir da nossa perspectiva, de cuidado do meio ambiente, da saúde, e também do ponto de vista da agricultura familiar, da independência [das grandes empresas], não dá para a gente adiantar. Mas nós estamos trabalhando nessa perspectiva”.

    Dias concorda que é necessário ter uma avaliação prévia dos órgãos de saúde e meio ambiente para analisar o impacto dos bioinsumos, mas chama a atenção para a necessidade de definir exatamente o que são bioinsumos na legislação. “O GAAS e Abbins, que tem a Aprosoja, Abrapa, essa turma toda junta, propõem a possibilidade de ter produtos biológicos transgênicos, que para nós é uma aberração total, é uma coisa absurda”. 

    “A gente já viu o que foi o impacto dos transgênicos nas sementes [que levou a um consumo ainda maior de agrotóxicos], o que acabou com a nossa diversidade de sementes crioulas, imagine se a gente começar a liberar esses organismos transgênicos, que impactos isso vai gerar?”, complementa.

    Em nota, a Anvisa reforçou a necessidade de ser incluída no processo de avaliação para garantir a segurança à saúde da população.” É imprescindível que tenhamos propostas legislativas que garantam as salvaguardas da saúde, pois está claro que tal prática corrobora para a avaliação segura de um bioinsumo de uso fitossanitário”.

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